Contribuições Socias: prazo decadencial para o lançamento
Kiyoshi Harada*
Sumário:
1. Introdução.
2. Distinção entre prescrição e decadência.
3. A decadência no novo Código Civil.
4. Decadência no Direito Tributário.
5. Posição doutrinária acerca da natureza jurídica das contribuições sociais.
6. Natureza jurídica das contribuições sociais à luz da Constituição de 1988.
7. O art. 173 do CTN e o art. 45 da Lei nº 8.212/91.
7.1. O art. 146, III, b, da CF e o art. 34, § 3º, do ADCT.
7.2. Prevalência do art. 173 e do § 4º do art. 150 do CTN.
1. Introdução
Pelo presente trabalho, pretendemos, em algumas linhas, discorrer sobre um tema que é objeto de grande celeuma, consistindo-se em maravilhosa seara de pesquisa e conhecimento para aqueles que se ocupam do direito tributário: Prazo decadencial para o lançamento das contribuições sociais.
O próprio título já nos traz uma questão bastante inquietante que é a natureza da tributária da contribuição social. Mas não é só.
Em sede de direito positivo, a distinção entre os institutos da prescrição e da decadência vem sendo objeto constante das discussões acadêmicas, discussões estas que devem se encerrar com a entrada em vigor, no ano que se segue, do Novo Código Civil que, numa demonstração de abandono da teoria consagrada no artigo 75 da Lei Civil vigente, cuidou separadamente dos dois institutos.
No Direito Tributário, a polêmica em torno da prescrição e da decadência, apesar de fugir do campo da distinção, persiste no que concerne, por exemplo, à possibilidade de interrupção do prazo decadencial, como também à viabilidade de fixação do prazo prescricional e decadencial distintos daquele fixado pelos artigos 173 e 174 do CTN.
Neste trabalho, que, como já dito, tem por objeto a análise do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário oriundo de contribuições sociais, analisaremos, de uma só vez, várias questões jurídicas tormentosas e que estão distante de serem elucidadas de forma unânime.
2. Distinção entre prescrição e decadência
Doutrinariamente, a decadência é conceituada como sendo o perecimento do direito por não ter sido exercitado dentro de um prazo determinado. É um prazo de vida do direito. Não comporta suspensão nem interrupção. É irrenunciável e deve ser pronunciado de ofício. Se existe um direito público em proteger o direito do sujeito ativo, decorrido determinado prazo, sem que o mesmo exercite esse direito passa a ser de interesse público que o sujeito passivo daquele direito não mais venha a ser perturbado pelo credor a fim de preservar a estabilidade das relações jurídicas. Dormientibus non sucurrit jus, diz o brocardo. Prescrição é a perda do direito à ação pelo decurso de tempo. É um prazo para o exercício do direito. Comporta a suspensão e a interrupção. É irrenunciável e deve ser argüida pelo interessado, sempre que envolver direitos patrimoniais. Como decorrência da difusão da teoria autonomista da ação, surgiu o conceito de pretensão, que no dizer de Carnelutti, citado por Frederico Marques, nada mais é do que a exigência de subordinar o interesse alheio ao próprio(1). Daí a moderna doutrina no sentido de que tanto a prescrição quanto a decadência atingem a pretensão, que não se confunde nem com a ação nem com o direito.
Mas se ambos os institutos extinguem a pretensão, o que diferencia um do outro? O critério mais acertado para distingui-los baseia-se na divisão binária dos direitos subjetivos. Autores modernos sustentam essa distinção com esteio na lição de Chiovenda que classifica os direitos entre aqueles que envolvem uma prestação (passíveis de violação) e direitos potestativos (insuscetíveis de violação). Agnelo Amorim Filho(2) baseado nessa teoria sustenta que:
somente os direitos que envolvem prestação conduzem à prescrição, porque somente esses são suscetíveis de violação, ensejando o nascimento da pretensão. E como a satisfação das pretensões só pode ser obtida através de ações condenatórias, somente estas, e todas elas, se sujeitam aos efeitos da prescrição.
os direitos potestativos, que são por excelência direito sem pretensão porque insuscetíveis de violação, não podem dar origem ao prazo prescricional. Como a tutela dos direitos potestativos se dá através de ação constitutiva, esta sofre os efeitos da decadência sempre que fixado prazo especial para o exercício do direito, para assegurar a tranqüilidade social;
são perpétuas as ações declaratórias, as quais, visam tão somente estabelecer uma certeza jurídica, bem como todas as ações constitutivas sem prazo especial de exercício fixado em lei.
