Como se sabe, o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços
não especificados na lista de serviços fica sujeito à incidência do ICMS, cuja
base de cálculo abrange o valor da mão-de-obra. É o que prescreve o art. 155, §
2°, IX, b, da CF:
“XI – Incidirá também:
………………………………………………………..
b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na
competência tributária dos Municípios.”
Nesse caso, embora uma determinada empresa preste serviço não especificado na lista não poderá ser
considerada contribuinte do ISS.
Isso é pacífico.
Porém, para o efeito de tributação do IR e da CSLL de pessoas jurídicas pelo lucro presumido a questão não é
pacífica. A legislação federal tributa o
IRPJ sobre 32% da receita bruta em se tratando de prestação de serviço contra 8% quando se
tratar de atividade comercial ou industrial (art. 15, caput e § 1°, III, a da
Lei n° 9.249/95). Em relação à CSLL a
base de cálculo, igualmente, incidirá sobre 32% de receita bruta (art. 20, da Lei n° 9.249/95),
com a redação dada pela Lei n°
10.684/2003) contra os 12% da receita bruta em se tratando de atividade comercial ou industrial.
A pergunta que se faz é a seguinte: Para efeito do IRPJ e da CLSS basta que a empresa opere em qualquer ramo de
prestação de serviço, ou é preciso que ela opere no ramo de prestação de
serviço sujeito ao ISS?
Penso que está correta a segunda alternativa. É a conclusão a que se chega mediante interpretação sistemática de
textos constitucionais e legais.
O princípio constitucional da discriminação de impostos impede a bitributação jurídica, isto é, mais de uma
entidade política tributando a situação
configuradora do mesmo fato gerador. Determinada operação se sujeita ao ICMS/IPI ou ao ISS.
Para dirimir conflitos de competência ICMS x ISS existem duas regras básicas:
a) prestação de serviços especificados na lista com fornecimento de mercadorias fica sujeita apenas ao ISS;
b) fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não especificados
na lista fica sujeito apenas ao ICMS.
Essas duas regras, que constavam dos §§ 1° e 2°, do art. 8°, do Decreto-lei
n° 406/67, foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988, conforme
letra b, do inciso IX, do § 2°, do art. 155 e art. 156, III.
Logo, impossível, juridicamente, a cobrança simultânea do ICMS e do ISS
sobre a mesma operação.
De fato, se o serviço atípico já é tributado pelo ICMS juntamente com a mercadoria fornecida, integrando
a base de cálculo do imposto estadual, não se vê como é possível considerar
aquela prestação de serviço inespecífico como sendo uma atividade autônoma a
caracterizar, para fins de tributação pelo imposto de renda pela CSLL, uma
empresa prestadora de serviços. O valor da mão-de-obra, no caso, por expressa disposição
constitucional e legal é tributado privativamente pelo Estado-membro,
caracterizando-se como um imposto de natureza estadual.
No meu entender a legislação federal, que tributa as empresas prestadoras
de serviços com base de cálculo mais onerosa do que as empresas comerciais e
industriais, há de ser interpretada em harmonia com o sistema constitucional
tributário e com as normas gerais de direito tributário, respeitando-se a
conceituação do que sejam serviços tributáveis previstos na LC n° 116/2003.
Não me parece correta a equiparação da industrialização por encomenda à
prestação de serviço, como aventada na ADI nº 20/2007 da RFB, sempre que o serviço que acompanha o processo de
produção personalizada não estiver contemplado na lista de serviços anexa à lei
de regência nacional do ISS.
Essa ADI nº 20/2007 viola expressa disposição legal e disposição regulamentar
que dispõem sobre o conceito de produto industrializado, conforme
jurisprudência do E. TRF4 refletida no V. Acórdão proferido no mandado de segurança, em grau de
agravo de instrumento, impetrado pela TINTURARIA FLORISA LTDA. Esse V. acórdão
deferiu a medida liminar a fim de suspender a exigibilidade do IRPJ e da CSLL fundada no ADI nº 20/2007
que majorou a base de cálculo de 8% e 12% da receita bruta, respectivamente,
para 32% da receita bruta. Para clareza transcreve-se a parte final do julgado:
“Dessa forma, tem-se que a legislação infralegal deve, necessariamente,
sob pena de ilegalidade, ater-se aos critérios ali estabelecidos para a
classificação da atividade. O Ato Declaratório Interpretativo nº 20 desborda do
seu conteúdo infralegal ao estabelecer que „as operações de industrialização
por encomenda serão consideradas prestação de serviço quando na composição do
custo total dos insumos de produto industrializado por encomenda houver a preponderância
dos custos dos insumos fornecidos pelo encomendante?, eis que estabelece novo
critério para a classificação da atividade, ensejando a majoração de
tributo” (proc. nº 2008.04.00.012592-0,
Rel. Des. Federal Eloy Bernst Justo, DE de 21/07/2008).
A citada ADI nº 20/2007 veio a ser revogada posteriormente pela ADI n°
26 de 25-4-2008 da RFB, nos seguintes termos:
“Art. 1º Para fins de apuração das bases de cálculo do Imposto sobre a
Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL), consideramse industrialização as operações definidas no art. 4º do Decreto
nº 4.544, de 26 de dezembro de 2002, observadas as disposições do art. 5º c/c o
art. 7º do referido decreto.
Art. 2º Fica revogado o ADI RFB nº 20, de 13 de dezembro de 2007”.
A nova ADI ajustou-se ao conceito de produto industrializado previsto no
art. 4° do Decreto 4.544/2002 que assim
prescreve:
“Art. 4º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a
natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do
produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, e Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art.
46, parágrafo único):
I – a que, exercida sobre
matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova
(transformação);
II – a que importe em modificar,
aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento
ou a aparência do produto (beneficiamento);
III – a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que
resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma
classificação fiscal (montagem);
IV – a que importe em alterar a
apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição
da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte
da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento); ou
V – a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto
deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização
(renovação ou recondicionamento).
Parágrafo único. São irrelevantes, para caracterizar a operação como
industrialização, o processo utilizado para obtenção do produto e a localização
e condições das instalações ou equipamentos empregados”.
O atual Regulamento do IPI, Decreto n° 7.212, de 15-6-2010, repete ipse literis o disposto no art. 4° do Decreto
4.544/2002 antes transcrito.
Indubitável, pois que não cabe ao fisco federal definir, por norma complementar
da lei, o que seja produto
industrializado e o que seja atividade de prestação de serviço com o fito de
exacerbar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
SP, 10-2-11
* Kiyoshi Harada.
Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito
Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e
Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do
Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos
Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de
São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br