Direito Tributário

Exame dos aspectos relevantes do poder fiscalizatório e da certidão negativa

Exame dos aspectos relevantes do poder fiscalizatório e da certidão negativa

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

 

     1. Introdução

 

     O Código Tributário Nacional, sob o título de “Administração Tributária”, desenvolve três capítulos: Fiscalização, Dívida Ativa e Certidões Negativas, nos arts. 194 a 208.

     Interessa-nos de perto o exame das limitações ao poder fiscalizatório e do instituto da certidão negativa de tributos, além da rápida abordagem sobre mecanismos de defesa do contribuinte, em face do teor das perguntas formuladas pelos eminentes coordenadores do evento.

 

     Denomina-se genericamente de Administração Tributária aquela atividade do poder público voltada para a fiscalização e arrecadação de tributos. É um procedimento administrativo que objetiva verificar o cumprimento das obrigações tributárias, praticando, quando for o caso, os atos tendentes a deflagrar a cobrança coativa e expedir as certidões comprobatórias da situação fiscal do sujeito passivo.

 

     A suma importância da administração tributária para o Estado reside no fato de que a receita tributária representa a maior fonte regular de receita pública. Normalmente, as próprias leis instituidoras dos tributos estabelecem, genericamente, as normas de competência, bem como os poderes dos agentes públicos no desempenho das atividades fiscalizadoras. A complexidade de nosso sistema tributário, porém, conduz à necessidade de expedição, não só, de decretos regulamentadores, como também, de inúmeros outros instrumentos normativos de menor hierarquia, como portarias, instruções normativas, ordens internas, comunicados, ordens de serviços, circulares etc., que passam a integrar a legislação tributária voltada para a fiscalização e arrecadação de tributos.

 

     Para o fiel desempenho dessa atividade, o poder tributante precisa de uma infra-estrutura adequada em termos de pessoal e material.

 

     Na esfera da União os órgãos da administração tributária são encimados pelo Ministério da Fazenda; no âmbito estadual, pela Secretaria da Fazenda; e na esfera municipal, normalmente, pela Secretaria de Finanças.

 

     A fim de conferir maior eficiência na arrecadação de tributos, a EC nº 42/2003 inseriu o inciso XXII ao art. 37 da CF, considerando as administrações tributárias da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios como atividades essenciais ao funcionamento do Estado, a serem exercidas por servidores de carreiras específicas. Prescreveu-lhes a aplicação de recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuação de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e informações fiscais, na forma da lei ou convênio.

 

     Com o advento dessa norma espera-se que os Municípios abandonem o velho hábito de querer terceirizar o serviço de cobrança da dívida ativa, movidos por interesses que não atendem ao interesse público. Agora, a vedação constitucional ficou bem clara, pois, os serviços de fiscalização, arrecadação e cobrança de tributos inserem-se no âmbito da administração tributária de cada ente político, devendo ser executadas exclusivamente por servidores efetivos organizados em carreiras específicas (auditores ficais, inspetores fiscais, agentes de rendas, procuradores etc).

 

 

2. Fiscalização

 

      O Código Tributário Nacional, em seus arts. 194 a 200, disciplina a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização de tributos, prescrevendo-lhes limites claros ao exercício dessa função fiscalizadora e coibindo eventuais abusos, inclusive, com aplicação de sanções penais.

 

2.1. Prerrogativas e limites das autoridades administrativas tributárias

 

     O art. 194 do CTN remete à legislação tributária(1) a competência para regular, em caráter geral, os poderes e os deveres das autoridades administrativas em matéria de fiscalização de sua aplicação, respeitadas as disposições pertinentes do Código.

 

     Com isso, o Código balizou a ação das autoridades administrativas submetendo seus poderes e deveres ao princípio da legalidade. Melhor explicando, cabe à lei prescrever a discricionariedade no âmbito de atuação do poder fiscalizatório. Esclarece o parágrafo único desse artigo que a fiscalização abrange as pessoas naturais ou jurídicas, contribuintes ou não, inclusive as que gozem de imunidade ou de isenção de caráter pessoal.

 

     O art. 195, para os efeitos da legislação tributária, afasta quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los. A finalidade dessa disposição foi a de derrogar, na área tributária, as normas limitativas então contidas nos arts. 17 e 18 do Código Comercial de 1850. A legislação federal (leis e decretos) já vinha, paulatinamente, afastando o rigor daquelas normas restritivas com o respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que chegou a editar a Súmula 439(2) a respeito da matéria. O art. 195 tem a virtude de uniformizar o poder investigatório do fisco nas três esferas impositivas. Seu parágrafo único determina a conservação dos livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos pelo prazo necessário à consumação da prescrição dos créditos tributários.

