Direito Tributário

Autonomia dos entes federados, competência e reforma tributária no contexto do federalismo fiscal

1. APRESENTAÇÃO

O presente estudo é talhado como uma singela contribuição que, longe de ser conclusiva, apresenta-se como um apelo às reflexões sobre este tema que, dentre uma infinidade de outras, diz com questões como a da autonomia dos entes federados, reforma tributária e competência tributária.

Neste sentido, o estudo apresentado nas linhas que se seguem pretende situar nossa posição acerca de duas questões que nos acompanharam no decorrer do curso: (i) a da rígida repartição de competências tributárias e a possibilidade de sua alteração pela via da reforma constitucional, e (ii) a do exercício da competência tributária dos entes federados, notadamente, a da possibilidade de concessão de benefícios fiscais que impactem nas transferências constitucionalmente fixadas para entes de status inferior.

Para tanto, partiremos da conceituação do Federalismo e do Federalismo Fiscal Brasileiro, tangenciando a sua configuração como cláusula pétrea e seguindo pela definição da relevância da autonomia financeira sob o trinômio discriminação das fontes de receita, repartição do produto da arrecadação e distribuição dos encargos.

Posteriormente, exploraremos a temática da competência tributária, seus atributos e limites e avançaremos na busca por se definir o arcabouço constitucional que daria ensejo a promover a tão esperada Reforma Tributária.

Finalmente, registraremos nossas impressões sobre a recente jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal que firmou entendimento pela impossibilidade dos Estados concederem benefícios fiscais quanto à parcela do produto da arrecadação destinada aos municípios.

2. ESTADO FEDERAL, FEDERALISMO E FEDERALISMO FISCAL

2.1 Estado Federal e Federalismo

Segundo Roque A. Carrazza não entram em acordo os autores a nos apontar os traços característicos do Estado Federal, de modo que, em face das diversas posições sobre o tema, seria possível compor um mosaico com excertos ou citações de renomados juristas, e ainda assim, não chegaríamos a uma conclusão sobre a sua natureza jurídica[1].

A fim de corroborar sua tese, aponta-nos como exemplo a posição de Duguit que vislumbra no Estado Federal a existência de dois governos no mesmo território e a impossibilidade de se alterarem as competências de cada um deles, sem a anuência de ambos; a de Hauriou que sustenta que, no federalismo, há diversidade de leis e várias soberanias secundárias sob uma soberania comum; a de Jellinek que aponta como da essência do Estado Federal a autonomia, salvaguardada pela Constituição, das unidades federadas[2].

Destaca ainda que Lê Fur considera existente uma Federação quando as unidades federativas entram na formação da vontade do Estado e que H. Kelsen, com sua visão formalista do Direito, distingue o Estado Federal dos demais pela existência, nele, de três ordens jurídicas: duas parciais (a União e as unidades federadas) e uma global (a da Constituição que as domina, delimitando-lhes a competência e encarregando um órgão de fazê-la cumprir)[3].

A. R. Sampaio Doria, por sua vez, enxerga no federalismo “a fórmula histórico-pragmática de composição política que permite harmonizar a coexistência, sobre idêntico território, de duas ou mais ordens de poderes autônomos, em suas respectivas esferas de competência”[4].

Verificamos, pois, que não há um conceito unívoco de federalismo, uma vez que não é possível que uma única formulação defina todas as formas pelas quais os Estados se organizam internamente[5]. Nesse sentido salutar a manifestação de Gilberto Bercovici para quem “não existe um modelo de federalismo ideal, puro e abstrato, que englobe a variedade de organizações existentes nos Estados denominados Federais” [6].

Ainda em H. Kelsen, encontramos a assertiva de que o direito positivo conhece apenas a centralização e a descentralização parciais[7], de modo que entre os extremos, haverá diversos tipos e formas pelas quais os Estados se organizam.

Tal constatação nos leva à idéia de que o federalismo é uma questão de grau[8], e que cada país, em um campo de tensão entre forças centrífugas, desintegradoras e de diversidade, que se opõem às forças centrípetas, integradoras e unificadoras, encontra pontos distintos de equilíbrio[9].

Em uma análise semântica, José Nilo de Castro[10]mostra que:

“a noção de Federação (latim: foedus, eris, aliança, associação ou pacto) vincula-se à idéia de união, de modo permanente, de dois ou mais Estados em um só, o Estado Federal. Os Estados-Membros ou federados conservam a sua autonomia interna, debaixo, porém, da autoridade central, a União ou o Estado federal. E esta união é materializada na Constituição Federal.”

Assim, o termo “federação” traz a idéia de pacto, de aliança que ocorre entre diferentes Estados, que forma, permanentemente, uma União, alicerçada numa ordem jurídica única, que, a teor do desenvolvimento histórico dos Estados, tem sua base na Constituição[11].

Daí a definição de M. G. Ferreira Filho no sentido de que o Estado unitário corresponde ao Estado em que a descentralização nele existente está à mercê do poder central[12], enquanto o Estado Federal possui sua estrutura delimitada constitucionalmente, na qual asseguram poderes autônomos a estas entidades.

José Afonso da Silva faz referência à possibilidade de haver Estados unitários descentralizados, que, no entanto, não atribuem aos entes autonomia político-constitucional, tratando-se em verdade de formas de autarquias territoriais, do tipo autárquico[13].

No que pese a dificuldade de se estabelecer um conceito único e abrangente do que se entenda por Federalismo ou de quais sejam as características do Estado Federal, Celso Ribeiro Bastos procurou identificar seus traços comuns enunciando os seguintes: (i) a união de certas entidades políticas autônomas para finalidades comuns; (ii) a divisão dos poderes legislativos entre o governo federal e os Estados; (iii) a operação direta, na maior parte, de cada um desses centros de governo, dentro de sua esfera específica, sobre todas as pessoas e propriedades compreendidas nos seus limites territoriais; (iv) a provisão de cada centro com o completo aparelhamento de execução da lei, quer por parte do Executivo, quer do Judiciário[14].

Raul Machado Horta, por sua vez, identificou os seguintes pontos a serem considerados em uma Federação: (i) dualidade de ordens governamentais; (ii) repartição constitucional de competências; (iii) autonomia constitucional do Estado-membro; (iv) organização peculiar do Poder Legislativo Federal de forma a haver participação dos Estados-membros; e (v) existência de técnica específica (intervenção federal) para fins de manutenção da integridade nacional[15].

Com conclusões semelhantes, José Maurício Conti traz também características intrínsecas à forma federativa de Estado, quais sejam: (i) existência de ao menos duas esferas de governo; (ii) autonomia das entidades descentralizadas; (iii) organização do Estado expressa em uma Constituição; (iv) repartição de competências; (v) participação das entidades na formação da vontade nacional; e (vi) indissolubilidade[16].