O referido critério, apesar de ensejar algumas dificuldades, por não haver unanimidade na doutrina quanto à qualificação de determinado direito, como sendo de natureza potestativa, ou como aquele tendente a uma prestação, é o mais completo até agora conhecido.
(1) Manual de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1974. v.1, p.126.
(2) Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil, Saraiva, v.3, p.109.
3. A decadência no novo Código Civil
Miguel Reale, a quem coube o papel de coordenador-geral, propondo a estrutura ou sistemática do projeto do Novo Código Civil, definiu três princípios norteadores da feitura do projeto: sociabilidade, eticidade e operabilidade.
O Novo Código Civil, visando estabelecer soluções normativas de modo a facilitar sua interpretação e aplicação pelo operador do Direito (operabilidade), procurou espancar dúvidas e equacionar idéias contrastantes que se arraigaram na vigência do Código Civil de 1916.
Não há exemplo mais claro dessa inoperabilidade do sistema antigo do que a vetusta discussão acerca da distinção entre prescrição e decadência.
Neste diapasão, o Novo Código, na Parte Geral, enumera os casos de prescrição, em numerus clausus, assim definindo a aplicação do instituto:
Art. 189 – Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.
Parece claro que o legislador adotou o critério de distinção acima citado, ao estabelecer que a prescrição atinge a pretensão oriunda de direitos passíveis de violação.
Por sua vez, as hipóteses de decadência, salvo as regras contidas nos artigos 207 a 211 (Parte Geral), acham-se previstas em imediata conexão com a disposição normativa que a estabelece, como complemento do preceito no qual se opera.
Temos, por exemplo, o disposto do artigo 445 que trata do prazo decadencial para o comprador reclamar vício redibitório, in verbis:
Art. 445 – O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.
Assim, a partir de janeiro do próximo ano, não mais persistirão as dúvidas acerca das hipóteses em que operar-se-á a prescrição ou a decadência.
4. Decadência no Direito Tributário
No Direito Tributário, a distinção entre prescrição e decadência não oferece discussão, porque existe o instituto do lançamento, que é o marco divisor entre um e outro: antes dele só se pode falar de decadência e, depois dele, só se pode cogitar de prescrição.
O artigo 173 do Código Tributário Nacional, regulando a aplicação da decadência, prescreve que:
“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte aquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao pagamento.”
O legislador pátrio, superando a interminável discussão acerca da natureza jurídica do lançamento, fixou-se na tese de que o mesmo tem efeito meramente declaratório da obrigação, mas, constitutivo do crédito tributário.
De fato, o lançamento constitui o crédito declarando a preexistência da obrigação tributária, que surgiu em virtude da ocorrência do fato gerador definido na lei. Assim, após o surgimento da obrigação tributária, nasce para a Fazenda Pública, sujeito ativo da obrigação, a faculdade de torná-la líquida e certa, dentro do prazo previsto em lei, através do lançamento.
Logo, se estamos diante do exercício de um direito potestativo e, se pelo critério de distinção entre os institutos da prescrição e da decadência, acima apresentado, os direitos potestativos, quando fixado prazo para o seu exercício, sofrem os efeitos da decadência, temos que, o prazo de 5 anos de que a Fazenda dispõe para efetuar o lançamento é decadencial.
O prazo decadencial para a Fazenda constituir o crédito tributário, por meio do lançamento, começa a fluir a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (artigo 173, I do CTN).
Também passa a correr o prazo decadencial, quando notificado o sujeito passivo de qualquer medida preparatória, indispensável ao lançamento (artigo 173, parágrafo único).
