Reforma Tributária 4 – Aspectos Financeiros
Kiyoshi Harada*
Como conseqüência da não reformulação do pacto federativo na partilha de competência tributária, nesta mini reforma conduzida pelo Governo Central, são mantidos, de um lado, os impostos privativos de cada ente político, e de outro lado, a participação dos Estados e Municípios no produto de arrecadação de impostos federais, e a participação dos Municípios no produto de arrecadação de impostos estaduais. Continua, pois, a gradação dos entes políticos, incompatível com a idéia de uma Federação, onde as entidades que a compõem acham-se juridicamente parificadas. O sistema de partilha do produto de arrecadação não oferece autonomia financeira aos entes políticos regionais e locais, indispensável à fruição da autonomia político-administrativa.
Interessante notar que a nova redação a ser conferida ao art. 157 da CF suprime a participação dos Estados e do Distrito Federal em 20% do produto de arrecadação do imposto que a União vier a instituir no exercício de sua competência residual (art. 154, I).
É que esse imposto inominado foi incluído no elenco de impostos federais sujeitos à partilha do produto de sua arrecadação, conforme previsão do art. 159, II da CF, na redação prevista na PEC 233.
Aumentando a burocracia e, conseqüentemente, elevando o custo da atuação estatal, o novo art. 159 da CF prevê um complicado mecanismo de repartição do produto de arrecadação de impostos federais, como segue:
I – Do produto de arrecadação do IR, IPI e IOBS (IVA-E) a União destinará:
a)38,8% para o sistema de seguridade social;
b)6,7% para financiar o seguro desemprego e o abono anual de um salário mínimo para empregados que ganham até dois salários mínimos a título de remuneração mensal;
c)um percentual a ser definido em lei complementar para: c.1) pagamento de subsídios a preços ou transportes de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo e financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria de programas de infra-estrutura de transportes; c.2) financiamento da educação básica.
II – Do produto de arrecadação do IR, do IPI, do IGF, do IOBS (IVA-F) e do imposto inominado a União destinará:
a)21,5% ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE;
b)23,5% ao Fundo de Participação dos Municípios – FPM – sendo que 2% a serem entregues no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano;
c)4,8% ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, sendo que 95% desses recursos devem ser aplicados nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste;
d)1,8% ao Fundo de Equalização de Receitas para entrega aos Estados e ao Distrito Federal.
A novidade está no fato de não mais existir um percentual global a ser distribuído previsto no texto constitucional, bem como na inclusão de impostos ainda inexistentes. Na prática, resume-se na partilha do produto de arrecadação do IR e do IPI. Outrossim, alterou-se a expressão “a União entregará” para a “a União destinará”, o que, aparentemente em nada fortalece a segurança jurídica dos órgãos receptores do produto partilhado.
O percentual previsto no item I, “a” (38,8%) destina-se à desoneração parcial da folha de remuneração. O certo seria aumentar as verbas no orçamento da seguridade social (art. 165, II da CF), onde se insere a previdência social (art. 194 da CF) ao invés de mera previsão de entrega de recursos financeiros. O da letra “b” (6,7%) visa substituir o PIS-PASEP, absorvidos pelo IOBS. O da letra “c” objetiva substituir a CIDE incorporada pelo IOBS e que jamais teve o produto de sua arrecadação aplicado na consecução das finalidades previstas no inciso II, do § 4º, do art. 177 da CF. Mais do que mudança de textos, impõe-se a mudança de vontade política de cumprir as normas legais e constitucionais em vigor.
Em relação às destinações do inciso II, “a” e “b” os percentuais são os mesmos dos textos constitucionais vigentes, com a única condição inovadora no sentido de que 2% da parcela cabente ao FPM deverá ser entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano, ao passo que, pelo texto vigente, esse percentual é de 1%.
Dos 1,8% previstos na letra “d” para compor o Fundo de Equalização de Receitas para entrega aos Estados e ao Distrito Federal, 75% serão entregues diretamente aos Estados e 25% aos respectivos Municípios, observados os critérios do parágrafo único do art. 158 da CF.
Em relação à repartição do produto de arrecadação de impostos estaduais continuam valendo as atuais regras do art. 158 da CF, com uma única alteração. Na destinação dos 25% do novo ICMS (IVA-E) ¾ serão entregues aos Municípios na forma da lei complementar e ¼ conforme dispuser a lei estadual. E aqui está a segunda oportunidade para os Estados legislarem, comprometendo a propalada uniformidade da legislação do IVA-E. A outra interferência do legislador estadual está na faculdade de aumentar ou reduzir as alíquotas incidentes sobre mercadorias e serviços definidos em lei complementar, tudo na contramão da tão apregoada simplificação do Sistema Tributário.
A PEC 233/08 cria providências burocráticas sem precedentes, tanto na área tributária, como na área fiscal, tornado o Sistema caro e dispendioso a exigir mais aumentos tributários. Se hoje o contribuinte brasileiro consome 2.600 horas ao ano para poder pagar seus tributos, com a entrada em vigor das normas resultantes da aprovação da PEC 233, pode-se adicionar mais um terço nessas 2.600 horas desviadas da atividade produtiva.
* Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos e Legislativos da Fiesp – Conjur. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.