Da análise das proposições destes ilustres professores verificamos alguns pontos em comum, dentre os quais a idéia de autonomia dos entes que aflora como aspecto essencial para a caracterização de uma federação, não sendo por outra razão que o artigo 18 da Constituição Federal assim nos indica: “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição” (g.n.).

Dada a relevância deste traço (a autonomia dos entes federados), devotaremos maior cuidado em sua análise, mas não sem antes circundar o tema do Federalismo Fiscal.

2.2. Federalismo Fiscal

O estudo da maneira pela qual as esferas de governo se relacionam do ponto de vista financeiro é o que se chama de federalismo fiscal. Este engloba a análise da forma em que se organiza o Estado, qual é o tipo de federação adotado, qual é o grau de autonomia dos seus membros, as incumbências que lhe são atribuídas e, fundamentalmente, a forma pela qual serão financiadas[17].

No federalismo fiscal, uma das questões mais complexas é a repartição de competências tributárias entre o poder central e as diversas unidades subnacionais. Nesta área é extremamente difícil estabelecer padrões, uma vez que as competências são determinadas por circunstâncias de diversas ordens[18].

Os principais mecanismos para a repartição fiscal são a repartição das fontes de receita e a repartição do produto da arrecadação. Nas palavras de José Maurício Contia repartição das fontes de receita é um mecanismo por meio do qual estabelecem-se previamente regras que distribuem as diversas fontes de receita entre o poder central e as unidades subnacionais. Estas regras podem ser fixadas ao que se pode denominar de discriminação rígida de rendas”[19].

Sobre esta questão, Luis eduardo Schoueri mostra que um regime rígido de repartição de competências tributárias pode ser a solução para garantir a cada pessoa jurídica de direito público o montante de ingressos necessários à manutenção de sua independência assegurada, de resto, pelo sistema federativo[20].

Como já afirmava A. R. Sampaio Dória “a melhor discriminação de rendas, concluir-se-á com alguma dose de ceticismo, é a que melhor se amolde às realidades dominantes da Política (aqui como síntese de todos os valores prevalecentes na coletividade), em cada fase histórica da nação[21]. Entretanto, ressalta o autor que há sim algumas diretrizes amoldáveis a qualquer estrutura política.

Uma primeira diretriz seria a distribuição de competências e de recursos que satisfaçam as necessidades públicas com a melhor relação custo-benefício. É claro que, além da eficácia alocativa, há também critérios históricos e políticos que determinam qual será a divisão de encargos e receitas públicos[22].

Nas Ciências das Finanças, como mostra José Maurício Conti, há alguns fundamentos que devem nortear a formação do Estado Federal, denominados “princípios do federalismo fiscal”, entre os quais se incluem[23]:

·         Princípio do Benefício – os serviços públicos devem ser federais, estaduais ou municipais conforme o benefício por ele produzido atinja todo o território nacional ou apenas parte dele;

·         Princípio da Compensação Fiscal – devem ser criadas formas pelas quais sejam atenuados determinados desajustes que venham a ocorrer em função de circunstâncias peculiares a determinados tipos de serviços, que geram as chamadas “externalidades”. Assim, ao melhorar a vida das pessoas da sociedade, não deve prejudicar a vida de outros.

·         Princípio da distribuição centralizada – concentrar as rendas no governo central pois as medidas distributivas ganham maior eficácia e eficiência.

Destaque-se, no entanto, que toda a problemática abordada pelo Federalismo Fiscal só terá utilidade prática em face da possibilidade de revisão do texto constitucional pela via da emenda que é o que procuraremos fixar nos próximos capítulos.

 

3. ABRANGÊNCIA DO FEDERALISMO COMO CLÁUSULA PÉTREA

Como bem observa Celso Ribeiro Bastos, as constituições assim que editadas pretendem ser eternas, todavia, esta imutabilidade é impossível de ser sustentada diante da evolução social[24].

Como corolário da necessidade de adaptação da Carta Política à evolução dos tempos é que nos surge a noção de poder de reforma constitucional que ganha especial significado em face de ordenamentos rígidos, como é o caso do sistema brasileiro vigente desde 1988.

Com efeito, toda Constituição passa por um processo de atualização, todavia é ínsita a qualquer ordenamento a abordagem dialética entre permanência e transformação em seus textos que nos reporta necessariamente à investigação das limitações formais e materiais ao poder de reformar, sua existência e utilidade.

Os limites formais e materiais aparecem como instrumento de permanência constitucional (estabilidade). Os primeiros designam o procedimento de elaboração da norma reformadora. Os segundos correspondem à exclusão de determinado conteúdo do âmbito de ação do poder reformador.

Importante instrumento de estabilidade constitucional são os limites materiais que buscam a proteção da Constituição contra a arbitrariedade da maioria reformadora. Daí a utilização de cláusulas pétreas, com o objetivo de dar continuidade à ordem constitucional inicial.

Uma cláusula pétrea é, nos dizeres de Karl Loewestwein, um “cerne imodificável” e/ou uma efetiva “disposição intangível” [25].

No direito constitucional positivo brasileiro, as cláusulas pétreas surgiram com a Constituição de 1891 (art. 90), sendo posteriormente inseridas nas Cartas de 1934 (art. 178), 1946 (art. 217), 1967 (art. 50) e na Emenda Constitucional nº 1  de 17 de outubro de 1969 (art. 47).

Atualmente é o artigo 60, § 4o da Constituição Federal de 1988 que nos traz o rol de cláusulas pétreas, isto é, que determina as matérias que não poderão ser objeto de Emenda à Constituição que as tenda a abolir. Logo no inciso I do mencionado dispositivo está consagrada a imutabilidade da forma federativa de Estado.

Mas qual a abrangência e o significado desta expressão? O que se entende por abolir a forma federativa de Estado?

José Afonso da Silva[26] dá-nos a exata dimensão do tema:

“É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem que “fica abolida a Federação”, ou “a forma federativa de Estado”; (…). A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação (…); basta que a proposta de emenda se encaminhe, ainda que remotamente, “tenda” (emendas “tendentes” – diz o texto) para a sua abolição.”

E prossegue o ilustre catedrático ilustrando sua posição:

 “Assim, por exemplo, a autonomia dos Estados Federados assenta na capacidade de auto-organização, de autogoverno e de auto-administração. Emenda que retire deles parcela dessas capacidades, por mínima que seja, indica tendência a abolir a forma federativa de Estado.” [27]

Parece-nos claro, portanto, que a ofensa a algum dos elementos do federalismo, como por exemplo, a autonomia dos entes, implica, por via reflexa, ofensa ao próprio federalismo e, a depender do grau em que efetivada, pode representar ofensa à cláusula pétrea constitucional.

 

4. A AUTONOMIA DOS ENTES FEDERADOS COMO TRAÇO ESSENCIAL DO FEDERALISMO

Vimos que a existência de entes autônomos é pressuposto do Federalismo, razão pela qual se apresenta como essencial às conclusões do presente estudo mergulhar na investigação do que seja o instituto da autonomia, seus limites e sua dimensão.