No tocante ao lançamento por homologação, que é aplicável aos tributos em que o contribuinte antecipa o pagamento sem prévio exame do fisco, a Fazenda Pública, também, dispõe de cinco anos para homologar o pagamento. Findo este prazo sem que o fisco tenha se manifestado, operam-se os efeitos da decadência e considera-se tacitamente homologado o pagamento antecipado, feito pelo sujeito passivo, extinguindo-se, conseqüentemente, o crédito tributário.
Nos termos do artigo 150, § 4º, do CTN, abaixo transcrito, o prazo de cinco anos só não será aplicado quando comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou coação.
“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
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§ 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou coação.
Ainda no que tange ao prazo decadencial para a Fazenda efetuar o lançamento por homologação, deve-se ressaltar que o prazo conta-se a partir da ocorrência do fato gerador e não a partir do primeiro dia do exercício seguinte em que se extinguiu o seu direito de rever e homologar o lançamento, como ocorre nas hipóteses de lançamento direto (art. 173, I do CTN). A jurisprudência do STJ reorientou-se, corretamente, nesse sentido(3).
O inciso II do artigo 173 do Código Tributário Nacional dispõe que:
“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados:
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II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Este inciso cuida da hipótese de lançamento inválido, eivado de vício formal, o que o torna inexistente, sendo, pois, incogitável falar-se de interrupção do prazo decadencial, mesmo porque, se a constituição do crédito tributário, pelo lançamento, é definitiva, não se pode mais falar em decadência.
O presente dispositivo aplica-se aos casos em que o lançamento não se aperfeiçoa em razão de vício formal, mas o conteúdo da obrigação tributária declarada é do conhecimento dos sujeitos, de forma que o legislador houve por bem, nesses casos conceder à Fazenda um prazo suplementar para efetuar novo lançamento, a contar da data da decisão que anula o lançamento maculado.
(3) Embargos de Divergência no Resp nº 101.407-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ, de 8-5-00, p. 53.
5. Posição doutrinária acerca da natureza jurídica das contribuições sociais
Muita controvérsia doutrinária existe acerca da natureza jurídica das contribuições sociais. Para alguns autores, elas teriam natureza de imposto ou taxa; para outros, seriam meros impostos com destinação específica; para outros, ainda, elas não teriam natureza tributária, apesar da sua compulsoriedade. Estes últimos classificam as exações compulsórias em tributárias e não tributárias.
Entendemos que a contribuição social é espécie tributária vinculada à atuação indireta do Estado. Tem como fato gerador uma atuação indireta do Poder Público mediatamente referida ao sujeito passivo da obrigação tributária. A contribuição social caracteriza-se pelo fato de, no desenvolvimento pelo Estado de determinada atividade administrativa de interesse geral, acarretar maiores despesas em prol de certas pessoas (contribuintes), que passam a usufruir de benefícios diferenciados dos demais (não contribuintes). Tem seu fundamento na maior despesa provocada pelo contribuinte e na particular vantagem a ele proporcionada pelo Estado.
Entre nós, as contribuições sociais subdividem-se em duas subespécies: as previstas no artigo 149 da CF e as mencionadas no artigo 195 da CF.
Essas contribuições são submetidas à disciplina do artigo 146, III da CF (normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e suas espécies), com a observância, ainda, dos princípios da legalidade e da isonomia tributária, previstos, respectivamente, nos incisos I e II do artigo 150 da CF. Assim, hoje já não pode haver dúvida quanto à sua natureza tributária. O que ensejou a confusão foi a Emenda Constitucional nº 8, de 14 de abril de 1977, que criou contribuições sociais no elenco do processo legislativo (art. 43, X), reduzindo, ao mesmo tempo, o elenco enunciado no § 2º, I, o artigo 21 da Emenda 1/69.