 

     O art. 196 prescreve a obrigatoriedade de a autoridade administrativa lavrar o termo documentando o início da diligência de fiscalização, fixando o prazo máximo para a conclusão dos trabalhos. Essa providência sintoniza-se com os princípios da legalidade e da discricionariedade colocando o contribuinte a salvo de eventuais abusos e arbitrariedades dos agentes públicos. A lavratura do termo de início de fiscalização tem capital importância para as partes. De um lado, resguarda o sujeito ativo quanto à regularidade da diligência encetada e quanto à exclusão de responsabilidade pela denúncia espontânea(4). De outro, assegura ao sujeito passivo a contagem do prazo decadencial a partir desse termo(3). A fixação do prazo máximo de conclusão das diligências, por sua vez, constitui uma garantia do contribuinte que, do contrário, ficaria infinitamente sob a espada de Dâmocles, com todas as inconveniências facilmente vislumbráveis.

 

     O art. 197 arrola as pessoas ou entidades que, em razão do cargo, função, profissão ou natureza da atividade, são obrigadas a prestar às autoridades administrativas informações de que disponham relativamente aos bens, negócios ou atividades de terceiros. São elas:

 

    I – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;

    II – os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras(5);

    III – as empresas de administração de bens;

    IV – os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;

    V – os inventariantes;

    VI – os síndicos, comissários e liquidatários;

    VII – quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

 

     As pessoas e entidades acima(6), desde que intimadas, por escrito, pelas autoridades administrativas, são obrigadas a prestar informações sobre os bens, negócios e atividades de terceiros com exceção quanto aos fatos em que o informante esteja legalmente obrigado a observar o segredo profissional(7) (parágrafo único do art. 197).

 

(1) A legislação tributária é aquela descrita no art. 96 do CTN.

(2) Súmula 439: “Estão sujeitos à fiscalização tributária, ou previdenciária, quaisquer livros comerciais, limitado o exame aos pontos objeto da investigação.”

(3) Parágrafo único do art. 138 do CTN: “Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.”

(4) Parágrafo único do art. 173 do CTN: “O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.”

(5) Art. 3 º da LC n º 56, de 15.12.87: “As informações individualizadas sobre serviços prestados a terceiros, necessários à comprovação dos fatos geradores citados nos itens 95 e 96, serão prestadas pelas instituições financeiras na forma prescrita pelo inciso II, do art. 197, da Lei n º 5.172, de 25-10-1966 – Código Tributário Nacional.”

(6) Obviamente, as entidades e pessoas referidas no inciso VII só estarão obrigadas a prestar informações à medida que haja previsão na lei do sujeito ativo estatuindo essa obrigatoriedade.

(7) Certos profissionais, como médicos, advogados, padres etc., estão obrigados a guardar o sigilo profissional sob pena de cometer crime previsto no art. 154 do Código Penal.

 

 

2.1.1. O sigilo bancário

 

     Merece estudo à parte, ainda que em rápidas pinceladas, a questão do sigilo bancário.

     Prescreve o art. 5º, inciso XII, da CF que:

 

    ‘é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal’.

 

     Simples exame ocular do texto permite vislumbrar, de um lado, o sigilo absoluto em relação à correspondência, às comunicações telegráficas e aos dados. Comunicação de dados seria a expressão correta. De outro lado, no que concerne às comunicações telefônicas, o sigilo é relativo, porque pode ser quebrado por ordem judicial, nas hipóteses previstas em lei, para investigação criminal ou instrução processual penal. Hoje, a matéria é disciplinada pela Lei nº 9.296, de 24 de junho de 1996.

 

     O sigilo de comunicação de dados a que se refere o texto constitucional é espécie do gênero sigilo profissional ou segredo profissional, o que abarca o chamado sigilo bancário . Abrange as operações financeiras do cliente do Banco, seus extratos, o uso de cartões de crédito, o cadastro de bens etc. Por isso, no entender do STJ, o sigilo bancário constituiria espécie de direito à intimidade consagrado no art. 5º, inciso X da CF (Ag. Reg. 187/96-DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ de 16-9-96, p. 33.651).

 

     A jurisprudência de nossos tribunais não tem reconhecido, entretanto, direito absoluto ao chamado sigilo bancário, conferindo ao texto da Magna Carta interpretação que resguarda o superior interesse público. De fato, a garantia da discrição, traduzida pela obrigação do banqueiro de guardar segredo sobre operações financeiras de seu cliente, ao mesmo tempo em que protege o interesse individual, em geral, consulta o interesse da coletividade e, às vezes, o interesse do próprio Estado, como é o caso da Suíça. Outras vezes, porém, surgem interesses conflitantes quando, então, impõe-se a prevalência do interesse público. Daí a flexibilização do sigilo bancário por meio de legislação infraconstitucional.