De antemão convém registrar que talvez não no mesmo grau, mas tal como no caso do Federalismo, não há uma voz uníssona sobre este tema, havendo variações de opiniões sobre sua natureza.

Comecemos, pois, por distinguir autonomia de soberania, valendo-nos das palavras de Celso Ribeiro Bastos[28]para quem a soberania é:

 

“o atributo que se confere ao poder do Estado em virtude de ser ele juridicamente ilimitado. Um Estado não deve obediência jurídica a nenhum outro Estado. Isso o coloca, pois, numa posição de coordenação com os demais integrantes da cena internacional e de superioridade dentro do seu próprio território, daí ser possível dizer da soberania que é um poder que não encontra nenhum outro acima dela na arena internacional e nenhum outro que lhe esteja nem mesmo em igual nível na ordem interna”.

Para este mesmo jurista a autonomia, por outro lado, constitui: 

 

“a margem de discrição que uma pessoa goza para decidir sobre os seus negócios, mas sempre delimitada esta margem pelo próprio direito. Daí porque se falar que os Estados-membros, ou que os municípios são autônomos: ambos atuam dentro de um quadro ou de uma moldura jurídica definida pela Constituição Federal.  Autonomia, pois, não é uma amplitude incondicionada ou ilimitada de atuação na ordem jurídica, mas tão somente a disponibilidade sobre certas matérias, respeitados, sempre, princípios fixados na Constituição.”[29]

E prosseguindo no tema em busca de definir a “moldura jurídica” que prescreve a dimensão da autonomia dos entes federados encontramos no magistério de José Afonso da Silva[30] a menção a quatro capacidades que lhes são peculiares:

(i) Capacidade de auto-organização: mediante a elaboração de constituição ou lei orgânica própria;

(ii) Capacidade de autogoverno: pela eletividade dos governadores ou prefeitos, deputados estaduais ou vereadores;

(iii) Capacidade normativa própria: mediante a competência de elaboração de leis sobre assuntos que lhes sejam reservados pela Constituição Federal;

(iv) Capacidade de auto-administração: consubstanciada na administração própria para manter e prestar os serviços que lhes são afetos.

Cristiano Franco Martins, trilhando os mesmos passos daquele ilustre constitucionalista, afirma que o conceito de autonomia não representa uma única idéia, mas sim um conjunto de fatores, de sorte que, excetuando a capacidade de auto-organização a que este autor não faz menção, as outras três capacidades presentes naquela obra são tratadas por este professor como elementos da autonomia, sintetizados como  “autogoverno”, “autolegislação” e “auto-administração”[31].

José Maurício Conti, por sua vez, ao abordar a temática da autonomia dos entes federados, propõe uma variação desta classificação colocando especial relevo no critério financeiro, de modo que o ilustre professor formula uma tríplice vertente do instituto empregando as denominações de: (i) autonomia política, (ii) autonomia administrativa, (iii) autonomia financeira[32].

Para o professor Conti a autonomia política stricto sensu consiste “na competência para legislar, criando normas para determinados assuntos previamente delimitados na Constituição; a competência para participar nas decisões do poder central (…); a delimitação de competências privativas relativamente à função de fornecimento de bens e serviços públicos; e a existência de órgãos próprios, com os quais exercerá”[33].

Já a “autonomia administrativa manifesta-se pela capacidade que a Constituição confere às entidades descentralizadas de se auto-organizarem, ou seja, de estabelecerem os órgãos, meios e formas pelas quais se encarregarão de cumprir as tarefas que lhes foram atribuídas pela Constituição”[34].

Sobre a autonomia financeira destaca o professor que “a organização do Estado na forma federativa importa na criação de entidades autônomas, que, para cumprirem suas funções constitucionalmente delimitadas, dependem de recursos próprios para tanto. Imprescindível, portanto, para a manutenção desta forma de organização do Estado, que se assegure a autonomia financeira das entidades que compõem a Federação. Devem estas entidades, pois, dispor de fontes de recursos próprias e constitucionalmente asseguradas”[35].

Como é de se perceber além infirmar a importância da autonomia financeira o autor a atrela à idéia de existência de fontes de recursos próprias para cada ente federado, sendo certo que, mais adiante em sua obra, fala-se também no financiamento indireto por meio de transferências constitucionais.

Que a autonomia financeira é importante é indiscutível, mas qual seu alcance? Como dizer quais são as balizas elementares para definição do que seja a autonomia financeira? A nosso ver tais parâmetros devem ser identificados no direito positivo.

Com efeito, é de se supor que o constituinte originário ao proclamar que os entes federados são autônomos nos termos da Constituição tenha, no decorrer dos diversos dispositivos do Texto Magno, fixado regras que garantam esta autonomia.

A esse respeito, Misabel A. M. Derzi pontifica que o federalismo financeiro nacional repousa na idéia de que as competências tributárias conferem aos entes estatais receita suficiente (e até excedente) para a manutenção dos serviços e finalidades públicas que lhe são atribuídos[36].

A nosso ver, contudo, não são apenas a repartição das competências tributárias e as transferências constitucionais que sustentam a autonomia financeira dos entes, estes são os dois elementos básicos vistos pelo plano das receitas, mas há que se considerar também a autonomia pelo viés das despesas.

É que o exercício de determinados misteres constitucionais implica a cada um dos entes que os levam a efeito a necessidade de incorrer em custos que, a rigor, devem estar equacionados com o volume de recursos que lhes são atribuídos também pela Carta Magna.

Assim é que identificamos o tripé que sustenta a dita autonomia financeira e o próprio sistema federativo: (i) repartição de competências, (ii) repartição do produto da arrecadação, e (iii) distribuição de encargos.

A reforçar nossa tese estão as palavras de C. A. de Carvalho Pinto[37]:

“Receita e despesa ou, equivale dizer, discriminação de rendas e distribuição de funções, constituem assim os dois termos de uma equação indispensável ao equilíbrio das unidades do Estado. Qualquer atuação num desses extremos, sem a devida compensação do outro, precipitaria o equilíbrio da balança. Qualquer objetivo, pois, de alterar o sistema discriminatório de um país, traz, como a mais elementar exigência, uma prévia revisão da paralela distribuição de encargos deslocando dessa forma a tarefa para um terreno francamente constituinte, compreensivo de toda a estruturação política e constitucional do país e cujo desconhecimento ou abstração não seria admissível em qualquer trabalho criterioso e construtivo”.

Temos, pois, que a autonomia financeira de um ente será ferida quando houver o desequilíbrio entre as atribuições que ele deve desempenhar e as receitas que lhe forem conferidas para tanto. 

Por essas primeiras conclusões já nos seria dado responder às questões objeto do presente estudo, mas convém, ainda, avançar sobre o tema da competência tributária, a fim de buscar maiores subsídios ao posicionamento que sustentaremos a seguir.

5. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

5.1. Conceito

Desde os primórdios da humanidade até muito recentemente, a tributação como fonte de receitas para o exercício de atividades públicas manifestava-se sob a forma de um poder de Império do Estado (incontrastável e absoluto) direcionado à constrição do patrimônio particular.

Com o avanço das instituições democráticas, notadamente em episódios como o da assinatura da Magna Carta por João Sem Terra, da edição da Bill of rights (1689) e da Declaração dos Direitos da Virgínia (1787), o dito poder tributário começou a sofrer limitações com base na idéia de que seu exercício deveria ser consentido pelos súditos.

A assunção de tal ideal no contexto dos Estados Federais é que nos proporcionou a noção de competência tributária que, nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho,é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos”[38].

Para Roque A. Carrazzacompetência tributária é a aptidão para criar, in abstracto, tributos que encontra fundamentos na própria Constituição Federal (lei tributária fundamental do nosso país)”[39].

Ainda segundo este autor, “a Constituição, por assim dizer, delimitou o campo tributário e deu, em caráter privativo, uma parte dele à União; outra, a cada um dos Estados; ainda outra, a cada um dos municípios; e, a última, ao Distrito Federal”[40].

Com efeito, da análise do texto constitucional verifica-se que a cada um dos entes federados (União, Estados, Distrito Federal, Municípios) foi consignada uma parcela de competência para instituírem, cobrarem e arrecadarem seus tributos.

5.2 Características

Segundo nos ensina Roque A. Carrazza, “a competência tributária caracteriza-se pela: I – privatividade; II – indelegabilidade, III – incaducabilidade; IV – inalterabilidade; V – irrenunciabilidade; e VI – facultatividade do exercício”[41]. Passemos, pois, ao estudo da dimensão de cada uma dessas características.

5.2.1 Privatividade

Roque A. Carrazza aponta que “as normas constitucionais que discriminam as competências tributárias encerram duplo comando: 1) habilitam a pessoa política contemplada – e somente ela – a criar, querendo, um dado tributo; e 2) proíbem as demais a virem instituí-lo”[42].

A idéia de privatividade, pois, assemelha-se à de exclusividade, isto é, atribuída a competência para instituição de um dado tributo a certo ente, exclui-se a possibilidade de qualquer outro tratar daquela matéria.

A esta tese opõe-se Paulo de Barros Carvalho[43] asseverando que:

“a privatividade é insustentável em conta de disposição expressa da lei das leis que, bem ou mal, é o padrão empírico para emissão de proposições descritivas sobre o direito posto. A União está credenciada a legislar sobre seus impostos e, na iminência ou no caso de guerra externa, sobre impostos ditos “extraordinários”, compreendidos ou não em sua competência tributária, consoante o que prescreve o artigo 154, II.

Antevendo, inclusive, a possível crítica no sentido de que tal hipótese constitui exceção que não pode ser oposta à fixação desta característica, rebate Barros Carvalho afirmando: “dir-se-á que se trata de exceção, mas é o que basta para derrubar proposição afirmativa colocada em termos universais, de tal sorte que impostos privativos no Brasil, somente os outorgados à União”[44].

5.2.2 Indelegabilidade

Esta característica conceitua-se pela impossibilidade do ente dotado de determinada competência tributária transferir seu exercício a outro ente, o que se sustenta na constatação de que se a ele foi atribuído tal mister é porque o Constituinte entendeu ser necessário ao atingimento de um dado fim.

Conforme o magistério de Francesco D´Allesio: “cada exercício do poder público pressupõe, sempre, um interesse coletivo a satisfazer, que transcende aos interesses particulares; e, se isto é verdadeiro, como não se pode duvidar, a inderrogabilidade da competência aparece plenamente justificada”[45].

De extrema felicidade as palavras de Paulo de Barros Carvalho[46] para quem:

“se admitirmos a tese de que nossa constituição é rígida e que o constituinte repartiu, incisivamente, as possibilidades legiferantes entre as entidades dotadas de personalidade política, cuidando para que não houvesse conflitos entre as sub-ordens jurídicas estabelecidas no Estado Federal, a ilação imediata é em termos de reconhecer a vedação à delegabilidade. Que sentido haveria numa discriminação rigorosa de competências, quando se permitisse que uma pessoa delegasse a outra as habilitações recebidas?”

 

5.2.3 Incaducabilidade 

A idéia é posta em termos do não perecimento do direito de exercer a competência tributária na hipótese do ente dotado de tal aptidão não a estiver exercendo ou não tiver exercido por um determinado período de tempo.

A esse respeito Roque A. Carrazza[47] pontifica que:

“a competência tributária é, também, incaducável, já que seu não exercício, ainda que prolongado no tempo, não tem o condão de impedir que a pessoa política, querendo, venha a criar, por meio de lei, os tributos que lhe forem constitucionalmente deferidos. Perdura, pois, no tempo, sendo juridicamente impossível dizermos que decaiu, por falta de aplicação ou exercício.”

Ainda no esteio do magistério deste jurista encontramos a justificativa de que a incaducabilidade decorre da impossibilidade de impedir o poder legislativo de exercer sua função típica.

E esta impossibilidade decorre, segundo Carrazza, de duas razões que supõe sejam inafastáveis, a primeira: a Constituição, ao conferir ao Poder Legislativo a competência para legislar, não fez qualquer menção no sentido de que esta faculdade deveria ser utilizada até um determinado marco temporal, sob pena de caducidade; a segunda: o ato de legislar envolve, sempre e necessariamente, uma alteração da ordem jurídica em vigor, ou seja, uma inovação normativa[48].

 

Excelentes as palavras de Paulo de Barros Carvalho[49] cuja opinião é a de que:

“a Constituição existe para durar no tempo. Se o não-uso da faixa de atribuições fosse perecível, o próprio Texto Supremo ficaria comprometido, posto na contingência de ir perdendo parcelas de seu vulto, à medida que o tempo fluísse e os poderes recebidos pelas pessoas políticas não viessem a ser acionados, por qualquer razão histórica que se queira imaginar. Impõe-se, portanto, a perenidade das competências, que não poderiam ficar submetidas ao jogo instável dos interesses e dos problemas por que passa determinada sociedade.”

5.2.4. Inalterabilidade

De extrema relevância a análise da presente característica vez que umbilicalmente ligada a uma das indagações que o presente estudo pretende responder e que será arrematada pouco mais adiante.

Por ora cabe averiguar a extensão da dita inalterabilidade que, segundo Roque A. Carrazza consiste no postulado de que os limites que a Constituição traçou para que as pessoas políticas tributassem não podem ser deslocadas nem pelo Código Tributário Nacional (ou normas jurídicas que lhe façam as vezes), nem por leis ordinárias, decretos, portarias, atos administrativos etc[50].

Temática que o eminente professor não tangencia é a de se saber se pela via de emenda constitucional poderia a repartição de competências constitucional ser transmudada.