Essa discussão não é meramente acadêmica. A correta definição da natureza jurídica das chamadas contribuições sociais tem grande alcance prático em face do disposto no § 3º do art. 155 da CF. Se as contribuições sociais são tributos, segue-se que tanto PIS como Cofins não podem incidir sobre as operações e serviços mencionados no citado § 3º. (O XXIII Simpósio Nacional de Direito Tributário sob coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, realizado em São Paulo, no dia 17-10-98, concluiu, por expressiva maioria, que a limitação constitucional prevista no § 3º do art. 155 da CF aplica-se às contribuições sociais incidentes sobre o faturamento (ver Pesquisas tributárias – nova série – 4, São Paulo : Revista dos Tribunais, 1988, co-edição Centro de Extensão Universitária). Em sentido contrário decidiu o STF, que firmou a tese de que apenas outros impostos estão excluídos, sendo legítima a incidência de contribuição social sob a égide da Constituição Federal de 1988, art. 153, § 3º(4).
(4) RE nº 144.971-DF, 2a Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ, de 17-9-96, p. 36.161. RREE 227.832-PR, 230.337-RN e 233.807-RN, T. Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ, de 6-8-99.
6 – Natureza jurídica das contribuições sociais à luz da Constituição de 1988
Entretanto, mesmo no regime constitucional de 1988, a controvérsia perdura.
Certos setores da doutrina continuam sustentando o caráter não tributário dessas contribuições, bem como as do artigo 195. Pinçando, data venia, algumas palavras ou expressões, dispersas aqui e acolá no texto constitucional, sustentam que o legislador constituinte instituiu as exações como gênero de que seriam espécies os tributos e as exações não tributárias. Argumentam que se contribuição fosse tributo não teria sentido a Lei Maior referir-se a tributo ou contribuição. O que ocorreu, na verdade, é que o legislador constituinte, que não é um sacerdote do Direito, mas um homem comum do povo, cometeu imprecisões técnicas, estabelecendo, inadvertidamente, dicotomias conceituais. Cabe ao jurista promover a correta interpretação das expressões, não de forma literal, mas de forma lógica e sistemática de sorte a extrair dessas expressões ou palavras a inteligência que se harmonize com o sistema jurídico-constitucional. Não importa que o legislador constituinte tenha, sem o querer, distinguido tributo de contribuição numa ou noutra passagem, da mesma forma que confundiu imunidade com isenção, por exemplo, no § 7º do artigo 195 da CF. cumpre esclarecer que o § 6º do artigo 150 da CF, em sua parte inicial, refere-se claramente à “contribuição” como espécie tributária, somente estabelecendo a inadvertida dicotomia “tributo ou contribuição”, em sua parte final. Já o § 7º do mesmo artigo, ao referir-se a “imposto ou contribuição”, está designando, corretamente, duas espécies tributárias.
Outra objeção que se tem feito é a de que, se contribuições fossem tributos, a remissão feita aos arts. 146, III, e 150, I e III pelo art. 149 da CF seria inútil, pois, se tributos fossem as contribuições, não teria sentido determinar a aplicação do regime tributário às mesmas. Ora, o que caracteriza a natureza tributária de uma exação não é o nomen juris, mas exatamente sua submissão ao regime tributário. Assim, ad argumentandum tantum, se a exação imaginada pelo legislador constituinte não era de natureza tributária, aquela exação passou a ser tributo no momento em que prescreveu a observância dos princípios constitucionais tributários.
Não há como negar, em face da Constituição vigente, a natureza tributária das contribuições dos artigos 149 e 195. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, em pelo menos duas oportunidades, já deixou assentada a tese da natureza tributária(5).