 

     Dessa forma, a Lei nº 4.595, de 31-12-64, que instituiu o Sistema Financeiro Nacional, recepcionada como lei complementar pela CF vigente (art. 192), disciplinou o sigilo bancário em seu art. 38. O sigilo aí previsto pode ser quebrado pelo Poder Judiciário e pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (§§ 1º e 3º). Tem-se entendido que o Ministério Público não detém o poder de romper o sigilo. Mesmo em face da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei nº 8.626/93, que consagra o poder de requisição, a jurisprudência dominante tem sido no sentido de que a quebra do sigilo bancário só pode ocorrer nas hipóteses do art. 38 da Lei nº 4.595/95, que, por ter natureza de lei complementar, só pode ser alterada por uma outra lei complementar, não sendo o caso da Lei nº 8.626/93, que, aliás, não tem matriz constitucional no que tange à quebra de sigilo bancário.

 

     Dispõem os §§ 5º e 6º do art. 38 da lei bancária:

 

    ‘§ 5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente.

 

    § 6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente’.

 

     Entretanto, a tentativa de aplicação dos dispositivos anteriores pelas autoridades administrativas fiscais fracassou, tendo em vista o contido no parágrafo único do art. 197 do CTN (lei materialmente complementar), que veda a comunicação de fatos de que o informante deva, legalmente, guardar segredo profissional. Sobreveio a Lei Complementar nº 105, de 10-1-2001, permitindo a quebra do sigilo bancário pela Receita Federal. O art. 5º prevê a regulamentação dos critérios para que as instituições financeiras informem as operações realizadas por seus clientes, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor. Essa regulamentação foi feita, na mesma data da lei, pelo Decreto nº 3.724/2001. O art. 6º da lei, praticamente reproduz o que está prescrito no § 5º do art. 38 da Lei Bancária, condicionando a quebra do sigilo à existência prévia de processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e a indispensabilidade do exame de dados a juízo da autoridade administrativa competente.

     Por se tratar de regulamentação por lei complementar, não podemos mais opor a restrição contida no parágrafo único do art. 197 do CTN. Contudo, aqui cabe uma indagação: existe princípio constitucional da reserva de jurisdição no que tange ao sigilo de dados ou ao sigilo bancário? Dos 11 ministros do STF, apenas cinco deles (Min. Celso de Mello, Min. Marco Aurélio, Min. Sepúlveda Pertence, Min. Neri da Silveira e Min. Carlos Velloso), até hoje, reconheceram a existência da aludida reserva de jurisdição (MS nº 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 12-5-2000, p. 20). A reserva absoluta de jurisdição, no entender do Pleno da Corte Suprema, só existiria para resguardar outras espécies de garantias como a busca domiciliar (art. 5º, XI, da CF), a interceptação telefônica (art. 5º, XII, da CF) e a decretação de prisão, salvo o caso de flagrância (art. 5º, LXI, da CF).

     A posição do STF, até agora, é no sentido de que a questão da quebra do sigilo bancário

 

    ‘resolve-se com observância de normas infraconstitucionais, com respeito ao princípio da razoabilidade e que estabeleceriam o procedimento ou o devido processo legal para a quebra do sigilo bancário’ (RE 219.970, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10-9-99, p. 23).

 

     Evidentemente, essas normas infraconstitucionais teriam que se subordinar ao preceito constitucional como bem explicitado no voto do Min. Carlos Velloso. E as normas da legislação infraconstitucional disciplinando o acesso a dados bancários têm sua matriz constitucional no § 1º do art. 145 que assim prescreve:

 

    ‘§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte’.

 

     O que se exige, portanto, para que autoridades administrativas fiscais quebrem o sigilo bancário é a observância do princípio constitucional do devido processo legal . A LC nº 105/2001, como se depreende de seu art. 6º, definiu a hipótese de quebra do sigilo bancário, circunscrevendo-a ao caso de existência de processo administrativo ou procedimento fiscal instaurado contra o contribuinte e a indispensabilidade do acesso às informações bancárias a juízo da autoridade administrativa competente , tudo nos termos do que dispunha o art. 38, §§ 5º e 6º da Lei Bancária. No entanto, onde o devido processo legal é reclamado pela Corte Suprema? O procedimento para a quebra do sigilo está disciplinado pelo Decreto nº 3.724/2001. Ora, o princípio do devido processo legal abrange sobretudo o procedimento a ser observado pela autoridade administrativa fiscal. Isso é elementar em Direito, descabendo maiores considerações a respeito. Não adianta a lei acenar com a imposição da pena de um a quatro anos de reclusão ao responsável pela quebra do sigilo fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar (na verdade, uma única hipótese) se essa lei não estabeleceu totalmente o devido processo legal , deixando por conta de um decreto regulamentador sua complementação. Tanto é que o Decreto nº 3.724/2001, ao regulamentar a lei, extrapolou seus estritos termos, chegando a criar uma absurda hipótese criminal, ofendendo o universal princípio nullum crimen nulla poena sine lege. Um decreto editado, ao sabor dos interesses momentâneos do fisco, sem a participação da vontade popular, representada por lei emanada do Parlamento, não trará a necessária segurança das relações jurídicas no âmbito do sistema financeiro. Outrossim, até hoje, não se conhece decisão condenatória de qualquer autoridade administrativa por crime de excesso de exação fiscal, definido no § 1º do art. 316 do Código Penal, apesar de freqüente a cobrança de tributos declarados inconstitucionais pelo STF.

