Acórdão condenatório e prescrição: a propósito da Lei n° 11.596/2007
Paulo Queiroz*
De acordo com o art. 117, IV, do Código Penal, interrompe a prescrição a sentença condenatória recorrível. Apesar de o Código se omitir quanto ao acórdão condenatório, a doutrina majoritária entendia que também este interrompe a prescrição em duas hipóteses: a)condenação pelo tribunal em ação penal originária: b)condenação em grau de recurso, reformando sentença absolutória. É que, não obstante o nome (acórdão), a decisão do tribunal equilaveria a um autêntica sentença condenatória.
No entanto, distinguia-se este acórdão condenatório daquele que confirmava a sentença condenatória de primeiro grau; dizia-se então que este acórdão confirmatório da condenação não interrompia a prescrição. A interpretação fundava-se em dois argumentos básicos: a)quando o Código quis referir a decisão confirmatória como causa interruptiva, fê-lo expressamente, a exemplo da decisão confirmatória da pronúncia (inciso III); b)não se pode considerar como “sentença condenatória recorrível” acórdão confirmatório de sentença condenatória recorrível, por serem atos judiciais distintos: o primeiro é pressuposto do segundo inclusive. Do contrário haveria analogia in malam partem, em prejuízo do acusado.
Exatamente por isso, a prescrição era, por esta e outras razões, bastante freqüente, já que novos recursos eram interpostos contra o acórdão confirmatório da sentença condenatória recorrível, por vezes meramente procrastinatórios, a ensejar a decretação de prescrição tendo por termo inicial a sentença condenatória de primeiro grau.
A Lei n° 11.596/07 foi editada justamente com a finalidade de dar efeito interruptivo também ao acórdão confirmatório da sentença penal recorrível, conforme consta expressamente da justificação do Projeto n° 401/20031, suprindo a omissão do Código, dispondo que a prescrição é interrompida “pela publicação da sentença ou acórdão condenatório recorríveis”.
Apesar disso, alguns autores2 vêm defendendo a idéia de que a omissão persiste: o acórdão confirmatório da sentença condenatória recorrível não interrompe a prescrição. Dizem que a lei se limitou a dispor sobre tema já pacificado na jurisprudência: o acórdão, que provendo recurso da acusação, condenar o réu, interrompe a prescrição; idem, acórdão que condenar em ação penal originária.
O equívoco é manifesto. Primeiro, porque esta lei não faz distinção entre acórdão condenatório e confirmatório da sentença condenatória, distinção que é própria da decisão de pronúncia, por outras razões; no particular a distinção é arbitrária, portanto. Segundo, porque o acórdão que confirma a sentença condenatória a substitui. Terceiro, porque este acórdão é tão condenatório quanto qualquer outro. Quarto, porque a distinção implicaria conferir a este acórdão efeito próprio de absolvição. Quinto, porque não faria sentido algum que o acórdão que condena pela primeira vez interrompesse o prazo prescricional e o seguinte não. Finalmente, se os argumentos no sentido de distinguir acórdão condenatório e confirmatório faziam sentido antes da reforma, já agora não o fazem mais. A interpretação parte de um panorama legislativo – e, pois, doutrinário e jurisprudencial – superado.
Note-se ainda que, rigorosamente falando, não existe “acórdão confirmatório de condenação”, seja porque em tese o tribunal reexamina a prova, os fundamentos fáticos e jurídicos da decisão impugnada, seja porque não raro procede à revisão da pena, altera a capitulação jurídica dos fatos ou absolve total ou parcialmente alguns dos réus. Também por isso o assim chamado acórdão confirmatório é em verdade um acórdão condenatório, formal e materialmente.
É evidente que a lei poderia ser mais explícita, consignando, por exemplo, que interromperá a prescrição “a sentença, o acórdão condenatório ou confirmatório da condenação”, mas tal referência seria absolutamente desnecessária, por tudo que já se disse, muito especialmente: acórdão confirmatório de condenação é acórdão condenatório, e não absolutório ou similar, a pressupor e exigir, assim, tratamento uno.
Por isso que doravante todo e qualquer acórdão que encerrar uma condenação, seja em ação penal originária, seja em grau de recurso, sempre interromperá a prescrição.
1Diz a justificação (Senador Magno Malta) que “sabemos que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, tem prevalecido o entendimento de que o acórdão confirmatório da condenação de primeira instância não é causa interruptiva da prescrição, justamente por conta da ausência de expressão previsão legal. A presente proposição, nesse sentido, contribuirá para dirimir os conflitos de interpretação, consolidando a posição, mais razoável, de que o acórdão confirmatório da sentença recorrível também interrompe a prescrição”.
2Nesse sentido, Fábio Machado Delmanto e outros. Lei n° 11596: Alterações ao art. 117 do Código Penal. Boletim do IBCCrim. S. Paulo: Ano 15, n° 182 – Janeiro/2008, p. 7. Idem, Robson Antônio Galvão da Silva e Daniel Laufer. Prescrição: alteração trazida pela lei n° 11.596/2007. Boletim do IBCCrim n° 183 – Fevereiro de 2008.
* Doutor em Direito (PUC/SP), é Professor Universitário (UniCeub), Procurador Regional da República em Brasília, e autor, entre outros, do livro Direito Penal, parte geral. Rio: Lumen juris, 2008, 4ª edição. Website: www.pauloqueiroz.net
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