(5)
a) RE nº 138.284-8-CE. Tribunal Pleno, Rel. Ministro Carlos Mario da Silva Velloso. “Constituem essas contribuições uma espécie própria de tributo ao lado dos impostos e das taxas, na linha, aliás da lição de Rubens Gomes de Souza (‘Natureza tributária da contribuição do FGTS’, RDA 112/27, RDP 17/35). Quer dizer, as contribuições não são somente as de melhoria. Essas são uma espécie do gênero contribuição; ou uma subespécie da espécie contribuição” in RTJ 143/313.
b) RE nº 146.733-9-SP, Tribuna Pleno, Rel. Min. Moreira Alves. “Sendo, pois, a contribuição instituída pela Lei 7.689/88 verdadeiramente contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social, com base no inciso I do artigo 195 da Carta Magna, segue-se a questão de saber se essa contribuição tem, ou não, natureza tributária em face dos textos constitucionais em vigor. Perante a Constituição de 1988, não tenho dúvida em manifestar-me afirmativamente. De fato, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. No tocante às contribuições sociais (…) não só as referidas no artigo 149 (…) têm natureza tributária, (…) mas também as relativas à seguridade social previstas no artigo 195. Por terem esta natureza tributária é que o artigo 149, que determina que as contribuições sociais observem o inciso III do artigo 150 (cuja letra b consagra o princípio da anterioridade), exclui dessa observância as contribuições para a seguridade social previstas no artigo 195, em conformidade com o disposto no § 6º deste dispositivo, que, aliás, em seu § 4º, ao admitir a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, determina se obedeça ao disposto no art. 154, I, norma tributária, o que reforça o entendimento favorável à natureza tributária dessas contribuições sociais” (DJ, de 12-3-93; Resolução do Senado Federal no 11, de 12-4-95).
7. O art. 173 do CTN e o art. 45 da Lei nº 8.212/91
Como já visto no item 4, no código Tributário Nacional o instituto da decadência encontra-se regulado pelo artigo 173.
Na forma do disposto no artigo 146, III da Constituição Federal de 1988, é reservada à lei complementar a competência para estabelecer normas gerais em matéria tributária, incluindo-se no conceito de normas gerais a matéria relativa à decadência tributária.
A Lei nº 5.172/66, que já disciplinava normas gerais em matéria tributária, foi recepcionada pela Carta Constitucional de 1967 com o status de lei complementar e, através do Ato Complementar nº 36, de 13 de março de 1967, recebeu a denominação de Código Tributário Nacional. A Carta Cidadã de 1988 manteve a aplicação do Princípio da Recepção e preservou à natureza de lei complementar ao Código Tributário Nacional.
Em sentido contrário, a Lei Ordinária nº 8.212, de 24-7-91, em seu artigo 45, prescreve que o prazo decadencial para a constituição dos créditos oriundos das contribuições sociais que, como já visto, têm natureza tributária, é de 10 (dez) anos. E o seu art. 46 fixou o prazo de 10 (dez) anos para a cobrança dessa contribuição social, contrariando as regras contidas no CTN.
Art. 45 – O direito da Seguridade Social de apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia Ter sido constituído;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, a constituição do crédito anteriormente efetuada.
Art. 46 – O direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na forma do artigo anterior, prescreve em 10 (dez) anos.
Ora, se a Constituição de 1988 reservou à lei complementar a competência para disciplinar a matéria atinente à decadência tributária; se a Lei nº 5.172/66, recepcionada como lei complementar, estabelece prazo decadencial de 5 (cinco anos) para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário; e se as contribuições sociais são espécies de tributos, parece claro que a Lei Ordinária nº 8.212/91 não poderia ter cuidado da matéria, muito menos de forma diversa.
Não se trata de existir hierarquia entre as normas do CTN e as da legislação ordinária, visto que estas não extraem sua validade daquelas e que todas derivam diretamente da Lei Maior, mas sim de aplicação do princípio da competência legislativa. Se o Constituinte outorgou competência ao legislador complementar para regular normas gerais de direito tributário, dentre as quais a decadência, somente o legislador complementar pode disciplinar tal matéria, sob pena de inconstitucionalidade por inobservância do quorum especial e qualificado.
Do raciocínio acima exposto e encampado por abalizada doutrina e jurisprudência mais excelente, pode-se concluir que o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário, em sede de contribuições sociais, permanece o de cinco anos, a teor das disposições do artigo 173 e do § 4º do art. 150 do CTN.