 

     O sigilo bancário fundamenta-se na teoria consuetudinária e na teoria do segredo profissional e, entre nós, tem sua garantia assegurada pelo inciso XII, do art. 5º da CF, que teria caráter absoluto em comparação ao sigilo de comunicações telefônicas, porque a própria dicção do texto constitucional conduz a isso. Entretanto, o STF não tem reconhecido caráter absoluto a esse sigilo nem reserva de jurisdição nessa matéria. Contenta-se com a observância do devido processo legal para a quebra desse sigilo.

     A Lei Complementar, apesar de ter estabelecido a hipótese de quebra de sigilo bancário, removendo o obstáculo do parágrafo único do art. 197 do CTN, deixou de estabelecer por completo o devido processo legal , relegando essa matéria ao decreto regulamentar. Logo, na ausência do devido processo legal , reclamado pela Corte Suprema, cabe ao Judiciário examinar cada caso concreto à luz das disposições da Lei Complementar nº 105/2001 para aferir a imprescindibilidade do acesso a dados bancários, afirmada pela autoridade fiscal. Não houve, pois, mudança substancial com o advento da Lei Complementar em questão, mas facilitou a aferição pelo Judiciário dos requisitos legais autorizadores da quebra do sigilo. O certo é que em uma conjuntura onde o volume de dinheiro proveniente de tráfico de drogas chega a 3% do PIB mundial, segundo as estatísticas da ONU, não podemos falar em sigilo absoluto, de sorte a servir de manto protetor dos contrabandistas, dos fraudadores do fisco e dos criminosos de colarinho branco.

     Cumpre registrar, por fim, que a maioria dos países, membros ou não da OCDE, prescrevem em suas legislações internas a possibilidade de acesso às informações bancárias por parte dos agentes do fisco a fim de evitar evasão artificial de lucros e receitas tributárias. Aliás, o Conselho da OCDE recomenda a inserção dessa faculdade do fisco nas legislações internas dos países não filiados a essa organização internacional. Ultimamente, o acesso às informações bancárias vem sendo adotado pelos diferentes países como instrumento de combate ao tráfico de drogas e aos esquemas de lavagens de dinheiro.

 

     O art. 199(8) do CTN permite que a Fazenda Federal e as Fazendas Estaduais e Municipais, no interesse da fiscalização e arrecadação tributária, prestem mútua assistência, com a permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico por lei ou convênio.

 

     Por derradeiro, em homenagem ao princípio da supremacia do interesse público, o art. 200 permite às autoridades administrativas a requisição de força pública federal, estadual ou municipal ‘quando vítimas de embaraço(9) ou desacato(10) no exercício de suas funções, ou quando necessária à efetivação de medida prevista na legislação tributária, ainda que não se configure fato definido em lei, como crime ou contravenção ‘. Essa expressão final, facultando a requisição de força pública independentemente de configuração do fato definido como crime ou contravenção, pode ensejar abusos e arbitrariedades(11), hipótese em que a autoridade administrativa poderá sujeitar-se à pena do art. 322 do CP, que define o crime de violência arbitrária.

 

(8) A LC n º 104/2001 acrescentou parágrafo único a esse artigo para permitir que a Fazenda Federal, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, possa permutar informações com Estados estrangeiros, no interesse da fiscalização e arrecadação tributária. Na verdade, quem promove a permuta de informações é o Estado Federal Brasileiro, mediante seu órgão de representação, que é a União (art. 21, I, da CF).

(9) Embaraço corresponde ao crime de resistência ou de desobediência previstos nos arts. 329 e 330 do CP, respectivamente.

(10) Desacato configura crime previsto no art. 331 do CP.

(11) É o caso, por exemplo, de uma autoridade administrativa que, a pretexto de exercer sua função investigatória, requisita força pública para devassar os arquivos de um escritório de advocacia, para vencer a resistência legal de seu titular.

 

2.2. Repressão ao abuso das autoridades administrativas tributárias

 

     O artigo 198(12) do CTN, sem prejuízo do disposto na legislação criminal(13), estatui o princípio do sigilo fiscal ou administrativo proibindo a divulgação, para qualquer fim, por parte da Fazenda Pública e de seus agentes, de informações acerca da situação econômica ou financeira dos contribuintes ou responsáveis, excetuando apenas os casos de requisição regular da autoridade judiciária no interesse da Justiça. Parece-nos que as informações aos membros das Comissões Parlamentares de Inquérito, que dispõem dos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais(14), não estão proibidas. Tanto é assim que deputados e senadores não estão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato(15).