Deduzindo que a resposta a tal indagação seja negativa, a despeito de não haver nenhum indício expresso na obra de Carrazza, Paulo de Barros Carvalho coloca-se em posição oposta ao que supõe ser a opinião daquele outro professor, valendo-se, para tanto, de um singelo argumento, o de que Reformas Constitucionais com este propósito existiram e foram aceitas sem maiores contratempos.

Estes são os exatos termos em que Barros de Carvalho[51] situa sua opinião:

“a alterabilidade está ínsita no quadro das prerrogativas de reforma constitucional e a experiência brasileira tem sido rica em exemplos dessa natureza. Se aprouver ao legislador, investido do chamado poder constituinte derivado, promover modificações no esquema discriminativo das competências, somente outros limites constitucionais poderão ser levantados e, mesmo assim, dentro do binômio “federação e autonomia dos municípios.”

Interessante notar a posição do ilustre catedrático de que as possibilidades de se levantarem argumentos contrários à modificação da repartição de competências situam-se no campo dos valores da Federação e da Autonomia.

Por se tratarem de elementos que permeiam todo o sistema constitucional esta é exatamente a perspectiva em que trilharemos nossa argumentação mais adiante, por ora passemos à próxima característica da competência.

5.2.5. Irrenunciabilidade

Tal como registramos acerca da indelegabilidade, não é de se admitir, em face dos elevados valores perseguidos pela Constituição Federal, que um ente dotado de competência tributária possa renunciá-la.

Por uma porque a ratio de atribuí-la a determinado ente é a de possibilitar a ele que realize determinados objetivos que se verão frustrados na hipótese da renúncia, por duas porque ineficaz tal atitude uma vez que se tratando de aptidão outorgada pelo Texto Supremo, ainda que o ente deseje renunciá-la, pretendendo no futuro dela fazer uso nenhuma óbice poderá ser oposta.

Assim sendo, admite-se até que o ente não se valha de sua competência tributária, mas não que ele renuncie a ela.

5.2.6. Facultatividade

Outra característica que se reveste de especial relevo para os fins do presente trabalho é a da facultatividade ou não do exercício da competência, haja vista que a conclusão extraída num ou noutro sentido poderá irradiar conseqüências sobre a partilha do produto da arrecadação tributária.

Com efeito, em se tratando de tributos que comportam repartição do produto de sua arrecadação, tal como os impostos estaduais (ICMS, IPVA), o eventual não exercício da competência tributária impacta não apenas nos cofres do ente que a titulariza, mas também daqueles que anseiam pelo recebimento da parcela que lhes cabe constitucionalmente.

Para Roque A. Carrazza conquanto as pessoas políticas não possam delegar suas competências tributárias, por força da própria rigidez de nosso sistema constitucional, são livres para delas se utilizarem ou não. Noutro falar, na medida em que o exercício da competência tributária não está submetido a prazo, a pessoa política pode criar o tributo quando lhe aprouver[52].

Conclui Carrazza que se os entes políticos podem o mais (não criar o tributo) podem o menos, isto é, utilizar apenas em parte as competências tributárias (criando parcialmente o tributo) e sustenta tal afirmação na obra de Barros de Carvalho. Este autor, após se aprofundar nos estudos da teoria da norma de Norberto Bobbio, constatou que dentre as nove categorias de normas de sobrenível[53], as normas constitucionais de competência se situam no plano das que “permitem obrigar”.

No que pese o professor se valer dos ensinamentos de Barros Carvalho acerca do tema das normas de estrutura, este autor ao apreciar a questão da facultatividade da competência faz ressalvas ao entendimento daquele outro.

Para Paulo de Barros Carvalho a facultatividade é regra geral, tanto é assim que se reporta ao exemplo do Imposto sobre Grandes Fortunas cuja competência (artigo 153, VII da CF/88) recai sobre a União que até então não o instituiu, bem como ao exemplo dos municípios que, segundo sua concepção, em grande maioria não editaram legislação referente ao Imposto sobre serviços de qualquer natureza[54].

Todavia, o eminente parecerista quando suscitado a pronunciar-se sobre a extensão de tal característica ao ICMS encontrou neste tributo uma exceção à regra geral que mitiga a característica da facultatividade como inerente à competência tributária. 

Sobre este tributo assim se justificou Barros Carvalho[55]:

“Por sua índole eminentemente constitucional, não é dado a qualquer Estado-membro ou ao Distrito Federal operar por omissão, deixando de legislar sobre esse gravame. Caso houvesse uma só unidade da Federação que empreendesse tal procedimento e o sistema do ICMS perderia consistência, abrindo-se ao acaso das manipulações episódicas, tentadas com tanta freqüência naquele clima que conhecemos por “guerra fiscal”. Seria efetivamente um desastre para a sistemática impositiva da exação que mais recursos carreia para o erário do país. O ICMS deixaria, paulatinamente, de existir.”

  

Ora, se admite-se a mitigação da facultatividade da competência em favor de preservar o valor de evitar guerra fiscal que dirá de se preservar a arrecadação que dá sustento à autonomia de outros órgãos?

Haveria outras hipóteses em que a facultatividade não é atributo essencial à competência tributária? O que dizer dos tributos que comportam repartição do produto de sua arrecadação? É o que enfrentaremos nos tópicos seguintes.

6. ALTERAÇÃO DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS PELA VIA DA REFORMA CONSTITUCIONAL

Neste ponto do Estudo coloca-se, enfim, a necessidade de delinear nossa posição sobre questão primordial para garantir o aperfeiçoamento do sistema tributário, qual seja, a possibilidade ou não de reforma constitucional que altere a estrutura de competências fixada na Constituição Federal em vista de tudo o quanto ponderamos até aqui.

Convém ressaltar que aqueles que advogam a impossibilidade de alteração das competências tributárias fundam-se no argumento de que tal expediente implicaria ofensa ao princípio federativo, na medida em que representa mitigação da autonomia financeira dos entes dos quais seria tolhida determinada exação, ou simplesmente na tese de que a inalterabilidade é traço característico da competência tributária.

Em posição diametralmente oposta, situa-se a corrente daqueles que entendem que o princípio federativo não pode ser invocado como forma de obstruir o aperfeiçoamento do sistema tributário nacional, devendo-se conciliar o texto constitucional com as necessidades do Estado Democrático de Direito[56].

De nossa parte, com o devido respeito que devotamos aos que se opõem à alteração das competências, entendemos, na linha do que foi exposto no tópico 5.2.3 (Inalterabilidade) que a dimensão deste atributo refere-se apenas à atuação do legislador infraconstitucional, não vinculando a atuação do poder de reforma constitucional, de modo que não se poderia tratar da inalterabilidade como característica intrínseca à competência.

