Nova proposta de reforma tributária
Kiyoshi Harada*
O PEC nº 175/95 que, entre outras coisas, implantava o IVA com alíquotas federal e estadual mediante fusão do IPI e do ICMS, mantido o ISS municipal, ao que tudo indica, foi sepultado pelo governo central.
Aquele projeto, além de em nada contribuir para a simplificação do sistema tributário aumentava demasiadamente a competência impositiva da União e promovia excessiva delegação de poderes ao Executivo. E o que é pior, as poucas virtudes que ele continha haviam sido aniquiladas através de substitutivo apresentado por seu ilustre relator.
Agora, o Ministério da Fazenda está apresentando uma outra proposta mas, como de hábito, sem a necessária divulgação de seu texto para estudo e análise dos especialistas e das instituições científicas, apesar da transcendental importância que essa matéria representa para os interesses da sociedade em geral.
O projeto prevê, acertadamente, a extinção do IPI, do ICMS e do ISS, substituídas que ficam pelo IVA, de competência impositiva federal, com o que se busca a necessária harmonia com os sistemas tributários do Mercosul em matéria de imposto sobre consumo. Isso não só irá aliviar a pressão tributária, como também, reduzirá os custos operacionais com a fiscalização e arrecadação de um único imposto ao invés de três. Porém, o mesmo projeto reintroduz o imposto sobre vendas a varejo, o IVV, agora ampliado, conferindo aos Estados membros a competência para instituí-lo. É a eterna preocupação de manter formalmente intocável a Federação Brasileira que, na realidade, não existe e nunca existiu quer antes, quer durante o regime militar. Toda tentativa de reforma tem esbarrado na cláusula pétrea representada pelo princípio federativo.
Já é tempo de pensar em novo pacto federativo na divisão do bolo tributário, de acordo com os encargos constitucionalmente atribuídos a cada entidade componente da Federação, coisa que ninguém cuidou ou quer cuidar. Fala-se, por exemplo, em imposto único sem, contudo, nada adiantar quanto à independência e autonomia dos entes regionais e locais. É tempo de reunir os economistas, os financistas, os juristas e os técnicos para modelar um projeto que resulte na implantação de um sistema simples e eficiente, mantidas as três esferas impositivas, mas sem onerar excessivamente os contribuintes.
O sistema atual, que retira do setor privado recursos financeiros da ordem de 33% do PIB (dado oficial), mantém, de um lado, uma multiplicidade de impostos privativos, treze ao todo (arts. 153, 155 e 156 da CF) e, de outro lado, a repartição de receitas tributárias, em três modalidades distintas (arts. 157, 158 e 159 da CF). Dentre essas modalidades avulta aquela que representa a brutal transferência de 47% do produto da arrecadação do IR e do IPI para os fundos de participação dos Estados membros e dos Municípios, e para aplicação nos programas de financiamento dos setores produtivos das regiões norte, nordeste e centro-oeste (art. 159, I da CF). A União transfere, ainda, 10% do produto de arrecadação do IPI para os Estados membros, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados (art. 159, II da CF). Desses 10% recebidos, os Estados membros repassam 25% aos Municípios (§ 3o do art. 159 da CF). Na verdade, é um sistema incompatível com o intocável princípio federativo, além de complexo e caro demandando despesas consideráveis e inúteis tanto para quem promove essas transferências, como também, para quem as recebe. Esclareça-se que as parcelas de impostos que compõem o excêntrico Fundo de Estabilização Fiscal são previamente deduzidas da base de cálculo dos 47% a serem deslocados pela União, o que reforça a inadequação, a irrealidade e o artificialismo do atual sistema tributário.
Por que não pensar em um sistema mais simples e transparente? A União poderia continuar com o IR e os impostos regulatórios do comércio exterior. Ganharia o IVA, que seria um imposto de receitas tripartilhadas. O IRF continuaria pertencendo à entidade política que promover o pagamento de rendas ou proventos sujeitos à retenção do imposto. Ficaria, pois, mantida a modalidade de apropriação direta de parcela de imposto alheio, como prevista nos artigos 157, I e 158, I da CF. O IVA, por expressa previsão constitucional, já nasceria com três titulares de receita, na proporção a ser adequadamente estabelecida, ficando a competência impositiva para a União. Seria adotada, portanto, a modalidade de receita partilhada que vigora atualmente para o ITR, o IPVA, o ICMS (art. 158, II, III e IV da CF) e para o imposto que a União vier a instituir no exercício de sua competência residual (art. 157, II da CF). E para evitar a costumeira confusão do imposto de receita partilhada com a mera participação em fundos (art. 159 da CF) a Carta Política poderia prever ou cometer à lei complementar o mecanismo de recolhimento direto do IVA aos cofres das três entidades políticas, na exata proporção cabente a cada uma delas. No imposto de receita partilhada não há e nem pode haver repasse, mas restituição da parcela cabente à outra entidade, porque o imposto originariamente pertence a mais de um ente político.
Por derradeiro, o novo sistema deverá colocar um ponto final no festival de incentivos fiscais, a não ser para a exclusiva finalidade de promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País, a cargo da União. Os incentivos fiscais indiscriminadamente concedidos representam uma sangria permanente aos cofres públicos; violenta o princípio da generalidade da tributação; gera sentimentos de justa repulsa aos setores não beneficiados; acirra a guerra tributária entre as unidades da Federação, extrapolando as fronteiras brasileiras para atingir os demais países do Cone Sul, o que, contraria o princípio de integração latino-americana, inserto no parágrafo único do art. 4º da Constituição Federal; e finalmente encarece a máquina administrativa fiscal prejudicando o procedimento padronizado. Aos impostos em geral deve reservar o papel fundamental de prover, com regularidade, o Estado com os recursos financeiros indispensáveis ao cumprimento de suas finalidades que, em última análise, resultam na consecução do bem comum.
* Advogado e Professor de Direito Tributário, Financeiro e Administrativo, Diretor da Escola Paulista de Advocacia e Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica da Prefeitura de São Paulo.
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