 

     Conforme ressalvados pelo art. 198 do CTN, os abusos dos agentes fiscais no exercício de suas funções podem acarretar-lhes responsabilidade penal. Além dos crimes funcionais contra a ordem tributária, definidos nos incisos I e II do art. 3º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, vigora o crime de excesso de exação fiscal definido no § 1º do art. 316 do CP, nos seguintes termos:

 

    ‘Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que lei não autoriza:

    Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa’ (redação conferida pela Lei nº 8.137/99).

 

     A primeira parte do dispositivo é de difícil interpretação. Quem exige tributo que sabe ser indevido, certamente, estará agindo com dolo. Mas, quem não o sabe, embora devesse saber, não estará, certamente, agindo com dolo, ao menos, com dolo direto. Se o dispositivo legal em que se funda a exigência tiver sido declarado inconstitucional, mas, não tiver sido suspensa a sua aplicação, por ato do Senado Federal (art. 52, X da CF), também, parece-nos que a exigência de tributo, nessa hipótese, não caracterizará crime, a menos que a administração tributária já tenha baixado instruções para deixar de exigir o tributo em questão. Os atos da administração, embora não vinculem os particulares, vinculam a administração e, por conseguinte, os agentes administrativos tributários. Na prática, nunca se viu um agente fiscal ser processado criminalmente por excesso de exação. Não é rara, porém, a ocorrência das hipóteses de peculato, concussão ou corrupção passiva.

 

(12) A LC n º 104/2001 conferiu nova redação ao caput deste artigo, bem como substituiu seu parágrafo único por três parágrafos, tudo com o propósito de atenuar a proibição de divulgar informações obtidas por agentes do fisco no exercício de suas atribuições. Estão fora da proibição do art. 198 a requisição judicial e a solicitação de autoridade administrativa, por meio de regular processo administrativo (§ 1 º ), assim como o intercâmbio de informação sigilosa no âmbito da Administração (§ 2 º ). Outrossim, é livre a divulgação de informações relativas à representação fiscal para fins penais, à inscrição na dívida ativa e ao parcelamento ou moratória (§ 3 º ).

(13) Ver art. 325 do CP, que cuida do crime de violação de sigilo funcional.

(14) Conforme § 3º do art. 58 da CF.

(15) Conforme § 5 º do art. 53 da CF.

 

 

2.2.1. Responsabilidade civil das autoridades administrativas tributárias

 

     Bem ou mal, o legislador definiu a responsabilidade criminal do agente tributário, ligada ao exercício da função fiscalizadora. Outrossim, a responsabilidade administrativa ou funcional do agente tributário decorre da aplicação da legislação estatutária do ente político a que pertence o servidor. Porém, nada dispôs em termos de sua responsabilidade civil.

     A omissão da legislação ordinária na responsabilização civil por danos decorrentes de eventuais excessos praticados pelas autoridades administrativas tributárias faz com que se remeta à teoria da responsabilidade objetiva do Estado, agasalhada pelo § 6º do art. 37 da CF, nos seguintes termos.

 

    ‘§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa’.

 

     A responsabilidade objetiva do Estado , fundada na teoria do risco administrativo, implica substituição da responsabilidade individual do agente público pela responsabilidade genérica da administração pública . Basta tão somente o ato lesivo e injusto imputável à administração pública. É suficiente para acarretar a reparação do dano pelo Estado a simples comprovação pela vítima do nexo causal entre o fato danoso e injusto e a ação ou omissão do agente público.

 

     Cabe, portanto, ao Estado promover a reparação do dano causado a terceiro e, ao depois, promover ação regressiva contra o agente público responsável, nos casos de dolo ou culpa. Essa responsabilidade civil do Estado existe também em relação aos atos legislativos e judiciais. Agentes do Poder Público a que se refere o texto constitucional abrangem, sem dúvida alguma, os membros do Legislativo e do Judiciário, que são agentes políticos. Agentes administrativos e agentes políticos são espécies do gênero agente público. Assim uma lei inconstitucional que venha atingir o particular uti singuli causando-lhe dano injusto, bem como no caso de erro judiciário, aliás, expresso no art. 5º, LXXV da CF, o Estado deverá indenizar a vítima. Só que, em ambas as hipóteses deverá a vítima comprovar a culpa do Estado por meio da atuação de seus agentes políticos.

 

     Dentro dessa linha de raciocínio, não nos parece destoante do bom direito, a aplicação da tese da responsabilização direta do agente do fisco por eventuais danos causados aos contribuintes, no exercício da atividade fiscalizadora e arrecadadora, desde que comprovado o dolo ou a culpa do agente , porém, sempre por opção da vítima . Se o Estado, nessa hipótese, pode e deve promover a ação regressiva contra o agente público, para ressarcir-se da indenização paga a terceiro, parece lógico que possa o particular promover ação direta contra o agente , promovendo a substituição do pólo passivo da ação com vantagem para o Estado.

 

 

3. Certidões negativas

 

     A matéria é disciplinada pelo CTN em seus arts. 205 a 208.