Cristiano Franco Martins arremata a questão nesta perspectiva afirmando que devemos perceber com clareza que a autonomia financeira dos membros federados parciais deve sempre estar garantida, na Constituição Federal, contra o legislador infraconstitucional. Não se trata, portanto, de uma matéria imune à reforma à Constituição[57].

Da mesma forma, no que pese a razoabilidade do argumento daqueles que enxergam a reforma como ofensiva ao princípio federativo, notadamente, da autonomia financeira, ousamos discordar, afirmando que tal ofensa não é algo absoluto, inerente à reforma.

Pelo contrário, na linha das conclusões firmadas no tópico 4 (A autonomia dos entes federados como traço essencial do federalismo), verificamos que só há que se falar em ofensa à autonomia financeira quando houver desequilíbrio da equação receitas e despesas e não na mera modificação das competências constitucionais. 

A este respeito valemo-nos, mais uma vez, das elucidativas as palavras de Cristiano Franco Martins em monografia específica sobre o tema do “princípio federativo e mudança constitucional”:

“Ocorre que a Constituição Federal deve assegurar aos membros federados a autonomia financeira capaz de materializar sua autonomia plena. Essa autonomia financeira pode se revelar através da titularidade para instituição de determinados tributos, ou através da repartição de receitas públicas. O importante é que se preserve o equilíbrio entre a receita autônoma e as responsabilidades impostas aos entes federados.”[58]

É bem verdade que a pura subtração das competências dos entes federados, sem qualquer outra medida, nos levaria à inexorável conclusão de que haveria uma precipitação da balança no campo das receitas, mas isto só é aferível em face de uma situação concreta de Reforma.

Cristiano Franco Martins, após observar que as competências tributárias privativas em nossa constituição referem-se aos impostos e notar que estes são tributos não vinculados a uma finalidade específica, nos traz um outro interessante raciocínio:

“Disso resulta que a autonomia financeira, pelo menos no que se refere aos impostos, não contém regras de competência-fim, mas apenas regras de competência-meio. Em outros termos, a competência para instituição de impostos nunca é destinada a uma finalidade específica, sobre a qual o membro federado possa exercer sua titularidade exclusiva, mas sim uma regra de legitimidade quanto ao exercício da atividade fiscal do Estado.”[59]

Concluímos, pois, que a titularidade do membro federado reside não na competência para instituição de certos impostos, mas sim no direito de participar do sistema tributário nacional, absorvendo receitas públicas suficientes para dar conta de suas responsabilidades constitucionais, razão pela qual firmamos nosso posicionamento pela possibilidade de uma Reforma Tributária em plano Constitucional.

 

7. CONCESSÃO DE INCENTIVOS FISCAIS QUANTO À PARCELA DO IMPOSTO DESTINADA A REPARTIÇÃO

Tal como nos propusemos é chegado o momento de averiguar a existência ou não de limitações à possibilidade de concessão de incentivos fiscais pelos titulares de competências impositivas quanto a tributos sujeitos à repartição do produto de sua arrecadação.

A questão ganhou vulto com o Acórdão do Egrégio STF nos autos do RE 572.762 cuja ementa apresenta-se a seguir:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ICMS. REPARTIÇÃO DE RENDAS TRIBUTÁRIAS. PRODEC. PROGRAMA DE INCENTIVO FISCAL DE SANTA CATARINA. RETENÇÃO, PELO ESTADO, DE PARTE DA PARCELA PERTENCENTE AOS MUNICÍPIOS. INCONSTITUCIONALIDADE. RE DESPROVIDO

I – A parcela do imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, a que se refere o art. 158, IV, da Carta Magna pertence de pleno direito aos municípios.

II – O repasse da quota constitucionalmente devida aos Municípios não pode sujeitar-se à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito estadual.

III – Limitação que configura indevida interferência do Estado no sistema constitucional de repartição de receitas tributárias.

IV – Recurso extraordinário desprovido.”

Nesta lide a questão de fundo consistia em saber se é lícito ao Estado de Santa Catarina postergar o repasse de parcela do ICMS devida aos municípios, nos termos do art. 158, IV da CF/88 sob o pretexto de que o recolhimento foi adiado em virtude da concessão de incentivos fiscais a particulares.

Após discorrer sobre a extensão da autonomia dos municípios com o advento da CF/88 e tratar do federalismo cooperativo, o Relator, Ministro Ricardo Lewandowski, centra sua tese no argumento de que a concessão de incentivos fiscais que impactem no montante de recursos a serem transferidos aos municípios é inconstitucional por ferir a autonomia destes entes.

Para embasar sua argumentação recorre a contundente trecho da obra de Kyoshi Arada[60] que, pela alta significação, convém aqui transcrever:

“No imposto de receita partilhada há necessariamente, mais de um titular, pelo que cabe à entidade contemplada com o poder impositivo restituir e não repassar a parcela pertencente à outra entidade política. O imposto já nasce, por expressa determinação do Texto Magno, com dois titulares no que tange ao produto da arrecadação. O fato de o Estado-membro deter a competência tributária em relação ao ICMS não lhe confere superioridade hierárquica em relação ao município no que tange à participação de cada entidade no produto de arrecadação desse imposto. A Carta Política já partilhou o produto da arrecadação desse imposto na proporção de 75% para o Estado-membro, titular da competência impositiva, e 25% para os Municípios, prescrevendo no parágrafo único do artigo 158 os critérios para creditar as parcelas cabentes às comunas.”

Lido o voto do Relator, os ministros que o seguem focam a questão à luz das disposições dos artigos 158, IV (que prevê o percentual do repasse), 160 (que prevê a vedação ao não repasse do montante arrecadado, exceto nas hipóteses previstas em seus parágrafos) e 34 (que prevê intervenção Federal no Estado que não proceder ao repasse), todos da CF/88.

O Ministro Carlos Brito chega a indagar se os incentivos concedidos têm de excluir a parcela dos Municípios, isto é, se no entendimento da corte os Estados não tem disponibilidade do total da receita do ICMS, ao que obtém a resposta positiva do Ministro Lewandowski que é acompanhado por unanimidade.

Data maxima venia à posição adotada pelo Pretório Excelso somos compelidos a discordar dos argumentos que serviram de base à decisão proferida.   

Em nosso sentir, há no caso em apreço duas relações jurídicas distintas embora interdependentes. A primeira de cunho tributário realça o brilho da competência do ente que a titulariza e se esgota com a arrecadação do tributo, a segunda refere-se a uma relação entre o ente titular da competência e o que possui o direito constitucional de receber parcela do montante arrecadado, e se consuma com a transferência.

Neste sentido vejamos Roque A. Carrazza:

“Pensamos que não influi na privatividade das competências tributárias a circunstância de, em alguns casos, a Lei Máxima haver estabelecido que uma dada pessoa política participará do produto da arrecadação dos tributos de outra. Na verdade, tal participação faz nascer uma relação jurídica de direito público, em tudo diversa da relação jurídica tributária, até porque a ela ulterior.”[61]

Com efeito, o fato de haver disposição constitucional acerca da repartição dos valores arrecadados não tem o condão de vincular a ação do titular da competência impositiva, justamente porque a repartição se situa num momento logicamente posterior ao seu exercício.