O Egrégio Tribunal Federal da 4ª Região, em recente julgado, argüiu incidentalmente a inconstitucionalidade do caput do artigo 45 da Lei nº 8.212/91, na forma da ementa a seguir transcrita:
CONSTITUCIONAL – NORMA GERAL TRIBUTÁRIA – ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART. 45 DA LEI Nº 8.212/91. Suscitado incidente de inconstitucionalidade do art. 45 da Lei nº 8.212/91 por invasão à lei complementar a quem cabe estabelecer normas gerais, em matéria de legislação tributária, especialmente sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários na forma do art. 146, III, b da CF. TRIBUNAL – QUARTA REGIÃO (AG – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 63912 – PRIMEIRA TURMA – Relator Juiz Amir Sarti – DJU 14/02/2001. Votação Unânime).
Neste esteio, vale trazer a colação, também, trecho do voto do Excelentíssimo Ministro Garcia Vieira, in verbis:
“…Sempre entendi que as contribuições previdenciárias, inclusive para o FGTS, têm natureza tributária e que não passam elas de prestações pecuniárias compulsórias, criadas por lei, cobradas mediante atividade administrativa plenamente vinculada e têm como hipótese de incidência um fato lícito e previsto no artigo 217, inciso IV do CTN. Para mim, se o artigo 174 do CTN revogou o artigo 144 da Lei Ordinária nº 3.087/60 e uma Lei Ordinária (6.830/80), não tem força para alterar uma Lei Complementar ( Lei nº 5.172/66 – CTN) e se a matéria de prescrição das contribuições previdenciárias, inclusive para o FGTS, é regulada pelo Código Tributário Nacional, este só poderia ser alterado por outra Lei Complementar e não por uma Lei Ordinária. A vigente Constituição Federal (artigo 146, III, letra “b”) dispõe que cabe à Lei Complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição e decadência. Com isto, cai por terra o argumento, às vezes usado, de que a matéria tributária sobre prescrição não é de Lei Complementar. Assim sendo, em sua cobrança aplica-se o disposto no artigo 174 do CTN…” (Resp nº 134.165-SC, Relator: Ministro Garcia Vieira, DJ de 24/11/1997, p. 61.135).
7.1. O art.146, III, b, da CF e o art. 34 do ADCT.
Alguns autores, no entanto, encampam a tese da constitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei Ordinária nº 8.212/91.
Para eles, a lei complementar a que se refere o art. 146, III, b da CF não pode disciplinar os assuntos de peculiar interesse das entidades tributantes, consoante o artigo 34, §3º do ADCT que assim dispõe:
“Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a Redação dada pela Emenda nº 1, de 1969 e pelas posteriores.
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§ 3º Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto.
Não nos parece acertado, data venia, esse posicionamento extraído do § 3º do art. 34 do ADCT. Esse parágrafo, limita-se a facultar ao legislador ordinário de cada ente político adequar sua legislação tributária ao novo Sistema Tributário, implantado pela Constituição Federal de 1988, cuja vigência ficou prevista para o primeiro dia do quinto mês seguinte ao de sua promulgação. E aqui é oportuno abrir um pequeno parêntese, para discorrer, suscintamente, sobre a competência legislativa concorrente.