 

     A expedição de certidão negativa de tributos insere-se no âmbito do poder-dever da Administração Tributária. O art. 205 do Código Tributário Nacional faculta ao legislador ordinário de cada ente político exigir a certidão negativa como prova de quitação de certo tributo, sempre que exigível essa prova , nos seguintes termos:

 

    Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido.

 

     O exercício da faculdade legislativa, porém, não é absoluto. Não pode acarretar violação de direitos e garantias fundamentais, nem implicar desvio de finalidade criando embaraços à efetivação do direito do cidadão contra o Estado. Nunca se pode esquecer que a expedição de certidão negativa de tributos representa um poder-dever do Estado, em consonância com o que está prescrito no art. 5º, XXXIV, b da CF(16). E mais, a lei a que se refere o art. 205 do CTN, norma geral de direito tributário, editada com fundamento no art. 146, III(17) da CF, é lei de cada ente político tributante . Não pode o legislador ordinário da União editar norma geral aplicável no âmbito das três esferas políticas, pois isso é privativo da lei complementar.

 

     As três esferas impositivas adotaram a certidão negativa como prova de quitação de tributos, sendo que sua expedição representa um poder-dever do Estado. O Decreto-lei nº 1.715, de 22-11-1979, regula a expedição de certidão de quitação de tributos federais, exigível em várias hipóteses como na concessão de concordata e declaração de extinção das obrigações do falido, celebração de contratos com órgãos da administração pública federal direta e indireta, transferência de residência para o exterior etc.

 

     Nos termos do art. 206, surte o mesmo efeito de certidão negativa aquela em que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa(18). A recusa da autoridade administrativa na expedição da certidão nesses casos enseja ao interessado o recurso ao mandado de segurança, por importar na violação de seu direito líquido e certo.

 

     Pelo art. 207, o CTN procura resguardar os direitos perecíveis do sujeito passivo, por caducidade, dispensando, nessas hipóteses, a apresentação da certidão negativa independentemente de previsão legal. Só que nesses casos todos os participantes no ato respondem pelo tributo eventualmente devido, juros de mora e penalidades cabíveis, excetuada quanto as últimas a hipótese de responsabilidade pessoal do agente.

 

     Consoante disposto no art. 208, a certidão negativa expedida com dolo ou fraude, contendo erro contra a Fazenda, acarreta responsabilidade pessoal do funcionário que a expediu pelo crédito tributário e juros de mora, sem prejuízo de sua responsabilização funcional e criminal(19). Essa regra é importante à medida que exime, por exemplo, de responsabilidade o adquirente de imóvel, cuja aquisição tenha sido precedida da apresentação de certidão negativa de imposto incidente sobre o imóvel (IPTU). Se, posteriormente, for constatada a falsidade ideológica da certidão, o imóvel em questão não poderá ser penhorado na execução que se seguir contra o então sujeito passivo (vendedor). No caso, a Fazenda deverá executar outros bens do ex-contribuinte daquele imóvel, sem prejuízo da cobrança contra o funcionário, que cometeu a falsidade ideológica na expedição da certidão negativa.

 

(16) XXXIV – São assegurados independentemente do pagamento de taxas:

        b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal.

(17) Art. 146 – Cabe à lei complementar:

        …………………………………………….

        III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente……

(18) As hipóteses de suspensão estão elencadas no art. 151 do CTN.

(19) Esse fato não importa na exoneração da obrigação tributária do sujeito passivo, tenha ele participado ou não do ato doloso ou fraudulento.

 

 

3.1. Desvirtuamento da finalidade da certidão negativa

 

     Preocupa-nos, sobretudo, o desvirtuamento do instituto da certidão negativa de tributos, na verdade, uma garantia do contribuinte, que vem sendo perpetrado pela legislação ordinária. O legislador ordinário vem conferindo à certidão negativa de tributos um caráter de instrumento de coação do sujeito passivo da obrigação tributária,. Outras vezes a exigência de certidão negativa vem sendo instituída como um meio para o poder público protelar o cumprimento da sua obrigação como no caso a seguir mencionado.

 

     Não se sabe por que cargas d’água, a Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, que altera a tributação do mercado financeiro e de capitais e institui o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária – REPORTO – introduziu matéria estranha, representada pelo art. 19 do seguinte teor:

 

    Art. 19. O levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais , bem como certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública.

 

    Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput deste artigo:

    I – aos créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios;

    II – aos créditos de valor igual ou inferior ao disposto no art. 3º da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

 

     Como se verifica, excetuadas as hipóteses previstas no parágrafo único, não apenas o levantamento, como também, o próprio depósito do montante da condenação judicial depende de prévia apresentação de certidão negativa de tributos e de certidão de regularidade perante o INSS e FGTS. Parece inacreditável, mas é o que se depreende da leitura do art. 19 retrotranscrito, sub-repticiamente introduzido pelo insensível legislador ordinário, com frontal violação do art. 7º da LC nº 95/98 que veda inserção de matéria estranha no corpo de uma lei específica, mesmo sabendo ou devendo saber do resultado catastrófico dessa disposição normativa.