É dizer, a partilha dos valores arrecadados pressupõe que estes o sejam, o que nos leva à conclusão de que deva ter havido a instituição do tributo pela pessoa política competente e a verificação de uma série de fatos que, qualificando-se nos termos desta norma, tenham feito surgir o direito à percepção de valores pecuniários que são então arrecadados e, só então, partilhados. 

Mais uma vez oportuno o magistério de Roque A. Carrazza:

“Só há falar em participação no produto da arrecadação do tributo após ele ter sido instituído pela pessoa política competente e nascido, com a ocorrência do fato imponível. Sem a criação, in asbtracto, do tributo e seu real nascimento, não pode existir o direito subjetivo à participação nas receitas tributárias. Decorre daí que a pessoa política “participante” não adquire o direito de tributar, em nome e por conta da pessoa política competente, se esta permaneceu inerte, isto é, não criou o tributo. Melhor dizendo, a expectativa de direito à participação só se transforma em efetivo direito ao depois da criação do tributo “partilhável” (pela pessoa política competente, é claro) e da ocorrência do fato imponível.”[62]

Retomamos aqui as considerações acerca da competência tributária à luz do estudo do eminente jus filósofo Norberto Bobbio, que as situa na categoria de normas de estrutura do tipo “é permitido obrigar”, isto é, como sendo normas que facultam aos seus destinatários exercê-las ou não. Nestes termos é que Roque A. Carrazza apresenta a facultatividade (tópico 5.2.4) como traço característico da competência tributária.

Tratando-se, portanto, o exercício da competência impositiva de uma faculdade, inadmissível pensar que a atuação do ente político esteja vinculada pela regra da partilha, o que seria uma contraditio in terminis.

De fato, a dimensão de tal faculdade deve ser ampla e irrestrita sob pena de se desfigurar, do que se aduz deva ela abranger a possibilidade de instituir ou não o tributo; de uma vez instituído, estabelecer regras de isenção aos casos que julgar oportunos, e até mesmo de remitir débitos constituídos.

Do contrário, a competência atribuída aos entes afigurar-se-ia como que um grilhão que o impede de agir de acordo com seus desígnios, afastando-o dos mais nobres propósitos de que se reveste a fixação de uma política fiscal.

Ademais, a prevalecer a posição de que não há se falar em incentivos quanto à parcela dos municípios, poderíamos, mutatis mutandis, chegar à esdrúxula conclusão de que um ente que não instituiu um dado tributo devesse estimar o montante que seria arrecadado com o mesmo e efetuar o repasse em detrimento de outras rubricas de seu orçamento ou simplesmente que este ente nunca poderia deixar de instituir o tributo.

Tal ofensa ao conceito de competência tributária, notadamente a seus atributos de privatividade e facultatividade, não se justifica nem mesmo à luz da autonomia dos entes vez que, como amplamente explorado por nós, a repartição das receitas tributárias é apenas uma das vertentes da autonomia financeira.

Dito de outro modo, entendemos que não se sustenta a alegação de que o exercício da competência tributária por um dado ente nos limites do que lhe é facultado possa ser erigido como ofensa à autonomia financeira do ente a que cabem repasses de parcela dos valores arrecadados porque esta só é aferível no cotejo entre receitas e despesas de um modo global.

Embora passível de ser suscitada a tal ofensa, não se trata de consequência necessária, dotada de absolutismo incontrastável. Pelo contrário a averiguação de seu cabimento deve se dar à luz de cada caso e ainda assim por meio do sopesamento dos valores envolvidos.

8. SOLUÇÃO DAS QUESTÕES PELA PERSPECTIVA PRINCIPIOLÓGICA

Por derradeiro, convém situar os temas tratados no presente estudo pela perspectiva principiológica, reportando-se, para tanto, à doutrina de R. Alexy que, no estudo dos direitos fundamentais, fez grande contribuição à teoria de princípios e regras[63].

Segundo este jusfilósofo toda norma ou é uma regra ou é um princípio, sendo a diferença entes eles qualitativa. Os princípios ordenam algo que deve ser realizado na maior medida do possível, levando-se em conta as possibilidades jurídicas e fáticas. Portanto, não contém mandamentos definitivos, mas sim mandamentos prima facie[64].

Totalmente diferente é a estrutura das regras, as quais contém mandamentos que exigem cumprimento estrito e sem ressalvas. Esta regra, caso não seja capaz de gerar efeitos, perderá sua validade. Portanto, as regras possuem mandamentos definitivos.

Tal distinção tem efeito prático quando aplicada em face de conflitos normativos. No conflito entre regras, quando não há possibilidade de compatibilidade, uma das regras contraditórias deve perder sua validade e ser eliminada do ordenamento jurídico.  Isso ocorre porque o atributo validade não suporta graduação. E essa antinomia se resolve através das regras clássicas da lex posterior derogat legi priori e lex specialis derogat legi generali[65].

Por outro lado, o conflito entre princípios deve ser resolvido de maneira completamente distinta, não pela aplicação das regras clássicas, declarando um princípio inválido e o excluindo do ordenamento. A solução encontrada é que um dos princípios deve ceder ao outro de acordo com as condições do caso concreto.

Analisando a norma disposta no artigo 60, § 4o, I, (que propugna pela manutenção da forma federativa de Estado), bem como a autonomia financeira inserida em seu bojo, verificamos tratarem-se de princípios e não regras, vez que, ao contrário de mandamentos definitivos, admitem a aplicação na medida do possível.  

O mesmo se diga dos argumentos levantados para uma possível Reforma Tributária na questão que envolve a possibilidade de alteração das competências constitucionais, ou dos que justificam o exercício da competência tributária em sua plenitude no sentido de conceder benefícios no caso da problemática da possibilidade de estes abrangerem a parcela cabível aos municípios.

De fato, Luis Eduardo Schoueri mostra-nos que objetivos como a extinção da guerra fiscal, a manutenção de programas de ajuste fiscal e o desenvolvimento de políticas econômicas nacionais, com o fim principal de reduzir desigualdades regionais e problemas sociais, surgem como justificativa para mudança de competências tributárias sem violar a referida cláusula pétrea[66], podendo-se estender o mesmo raciocínio para a sustentar a possibilidade dos entes dotados das competências estabelecerem benefícios sem arcar com ônus de não poder estende-los à parcela cabível aos municípios.

Assim, concluímos que, em face deste conflito de normas que encerram verdadeiros princípios, a solução dar-se-á pelos elementos concretos de cada caso, observando-se que, quanto à autonomia financeira, a interferência na repartição das competências ou nas verbas transferidas de forma isolada não necessariamente consubstanciam ofensas haja vista tudo que até aqui expusemos.

