Tributos indiretos representam custos das mercadorias e dos serviços
Kiyoshi Harada*
Nos chamados tributos indiretos existem dois critérios de tributação conhecidos.
Na tributação por fora, o valor do tributo não integra o preço da mercadoria ou do serviço. O valor do imposto incidente sobre a mercadoria ou o serviço é separado do preço respectivo. O imposto não pertence ao comerciante ou ao prestador de serviço. Seu destaque no documento fiscal significa que o vendedor da mercadoria ou o prestador do serviço fica na condição de depositário daquele valor pertencente ao fisco. É o critério utilizado, dentre outros, pelos Estados Unidos e pelo Japão. Pode-se dizer que tal critério trará problemas relacionados com trocos, quando o preço for pago em dinheiro, mas, além de espelhar um critério transparente, ele inibe a sonegação. Quem deixa de recolher o dinheiro de que é depositário comete crime.
Na tributação por dentro, o valor do imposto é embutido no preço da mercadoria ou do serviço. A alíquota do imposto é aplicada sobre o preço reajustado pelo montante do imposto, isto é, o imposto incide sobre si próprio. Por isso, a alíquota nominal do ICMS, por exemplo, de 18% equivalerá a uma alíquota real de 21,38%. A alíquota nominal de 25%, que incide sobre o consumo de energia elétrica, equivalerá a uma alíquota real de 33,35%. Essa questão foi levada aos tribunais, mas a jurisprudência consagrou a constitucionalidade do imposto de cálculo por dentro, que não permite ao consumidor visualizar o preço da mercadoria antes da incidência do imposto, a não ser no caso de tributação do consumo de energia elétrica. Efetivamente, neste caso, a conta de energia elétrica apresenta de forma discriminada o valor da energia consumida, a alíquota de 25% e o preço final da energia consumida. Essa transparência, fez com que os consumidores batessem à porta do Judiciário, alegando majoração da alíquota de 25% para 33,35%. Nas vendas de mercadorias não há essa transparência; o valor do imposto acha-se embutido e enrustido no preço, por isso ninguém foi a juízo alegando a majoração indevida da alíquota de 18% para 21,38%. A transparência tem um preço e os governantes sabem disso!
Uma coisa é o valor do ICMS destacado na nota fiscal, para fins de registro contábil, com o objetivo de tornar efetivo o princípio da não cumulatividade do imposto; outra coisa bem diversa é o valor do ICMS que integra o valor da operação de circulação de mercadoria, vale dizer, o preço da mercadoria no qual, obviamente, estão incluídos não apenas o valor do ICMS, mas também outros encargos que compõem o custo da mercadoria (salários, aluguéis, outros tributos etc).
O critério da tributação por dentro, portanto, atenta contra o princípio da transparência tributária previsto no § 5º, do art. 150 da CF.
A exemplo do ICMS, o ISS, o PIS, a COFINS e o PIS/COFINS- importação são tributos que adotam o critério de cálculo por dentro.
Esse critério pode conduzir a uma situação de extrema onerosidade e, ao mesmo tempo, de nebulosidade tributária acentuada. Lembremos da hipótese de cálculo do PIS/COFINS-Importação, que é feito por dentro. Esse cálculo incide sobre o valor aduaneiro, acrescido do valor do ICMS, que incide sobre si próprio e sobre o valor das contribuições, que também incidem sobre si próprias e, finalmente, sobre o valor do ICMS, originando um efeito circular de incidências em cascata. Um verdadeiro samba do crioulo doido!
A soma das alíquotas nominais do ICMS (18%) e do PIS/COFINS-Importação (9,25%) perfaz 27,25%, ao passo que, o seu cálculo por dentro, como determinado na legislação, eleva a alíquota real para 37,46%, representando uma diferença nominal de 10,21% de conhecimento ignorado pelo grande público.
É preciso que essa forma perversa de calcular o tributo por dentro e incluí-lo na base de cálculo de outro tributo, que obedece o mesmo regime de cálculo, seja amplamente discutida e debatida pela sociedade para que o consumidor possa ter uma noção exata do valor do tributo que onera a mercadoria ou serviço.
Com esse propósito a Comissão constituída pela FIESP, da qual participamos, para examinar e apresentar sugestões à Proposta de Reforma Tributária em discussão no Congresso Nacional, propõe o acréscimo do § 8º ao art. 150 da CF para instituir o critério de tributação por fora, nos seguintes termos:
‘§ 8º O valor do tributo não poderá integrar sua própria base de cálculo’.
Essa norma é necessária porque, à falta de previsão constitucional, a jurisprudência já consagrou a constitucionalidade do imposto de cálculo por dentro.
Enquanto se mantiver esse critério de cálculo por dentro, o tributo embutido no preço da mercadoria ou do serviço continuará representando o custo, tanto quanto os valores concernentes à matéria-prima, aos salários e às demais despesas. Excluir o tributo da base de cálculo implicaria, por coerência, a exclusão das demais despesas que compõem o custo da mercadoria ou do serviço. Assim, a base de cálculo ficaria restrita ao valor do lucro, que outra coisa não é senão o valor total da mercadoria ou do serviço (preço) menos o valor das despesas (tributo, matéria-prima, salários, aluguéis, consumo de energia elétrica etc.).
Por tais razões, fica difícil entender a votação majoritária no sentido de exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS havida nos autos do RE nº 240.785, Rel. Min. Marco Aurélio. Após os votos de sete Ministros, seis pela exclusão e um pela não exclusão do ICMS, o julgamento foi suspenso.
Caso prevaleça a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS, representada pelo faturamento bruto [01], por coerência, deverá admitir a exclusão da COFINS da base de cálculo do ICMS; exclusão do ISS da base de cálculo da COFINS, e vice-versa; exclusão do ICMS e da COFINS da base de cálculo da COFINS-Importação e vice-versa. Isso sem falar da exclusão de outros valores que representem despesas embutidas no preço das mercadorias e dos serviços.
Não nos parece possível, data maxima vênia, confundir base de cálculo da COFINS, na época, faturamento bruto, representando o preço final da mercadoria ou do serviço, com dedução parcial dos custos (ICMS) que compõem esse preço, ou seja, a base de cálculo da COFINS. Se o faturamento é feito pelo preço final da mercadoria ou do serviço e se a base de cálculo for o faturamento não há que se cogitar de exclusão desta ou daquela parcela componente do preço, a não ser que haja uma lei específica de incentivo fiscal prevendo a redução da sua base de cálculo. Por isso, se não houver uma reorientação da tese, o resultado final do julgamento daquele recurso extraordinário conduzirá a um beco sem saída.
Notas
01 Atualmente receita bruta.
* Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do IASP. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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