 

     Não bastassem os seis ou oito anos para obtenção de decisão condenatória, com trânsito em julgado, contra a Fazenda Pública, seguidos de outros seis ou oito anos, ou até mais, para satisfação do montante da condenação judicial, agora, o legislador infraconstitucional, por meio de dispositivo ilegítimo, irrazoável e inconstitucional busca procrastinar o cumprimento da decisão exeqüenda , aumentando a agonia e o tormento dos credores que estão morrendo, aos milhares, na fila de precatórios judiciais.

 

     Essa exigência, de solar inconstitucionalidade, inova as disposições constitucionais pertinentes ao pagamento de precatórios judiciais (art. 100 e parágrafos) e afronta o princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF) interferindo na atividade jurisdicional do Poder Judiciário em sua fase mais importante, que é exatamente a da efetivação da jurisdição. E com isso, desmoraliza mais ainda o Judiciário, que já bastante sofre do estigma da morosidade.

 

     O astuto legislador, depois de fracassados os dois calotes constitucionais, agora, comete uma improbidade legislativa utilizando o instituto da certidão negativa, uma garantia do contribuinte, para obter, por via tortuosa, duplo efeito condenável, moral e juridicamente: de um lado, visa procrastinar o pagamento do montante de condenação judicial da Fazenda, comprometendo a credibilidade da Justiça; de outro lado, procura exercer coação sobre contribuinte-credor , que esteja em débito com o fisco, para forçá-lo abrir mão do contraditório e da ampla defesa.

 

 

4. Mecanismos de defesa dos contribuintes

 

     Já tivemos oportunidade de afirmar que quanto mais a Constituição Federal assegura aos contribuintes os seus direitos fundamentais, com a prescrição de inúmeros princípios tributários, mais insegurança é disseminada no seio deles, por conta de uma avalanche de legislação tributária caótica, despejada, periodicamente, por três esferas impositivas, que não mais obedecem à hierarquia vertical das normas jurídicas. A nebulosidade das normas que compõem o sistema jurídico-tributário, aliada a sua deficiência funcional , decorrente da falta de independência dos órgãos aplicadores do direito, não tem permitido a prevalência dos direitos assegurados pelo Texto Magno. Os contribuintes estão sendo submetidos até mesmo à ditadura dos computadores, programados para mantê-los sob clima de tensão permanente, com expedição de notificações aleatórias, não passíveis de defesa. Contra essas intimações arbitrários do fisco só resta ao contribuinte o procedimento denominado ‘ envelopamento’, que consiste em colocar os documentos comprabatórios da quitação do tributo reclamado dentro de um envolope a ser entregue à repartição competente, onde fica dormitando enquanto é promovida a inscrição na dívida ativa, seguida de execução fiscal. Dentro desse quadro confuso, a existência do Código Tributário Nacional, incorporando os princípios constitucionais tributários, que funcionam, teroricamente, como limitações ao poder de tributar, por si só, não é suficiente para a segurança jurídica do contribuinte. Milhares de normas jurídicas subalternas e viciadas como as do ‘envelopamento’, editadas pela União, pelos 27 Estados-membros e pelos 5.532 Municípios, não estão sendo detectadas e consideradas inconstitucionais pelos tribunais.

 

     Para suprir essa falha do sistema tributário vigente em seu aspecto funcional seria necessário um Código de Defesa dos Contribuintes , de vocação nacional , até mesmo para expressar direitos óbvios dos contribuintes , que estão sendo atropelados pela caótica legislação tributária dos três entes políticos. Esse estatuto conteria, ainda, um dispositivo genérico declarando a nulidade de pleno direito de todas as disposições da legislação tributária tendentes prejudicar os direitos e garantias do contribuinte por ele assegurados, a exemplo do contido no Código de Defesa do Consumidor.

 

     Outrossim, para reverter a vontade política dos governantes, que pregam a democracia de fachada, própria dos países emergentes, onde a proclamação dos direitos e garantias ficam mais no campo do ideal, do imaginário com pouca ou quase nenhuma aplicação prática, é preciso uma politização maior da sociedade. Seus membros devem saber exercer efetivamente a cidadania, única forma possível para reversão desse quadro negativo, caracterizado pela crescente voracidade fiscal, seguida de agigantamento estrutura do Estado que não mais atende aos seus fins legítimos.

 

 

5. Perguntas e respostas

 

5.1. Podem ser as autoridades de administração tributária acionadas por danos materiais e morais quando impuserem ônus aos contribuintes, em questões que se revelem no Poder Judiciário inconsistentes?

 

R. A controvérsia jurisprudencial acerca da obrigação principal ou acessória, decorrente da legislação tributária, por si só, não enseja ao contribuinte atingido o direito à indenização.