Ricardo Ezequiel Torres – Advogado graduado pela PUC-SP e Mestre em Direito Financeiro pela USP


[1] Cf. R. A. Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 20ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 116.

[2] Ibid., p. 115.

[3] Ibid., p. 115.

[4] Cf. A. R. Sampaio Dória, Discriminação de Rendas Tributárias, São Paulo: José Brushatsky, 1972, p. 9.

[5] Cf. J.M. Conti, Apresentação in J. M. Conti (org.), Federalismo Fiscal, Barueri: Manole, 2004, p. VIII.

[6] Cf. Gilberto Bercovici, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2004, p. 9.

[7] Cf. H. Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. 433-451.

[8] Vide José Maurício Conti que propõe uma divisão entre Estados de 1o, 2o, 3o e 4o grau. Ressalva que mesmo com muitos graus os Estados podem conferir pouca autonomia aos às suas entidades descentralizadas. Cf. J. M. Conti, Federalismo Fiscal e Fundos de Participação, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, pp. 5-10.

[9] Cf. M. A. M. Derzi, Federalismo, Estado Democrático de Direito e Imposto sobre o Consumo in Revista de Direito Tributário, nº 75, São Paulo: Malheiros, 1999, p. 195.

[10] Cf. J. N. Castro, Considerações sobre o federalismo in Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 22, nº 85, 1985, p. 46.

[11] Cf. A. Elali, O Federalismo Fiscal Brasileiro e o Sistema Tributário Nacional, São Paulo: Apet/MP, 2005, p. 18.

[12] Cf. M. G. Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 49.

[13] Cf. J. A. Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 26a Ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 99.

[14] Cf. C. R. Bastos, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 481.

[15] Cf. R. M. Horta, Problemas do Federalismo in Perspectivas do federalismo brasileiro, Belo Horizonte, 1958.

[16] Cf. J. M. Conti, Federalismo Fiscal e Fundos de Participação, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 10.

[17] Ibid., pp. 24-25.

[18] Ibid., p. 33.

[19] Cf. J. M. Conti, Federalismo Fiscal e Fundos de Participação, op. cit. (nota 16), p. 36.

[20] Cf. L. E. Schoueri, Discriminação de competências e competência residual in L. E. Schoueri, F. A. Zilveti, Direito Tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado, São Paulo, Dialética, 1998, p. 82.

[21] Cf. A. R. Sampaio Dória, Discriminação de rendas tributárias, op. cit. (nota 4), p. 18.

[22] Ibid., p. 27.

[23] Ibid., pp. 28-29.

[24] Cf. C. R. Bastos, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p 47.

[25] Cf. K. Loewestein, Teoria de la Constitución, 2a Ed., Barcelona: Ariel, 1986, p. 186.

[26] Cf. J. A. da Silva. Comentário Contextual à Constituição, 4ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 442.

[27] Ibid.

[28] Cf. C. R. Bastos, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 474.

[29] Ibid., p. 475.

[30] Cf. J. A. Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 26a Ed., São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 608, 609 e 641.

[31] Cf. C. F. Martins, Princípio Federativo e Mudança Constitucional: Limites e Possibilidades na Constituição Brasileira de 1988, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 66.

[32] Cf. J. M. Conti, Federalismo Fiscal e Fundos de Participação, op. cit. (nota 16), p. 12.

[33] Cf. J. M. Conti, Federalismo Fiscal e Fundos de Participação, op. cit. (nota 16), p. 13

[34] Ibid., p. 13.

[35] Ibid., p. 14.

[36] Cf. M. A. M. Derzi, Federalismo, Estado Democrático de Direito e Imposto sobre o Consumo, op. cit. (nota 9), p. 204.

[37] Cf. C. A. de Carvalho Pinto, Discriminação de Rendas, São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo, 1941, p. 97.

[38] Cf. P.B Carvalho, Curso de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 236.

[39] Cf. R. A. Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, op. cit. (nota 1), pp. 448 e 449.

[40] Ibid., p. 456

[41] Cf. R. A. Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, op. cit. (nota 1), p. 463.

[42] Ibid., p. 465.

[43] Cf. P.B Carvalho. Curso de Direito Tributário, op. cit. (nota 38), p. 241.

[44] Ibid., p. 241.

[45] D. D´Allesio. Istituzioni di Diritto Amministrativo Italiano, 3ª ed., V. I, Turim: UET, 1943, p.237.

[46] Pp. 240.

[47] Cf. R. A. Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, op. cit. (nota 1), p. 606.

[48] Ibid., p. 607.

[49] Cf. P.B Carvalho. Curso de Direito Tributário, op. cit. (nota 38), p. 240.

[50] Cf. R. A. Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, op. cit. (nota 1), p. 610.

[51] Cf. P.B Carvalho. Curso de Direito Tributário, op. cit. (nota 38), p. 241.

[52] Cf. R. A. Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, op. cit. (nota 1), p. 612.

[53] Segundo Roque Carrazza, os nove modais da teoria de Bobbio são normas que: (i) permitem obrigar, (ii) obrigam a obrigar, (iii) proíbem, obrigar, (iv) permitem permitir, (v) obrigam a permitir, (vi) proíbem permitir, (vii) permitem proibir, (viii) obrigam a proibir, (ix) proíbem proibir. Cf. R. A. Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, op. cit. (nota 1), p. 615.

[54] Cf. P.B Carvalho. Curso de Direito Tributário, op. cit. (nota 38), pp. 241 e 242.

[55] Cf. P.B Carvalho. Curso de Direito Tributário, op. cit. (nota 38), p. 242.

[56] Cf. A. Elali, O Federalismo Fiscal Brasileiro e o Sistema Tributário Nacional, op. cit. (nota 11), p. 59

[57] Cf. C. F. Martins, Princípio Federativo e Mudança Constitucional: Limites e Possibilidades na Constituição Brasileira, op. cit (nota 31), p 177.

[58] Ibid., p. 175.

[59] Cf. C. F. Martins, Princípio Federativo e Mudança Constitucional: Limites e Possibilidades na Constituição Brasileira, op. cit (nota 31), p 176.

[60] Cf. Kyoshi Harada. Vinculação, pelo município das cotas do ICMS para garantia de operações de crédito: efeitos. In repertório IOB Jurisprudência, nº. 3, fevereiro/99, p. 97.

[61] Cf. R. A. Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, op. cit. (nota 1), p. 623.

[62] Ibid.

[63] Cf. R. Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1993, pp. 86-87.

[64] Ibid., p. 99.

[65] Ibid., p. 88.

[66] Cf. L. E. Schoueri, Prefácio, op. cit (nota 11), p. 9.

Como citar e referenciar este artigo:
TORRES, Ricardo Ezequiel. Autonomia dos entes federados, competência e reforma tributária no contexto do federalismo fiscal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/autonomia-dos-entes-federados-competencia-e-reforma-tributaria-no-contexto-do-federalismo-fiscal/ Acesso em: 10 mar. 2025