Administração de Fundos Mútuos e Intermediação de Títulos
Ives Gandra da Silva Martins*
Embora nunca traga questão de minha advocacia pessoal para a imprensa, a não ser quando autorizado pelos clientes e solicitado pela mídia, este artigo versa sobre um tema em que tive oportunidade de atuar, juntamente com o escritório de Sacha Calmon Navarro Coelho, e que acaba de ser decidido pela 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal, em nível de recurso extraordinário.
Trata-se de questão jurídica – discutida em processos patrocinados por inúmeros profissionais – de particular relevância para definir a incidência ou não do ISS na administração de fundos mútuos, agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos quaisquer, contratos de franquia e de factoring, por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central.
Solicitados a dar entrevista, Sacha e eu manifestamo-nos sobre o assunto, porém, nessas oportunidades, nem sempre é possível veicular a tese em sua inteireza. Assim, decidi abordar, neste curto artigo, a essência da questão, agora já com decisão favorável da 1a. Turma do Pretório Excelso.
A lista de serviços da Lei Complementar n. 56/87 declara, em seus incisos 44, 46 e 48, que:
“ 44. Administração de fundos mútuos (exceto a realizada por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central);
…
46. Agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos quaisquer (exceto os serviços executados por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central);
….
48. Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia (franchise) e de faturação (factoring)(excetuam-se os serviços prestados por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central)” .
Como se percebe, os três itens claramente excluem da incidência do imposto municipal tais operações, quando realizadas pelas instituições autorizadas pelo Banco Central.
A Lei n. 2277/94, do Município do Rio de Janeiro, considerando que tais exclusões caracterizariam isenções, incluiu tais serviços entre aqueles sujeitos ao ISS, por entender que esses “estímulos fiscais” teriam perdido a validade após 2 anos da promulgação da Constituição de 1988, por não terem sido reiterados pelos poderes concedentes, nos termos do que prevê o art. 41 do ADCT da C.F.
Ocorre que as figuras da “não-incidência” e da “isenção” têm características distintas, como claramente definido na doutrina: na isenção nasce a “obrigação tributária”, por definição do art. 175 do CTN; e, na “não incidência”, estão excluídos “obrigação” e “crédito”, pelo não exercício do poder impositivo.
Ora, o artigo 41do ADCT refere-se a “estímulos fiscais”, ou seja, concretamente, a isenções, mas não cuida de hipóteses de “não incidência”, que são aquelas caracterizadas nos itens acima transcritos. Aliás, as operações excluídas nos mencionados itens já estariam fora do campo de incidência do ISS, por estarem sujeitas a tributos regulatórios específicos.
Em outras palavras, a lei complementar, ao delimitar o âmbito da competência tributária do município, nos termos do que lhe autoriza o art. 156, III da CF, dele excluiu operações da competência de outro ente tributante, deixando explicito que configuram situações jurídicas de não-incidência,
Sendo a lei complementar taxativa, conforme sólida jurisprudência do STF, à evidência, apenas os serviços nela elencados podem ser eleitos como fatos geradores do imposto instituído pela legislação ordinária municipal, servindo, pois, a lei complementar, como limitação ao exercício do poder impositivo do município.
Desta forma, não poderia o Município do Rio de Janeiro, validamente, instituir e cobrar o ISS sobre tais prestações de serviços, nem com base no art. 41 do ADCT, porque essa norma trata de “isenção” e os itens excluídos expressamente na lista de serviços caracterizam hipóteses de “não-incidência”; nem com base no art. 156, III da CF, pois as “limitações de competência” representadas pelas exclusões da Lei Complementar 56/87, têm fulcro na discriminação constante na Constituição, já que as operações mencionadas nos itens 44, 46 e 48 integram o campo de competência de outro ente da federação.
Foram, exatamente, esses os fundamentos da recente decisão do STF (1ª. Turma), no Recurso 361.829-6-RJ – com voto do Ministro Relator Carlos Mário Velloso seguido por seus pares – hospedando os dois claros elementos jurídicos caracterizadores da não-incidência e concluindo pela inconstitucionalidade da legislação do Município do Rio de Janeiro, na parte em que pretendeu instituir o ISS sobre as operações mencionadas.
* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: www.gandramartins.adv.br
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