Horas Extras de Magistrados
Ives Gandra da Silva Martins*
Apesar de permanente resistência da Secretaria da Receita Federal, os Tribunais e o Superior Tribunal de Justiça firmaram a jurisprudência de que os magistrados que atuam nas denominadas “Câmaras de Férias” não devem pagar imposto sobre a renda sobre o que ganham, pois tal remuneração constitui, de rigor, indenização pelo lazer ou férias que sacrificam a bem da coisa pública.
Rezam, as Súmulas n. 125 e 136 do STJ, o seguinte:
“125. O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do Imposto de renda”;
“136. O pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade do serviço não está sujeito ao imposto de renda”.
O princípio que sempre defendi e que foi consagrado é o de que se a indenização não é tributada pelo imposto sobre a renda por representar troca de um bem por outro -no caso o “lazer” pelo “trabalho”- não seria justo que, nesta troca, viesse a ser tributado o contribuinte, reduzindo-se o valor de sua indenização remuneratória pela incidência de tributo federal.
No mesmo sentido, no passado, a Justiça se posicionou em relação a indenização por desapropriações, em que o mesmo princípio fora consagrado, ou seja, de que tal tipo de indenização não seria incidida para que não fosse prejudicado quem é obrigado à permuta imposta por força de decisão de interesse público.
Discute-se agora se as horas extras deveriam ou não ser tributadas pelo imposto sobre a renda. O STJ, que decidiu, em caso específico, em que a convenção coletiva determinava que tais horas seriam indenizatórias, não se manifestou, no caso, sobre as horas extras em geral, como declarou em nota esclarecedora, por força de notícia erroneamente veiculada pelo próprio Sodalício (dia 25/02/06).
Pessoalmente, entendo que a hipótese da indenização por horas extras é rigorosamente igual às hipóteses das “Câmaras de Férias” e são elas remuneratórias de indenizações, por sacrifício de tempo de lazer ou de descanso dos trabalhadores.
Basta dizer que a doutrina discute hoje se deveriam ou não ser permitidas horas extras, tendo, a Justiça do Trabalho, se pronunciado, em muitos julgados, no sentido de que devem ser, elas, a exceção nas relações de trabalho, e não a regra.
À evidência, quando o magistrado oferece “horas extras” de trabalho, nas “Câmaras de Férias”, enquanto outros descansam, parece-me que sua situação é rigorosamente igual à dos trabalhadores que labutam “horas extras”, quando outros descansam -por imposição da empresa com a qual mantêm relação de trabalho.
Sua situação, a meu ver, é mais precária, pois o magistrado pode, inclusive, negar-se a participar, sem nenhuma conseqüência, das sessões durante as férias, desde que não esteja disposto a sacrificar o lazer ou o descanso com a família, negativa esta impossível para o trabalhador, que poderá sofrer sanções diretas ou indiretas, inclusive ser despedido sem justa causa, com perda de emprego, apesar da indenização trabalhista.
O princípio, a meu ver, idêntico para uns e outros, é o de que a “hora excepcional” de trabalho, o período que ambos tiram de seu descanso e lazer para servir ao Estado ou a empresa, deve ser indenizado e a indenização não pode ser tributada pelo imposto de renda, seja nas “Câmaras de Férias”, como fartamente reconhecido pelos Tribunais, seja fazendo “horas extras”, o que ainda depende de consolidação jurisprudencial.
Tratar de forma diferente servidor público –os magistrados são sempre servidores públicos- e cidadãos “não governamentais”, é criar privilégios contra a cidadania, inadmissíveis num Estado Democrático de Direito.
Tenho para mim que no momento em que o STJ debruçar-se sobre o sentido indenizatório das “horas extras” -que representam sacrifício de descanso e lazer- dará aos trabalhadores comuns o mesmo tratamento que deu a seus pares, nada obstante a resistência da Receita Federal, reconhecendo estarem fora do campo de incidência do imposto sobre a renda as indenizações correspondentes ao pagamento de horas de trabalho fora do período regular.
* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: www.gandramartins.adv.br
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