A competência legislativa em matéria de direito tributário é concorrente, conforme preceitua o art. 24, I da CF:
Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário…
Verifica-se que o Município não está contemplado nesse dispositivo constitucional. Porém, a omissão do Município no texto constitucional não quer dizer que o ente político local não possa dispor sobre normas de direito financeiro ou tributário. O inciso II do art. 30 da CF comete aos Municípios o poder de suplementar a legislação federal e estadual no que couber, e essa suplementação se dá exatamente no campo da competência concorrente, conforme já tivemos a oportunidade de escrever(6). Com o fito de preservar o princípio federativo de convivência harmônica dos entes federados, a Carta Política disciplinou o mecanismo de exercício dessa competência concorrente. À União ficou reservada a faculdade de editar normas gerais (§ 1º do art. 24), sem excluir a competência supletiva dos Estados membros nessa matéria (§ 2º do art. 24). A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual no que for contrário (§ 4º do art. 24). Finalmente, na ausência de normas gerais da União os Estados membros exercerão competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades (§ 3º do art. 24). Embora, novamente omitido o Município nesse parágrafo 3º é claro que o ente político local, na omissão do legislador federal, pode e deve exercer sua competência legislativa plena, com fundamento no art. 30, inciso I e II da CF. Do contrário, nenhum Município poderia Ter instituído, por exemplo, o imposto sobre venda a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, exceto óleo diesel, o IVV, pois, desde sua instituição pelos Municípios, até sua extinção na forma da EC nº 3/93, a União deixou e editar normas gerais a respeito definindo o fato gerador desse imposto. Não é possível entender que a Carta Política tenha outorgado competência impositiva aos Municípios para cumprimento da finalidade que lhe foi cometida, condicionando, porém, o exercício dessa competência à boa vontade do legislador infraconstitucional. Se assim fosse, o bem-estar da comunidade local estaria na dependência do bom humor do legislador federal. Isso seria inadmissível.
Voltando ao tema, os que advogam a constitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/90 entendem que a disciplina das formas de extinção tributária, incluindo-se a prescrição e a decadência, por exemplo, estão no campo privativo das pessoas políticas e não da lei complementar a que se refere o artigo 146, III, b, da Constituição Federal de 1988.
Portanto, os que assim entendem afirmam que a disciplina das formas de extinção tributária, incluindo-se a prescrição e a decadência, por exemplo, estão no campo privativo das pessoas políticas e não da lei complementar a que se refere o artigo 146, III, b, da CF/88. Deste modo, pensam que a fixação dos prazos prescricionais e decadenciais depende de lei da entidade tributante. Esse posicionamento era sustentável até o advento da Carta Política de 1988, quando, então, foi inserida, expressamente, na competência do legislador complementar a disciplina da prescrição e decadência tributárias.
Atualmente, não é mais relevante a discussão se a prescrição e a decadência se inserem ou não no campo de abrangência das normas gerais de direito tributário. O legislador constitucional, ao incluir, de forma expressa, a prescrição e a decadência no âmbito das normas gerais em matéria tributária a serem estabelecidas por lei complementar, não deixou qualquer margem de liberdade ao legislador para fixar o prazo decadencial a critério de cada entidade tributante. Entendemos, sim, ser aplicável a todos os tributos o prazo decadencial previsto no artigo 173 do CTN, que somente poderá ser derrogado por outra lei complementar. O que se pode sustentar com razoável juricidade é que cada poder tributante pode fixar, se quiser, um prazo decadencial menor que o de cinco anos, hipótese em que estaria simplesmente autolimitando o prazo de exercício do direito de constituir o crédito tributário, sem ferir os direitos dos contribuintes assegurados pelo Código Tributário Nacional.
O artigo 34, § 3º do ADCT, portanto, confere competência aos entes federativos para editar leis necessárias e específicas, que possibilitem a correta aplicação do Sistema Tributário Nacional, disciplinado na Constituição de 1988, cujas normas gerais, que estão no CTN, devem ser observadas e têm prevalência sobre as demais.
(6) Direito financeiro e tributário, 10ª edição. São Paulo : Atlas, 2002, p. 37.
7.2. Prevalência do art. 173 e do § 4º do art. 150 do CTN.
A tese que aqui se expôs, mesmo estando longe de alcançar a unanimidade e, talvez, isso nem se pretenda, demonstrou de forma clara que, no que diz respeito ao prazo decadencial para a constituição do crédito tributário, sendo classificado como tal aquele que deriva de contribuições sociais, devem ser observadas as disposições do artigo 173 e do § 4º do art. 150 do CTN, que é a lei complementar à qual a Constituição Federal, em seu artigo 146, III, b, outorgou competência para disciplinar a matéria. Qualquer norma ordinária superveniente, que pretenda derrogar tais disposições, restará eivada de vício de inconstitucionalidade, como inconstitucionais são os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91.
SP, 28.08.02.
* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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