Laísa Santos
Nos últimos artigos publicados pela área de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões, abordou-se não só o tema do planejamento sucessório de uma maneira bastante ampla, como também os instrumentos de natureza contratual que podem ser utilizados para planejar uma sucessão. Dando continuidade ao assunto, no presente texto pretende-se tratar sobre alguns instrumentos de natureza real e societária que são comumente utilizados.
Reitera-se que a escolha dos instrumentos para um planejamento sucessório dependerá dos objetivos do titular do patrimônio e da sua família. Toda e qualquer estrutura montada deverá ser feita de maneira individualizada, com o intuito de atender aos anseios do grupo familiar.
Abaixo serão abordados alguns instrumentos de natureza real e societária que são rotineiramente utilizados para a realização de um planejamento sucessório:
Usufruto
É muito comum a utilização do usufruto como instrumento de planejamento sucessório para assegurar a subsistência do cônjuge ou de determinados parentes.
De uma maneira simplificada, o usufruto consiste no direito de o seu titular – usufrutuário – valer-se dos direitos de usar, gozar e fruir de coisa alheia, restando ao proprietário – nu proprietário – o direito de dispor do bem. Ou seja, possibilita ao usufrutuário que desfrute integralmente de coisa alheia, como se dono fosse, resguardando, no entanto, a sua substância.
O usufrutuário será o único sujeito capaz de usar e fruir a coisa, cabendo a ele, de forma exclusiva, beneficiar-se do direito real a ele atribuído pelo nu proprietário.
A forma mais conhecida de o usufruto se apresentar em um planejamento sucessório é através do contrato de doação, na chamada doação com reserva de usufruto, modalidade na qual se alia a liberalidade e gratuidade da doação com a garantia e a segurança jurídica do usufruto, reservando-se ao doador a possibilidade de, enquanto vivo, extrair todas as utilidades do bem doado.
Ressalta-se que, assim como o doador pode doar um bem, reservando, para si, o direito de usar e gozar da coisa, o testador também pode legar a nua propriedade de determinado bem para um certo sucessor, reservando o usufruto deste mesmo bem em favor de uma terceira pessoa.
O usufruto pode incidir sobre bens móveis, imóveis (sejam eles corpóreos ou incorpóreos, como, por exemplo, ações de sociedade anônima ou títulos de crédito), singulares ou coletivos, podendo, inclusive, recair sobre parte do bem ou sobre a sua integralidade.
É importante destacar que para a constituição do usufruto de imóveis é necessário que haja a averbação no Cartório de Registro de Imóveis.
Este instrumento permite uma gama de possibilidades que fortalecem o poder de autodeterminação do indivíduo, com regras rígidas no conteúdo, mas ao mesmo tempo flexíveis na adaptação à vontade do instituidor[1].
Direito real de habitação
O direito real de habitação consiste no direito que o proprietário de determinado bem confere a um terceiro para residir, gratuitamente, em imóvel de sua titularidade. Diferentemente do usufruto, a sua finalidade é exclusivamente a ocupação do imóvel como moradia, sendo, portanto, mais restrito.
Este instrumento pode ser de significativa valia para um planejamento sucessório. A instituição do direito real de habitação pode ser medida útil, mormente nos casos em que o matrimônio ou a união sejam pautados pelo regime de separação total de bens, pois assegurará ao cônjuge ou companheiro a certeza de uma moradia.
Do mesmo modo, podem os cônjuges ou companheiros, em conjunto, instituir o direito real de habitação sobre um determinado imóvel residencial em favor de um ascendente, um descendente ou até mesmo um terceiro.
Disposições em contrato social ou estatuto
O planejamento patrimonial e sucessório, quando envolto por uma participação societária, pode reclamar a presença de um contrato ou estatuto social que contenha determinadas disposições. A inclusão de certas estipulações nestes instrumentos societários pode ser medida fundamental para um correto planejamento.
É oportuno que estes tipos de instrumento prevejam, entre as cláusulas que o regem: (i) a possibilidade ou não de ingresso dos sucessores do sócio falecido e as eventuais condições que podem reger este ingresso; (ii) a proibição de ingresso de terceiros, ainda que cônjuges ou companheiros, mediante a simples indicação, ou de ingresso daqueles que não tenham a qualificação necessária para admissão, necessitando, para tanto, a aprovação por unanimidade dos sócios ou de percentual majoritário deles; (iii) as hipóteses de retirada e exclusão de sócios; e (iv) a forma de apuração e pagamento dos haveres.
Com estas previsões, no caso de falecimento, pode-se obstar a condição de sócio ao meeiro ou aos herdeiros que eventualmente não se encontrem preparados ou não sejam qualificados para auxiliar e gerir determinada atividade empresária.
Também é relevante que o contrato contenha quóruns de deliberação que possibilitem aos demais sócios darem continuidade às atividades sociais independentemente da concordância ou anuência do sócio que por último ingressou na sociedade, bem como é preciso determinar previamente a quem competirá a administração da sociedade, no caso de falecimento ou incapacidade dos sócios.