 

Diferente será na hipótese de aplicação de lei declarada inconstitucional pela Corte Suprema, resultando na suspensão de sua aplicabilidade por Resolução do Senado Federal (art. 52, X da CF). Nessa hipótese, ou no caso de ônus imposto (obrigação principal) sem base legal caberá ao contribuinte pleitear do Estado a indenização por danos materiais e morais efetivamente ocorridos , independentemente da indagação de dolo ou culpa do agente público. Se, contudo, o contribuinte optar pelo ajuizamento da ação indenizatória diretamente contra a autoridade de administração tributária responsável pelo evento, não só, deverá comprovar os danos efetivamente ocorridos, como também, o nexo causal entre esses danos verificados e a conduta dolosa ou culposa da referida autoridade de administração tributária.

 

 

5.2. A crescente perda de privacidade dos cidadãos perante as autoridades dos diversos países, como quebra de sigilo bancário, seqüestro de bens e de recursos bancários, na concessão de certidões para concorrência em obras públicas, se o contribuinte estiver discutindo com o Poder Público, constitui forma de fortalecimento democrático ou, ao contrário, sinaliza uma contínua perda de liberdade dos cidadãos, e caminho para regimes autoritários e de exceção.

 

R. Há uma crescente perda de privacidade, com a quebra de sigilo bancário em diversos países, por recomendação da OCDE, para evitar evasão artificial de lucros e receitas fiscais. Ultimamente, o acesso às informações bancárias vem sendo adotado pelos diferentes países como instrumento de combate ao tráfico de drogas e aos esquemas de lavagens de dinheiro.

 

E mais, a nossa legislação permite o seqüestro de bens e de recursos bancários do devedor de tributos, inclusive , por via eletrônica mediante utilização de convênio entre o Banco Central e o Judiciário, além de exigir certidão negativa de tributos em ‘n’ situações. Foi firmado, recentemente um Convênio entre o Suspremo Tribunal Federal e a Secretaria da Receita Federal para troca de dados e informações atinentes aos contribuintes que estão discutindo em juízo.

 

Tudo isso é sinal de deterioração do Estado Democrático de Direito, onde os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, representados por inúmeros princípios tributários expressos ou implícitos deveriam prevalecer sobre as normas da legislação ordinária, mas que na prática são ignorados por falhas nos aspectos estruturais e funcionais do nosso sistema jurídico tributário. Não há, entre nós, um órgão independente capaz de fazer cumprir efetivamente os direitos fundamentais do contribuinte.

 

 

5.3. Por que o Código de Defesa do Contribuinte é fundamental e por que os países emergentes negam-se a adotá-los?

 

R. A existência do Código Tributário Nacional, incorporando os princípios constitucionais tributários que funcionam como limitações ao poder de tributar, por si só, não é suficiente para a segurança jurídica do contribuinte. Isso por que milhares de preceitos normativos nebulosos são despejados, periodicamente, pela União, pelos 27 Estados membros e pelos 5.532 Municípios, muitos deles ferindo, indiretamente, o princípio de hierarquia das normas jurídicas. Por essa razão, essas normas subalternas viciadas não são detectadas e consideradas inconstitucionais pelos tribunais que, ultimamente, têm-se preocupado mais com as finanças do Estado do que com os direitos do contribuinte, dentro daquela máxima: o que é bom para o contribuinte e ruim para o Estado.

 

Para suprir essa falha do sistema tributário vigente em seu aspecto funcional seria necessário um Código de Defesa dos Contribuintes até mesmo para expressar direitos óbvios dos contribuintes que estão sendo atropelados pela caótica legislação tributária dos três entes políticos. Esse estatuto conteria, ainda, um dispositivo genérico declarando a nulidade de pleno direito de todas as disposições da legislação tributária tendentes prejudicar os direitos e garantias do contribuinte por ele assegurados, a exemplo do contido no Código de Defesa do Consumidor.

 

Para tanto é preciso reverter a vontade política dos governantes que pregam a democracia de ‘fachada’, própria dos países emergentes onde a proclamação dos direitos e garantias ficam mais no campo do ideal, do imaginário com pouca ou quase nenhuma aplicação prática. É preciso uma politização maior da sociedade, que possa se exprimir no exercício efetivo da cidadania a fim de reverter a vontade política ditada pelos detentores do poder.

 

Eventos como este, realizado pelo CEU e Universidade Austral sob a inspiração de seus coordenadores, sem dúvida, se constitui em um centro irradiador de idéias despertando a cidadania e contribuindo para futura implantação de um estatuto jurídico de defesa dos contribuintes.

 

SP, 28.02.05

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças.  Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Exame dos aspectos relevantes do poder fiscalizatório e da certidão negativa. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/exame-dos-aspectos-relevantes-do-poder-fiscalizatorio-e-da-certidao-negativa/ Acesso em: 27 abr. 2025