Algemas X Camburões
Marcelo José Araújo*
Recente manifestação do Judiciário acerca do uso de algemas provocou muito debate e alvoroço. De um lado a polícia, que precisa garantir sua própria integridade e neutralizar a mobilidade daquele que está sendo conduzido, para evitar ações de fuga, ataque ou qualquer outra. De outro lado aquele que já se encontra aparentemente dominado, não demonstra qualquer motivação em reagir, numa situação até prova em contrário absolutamente controlada, e cujo emprego das algemas seria uma forma degradante de exposição pública, humilhação e em última análise uma punição acessória, um bônus. Nesse caso ser apresentado e conduzido sem o uso das algemas tem sido uma vitória para os advogados.
Sob esse enfoque podemos retomar a discussão a respeito do transporte de pessoas em camburões, aliás, no compartimento de carga dos camburões, e nesse caso entendemos que a discussão toda estaria fundamentada na condição que esse ser, perigoso ou inofensivo, é tratado: humano ou animal?
Para a legislação de trânsito é só esse aspecto que interessa. Se assume a condição de animal, é uma carga-viva, e nesse caso pode ser transportado tanto nos assentos quanto no compartimento de carga, ainda assim tomando-se certo cuidado com a ventilação do local (não poderia ser no porta-malas de um automóvel, p.ex.), ou mesmo sob o risco de ser lançado para fora do veículo, como sobre uma caçamba de caminhonete, pois poderia caracterizar maus tratos ao animal. Diga-se de passagem, ser transportado no camburão é tão humilhante e degradante quanto o emprego de algemas. Este só não poderia ser transportado entre os braços e pernas do condutor do veículo, ou ao seu lado esquerdo, mas achamos difícil que o policial fosse querer dirigir com ele no colo, abraçado.
Se for tratado como ser humano, deverá ocupar o habitáculo destinado aos seus semelhantes, devidamente sentado nos assentos e utilizando o cinto de segurança. Nesse caso a viatura até pode possuir um elemento separador (gaiola) para evitar reações, ataques inesperados e até tentativas de fuga, mas estarão ocupando o espaço destinado a seres humanos. O fato é que no caso de um acidente durante o percurso, o Estado não seria responsabilizado pelas conseqüências advindas do transporte indevido de seres humanos. Nesse caso os advogados não precisariam argumentar a ausência de ânimo de fuga ou reação para seus representados serem transportados nos assentos das viaturas, mas apenas que não fossem tratados como cargas vivas.
* Advogado e Consultor de Trânsito. Professor de Direito de Trânsito da UNICURITIBA advcon@netpar.com.br