Family Offices
Os Family Offices são escritórios que administram os bens integrantes do patrimônio familiar, prestando, também, serviços de várias naturezas, como advocatícios, financeiros e contábeis.
No referido escritório, podem atuar membros do grupo familiar, como também membros contratados. Via de regra, os Family Offices compõem-se de duas modalidades de estrutura: uma interna e permanente e outra externa e contratada quando necessário.
A opção por essa estrutura mais personalizada pode beneficiar o grupo familiar, uma vez que, em regra, há uma maior eficiência em relação a questões negociais, e, principalmente, porque minimiza possíveis conflitos de interesses, já que nestas estruturas é comum a contratação de administradores profissionais e remunerados.
Constituição de holding
O planejamento sucessório, a partir da constituição de holdings, tem-se mostrado um excelente instrumento para a perpetuação e organização do patrimônio familiar. Entretanto, embora amplamente divulgado como o principal instrumento de um planejamento, nem sempre a sua constituição gera verdadeiros benefícios aos envolvidos.
Um estudo realizado pela antiga PricewaterhouseCoopers (atual “PwC”) em 2016 constatou que, em regra, apenas 12% das empresas familiares chegam à terceira geração, e somente 3% passam de quatro gerações. Neste estudo, também se verificou que mais de 54% das empresas familiares brasileiras não têm plano de sucessão em vigor[2].
A interrupção abrupta da administração da sociedade, em razão do falecimento daquele que administrava o patrimônio, ou a divisão da participação societária entre dois ou mais herdeiros podem conduzir a uma fragmentação das quotas ou ações e, com ela, à perda do poder de controle que a família possuía sobre o negócio, bem como outros efeitos bastante negativos.
O planejamento sucessório de grupos familiares permite não só a organização familiar, como também a organização das relações que integram a família e a empresa, além da estruturação empresarial relacionada à continuidade das atividades.
A forma comumente utilizada no planejamento familiar é a constituição de uma holding patrimonial, cuja finalidade precípua é o controle do patrimônio familiar. Este tipo de estrutura assegura a continuidade da administração de bens e pode facilitar a sucessão hereditária, pois, a depender da situação, ocorrerá independentemente do processamento de um inventário. A pessoa jurídica torna-se a proprietária e possuidora dos bens da pessoa física, visando facilitar a administração, a proteção destes bens e, muitas vezes, a redução significativa da carga tributária.
Oportuno destacar que o termo “holding” não reflete um tipo de sociedade especificamente considerada na legislação. Esta expressão é utilizada aqui no Brasil para definir uma sociedade que tem como atividade o exercício do controle acionário de outras empresas e a administração dos bens das empresas que controla.
A escolha do tipo societário dependerá das características que se quer dar à estrutura societária, podendo se revestir na forma de sociedade anônima ou limitada – esta última muito mais utilizada, embora nem sempre a melhor opção.
De maneira sucinta, a sociedade anônima tem o seu capital dividido em ações, e a responsabilidade dos seus sócios é limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas, sendo que a sua administração é um pouco mais complexa, pois conta com diferentes órgãos (assembleia geral, conselho de administração, diretoria, conselho fiscal). Já a sociedade limitada tem o seu capital dividido em quotas, e a responsabilidade dos sócios é restrita ao valor daquelas – muito embora os sócios respondam solidariamente pela integralização. Na grande maioria, a administração é bem menos complexa do que a sociedade anônima, cabendo aos sócios deliberar em reunião ou assembleia.
A escolha por um ou por outro tipo societário dependerá da complexidade da atividade empresarial desenvolvida, bem como da necessidade de se estruturar uma administração mais complexa, com maior fiscalização e que imponha limites mais rigorosos à organização interna, a depender dos interesses que gravitam em torno da companhia e do grupo familiar. Ou seja, não existe uma estrutura aplicável indistintamente aos planejamentos sucessórios, sendo que cada caso deve ser analisado de acordo com as suas peculiaridades.
Como trazido nos artigos anteriores sobre a temática , há diversos instrumentos que podem ser utilizados para a realização de um planejamento sucessório que atenda aos objetivos e anseios familiares, sejam eles de natureza contratual, societária, financeira ou sucessória. Mas, para isso, é necessário que haja uma análise profunda e concreta da composição familiar e que se busquem profissionais que atuem, de maneira especializada, na área de planejamento patrimonial e sucessório.
Por fim, no próximo artigo da unidade de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões, abordaremos mais detalhadamente os principais instrumentos de natureza financeira e sucessória utilizados para a construção de um planejamento sucessório.
Caso você tenha alguma dúvida, entre em contato com um dos especialistas da área através do nosso e-mail contato@schiefler.adv.br.
Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/planejamento-sucessorio-e-os-instrumentos-de-natureza-real-e-societaria/
[1]FONSECA, Priscila M. P. Corrêa. Manual do planejamento patrimonial das relações afetivas e sucessórias. 2º ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
[2] Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/setores-de-atividade/empresas-familiares/2017/tl_pgef_17.pdf. Acesso em 30/6/2021.