Direito Internacional

Estado Logístico: contribuição das relações internacionais ao direito

Estado Logístico: contribuição das relações internacionais ao direito

 

Bernardo Pablo Sukiennik *

 

 

RESUMO: Este artigo apresenta o conceito e as principais características do novo modelo estatal chamado “Estado logístico” desenvolvido, notadamente, pelos profissionais das relações internacionais da Universidade de Brasília. O objetivo é estimular a interdisciplinaridade e propor aos operadores jurídicos que colaborarem na elaboração da nova estratégia nacional de desenvolvimento. 

 

PALAVRAS-CHAVE: Teoria do Estado; Estado logístico.

 

A crise do antigo projeto desenvolvimentista e o processo de globalização desafiam as concepções teóricas tradicionais sobre o Estado brasileiro. A crise é explicada por duas causas principais. A primeira é o sucesso do nacional-desenvolvimentismo cujo objetivo era criar e fortalecer a indústria nacional mediante o protecionismo econômico. No entanto, alcançada essa meta, a continuidade da industrialização implica a expansão internacional. A segunda causa é a crise da dívida externa dos anos 1980. A estratégia de desenvolvimento baseava-se na utilização de poupança internacional, para financiar o crescimento econômico. Por isso, a escassez de oferta de divisas provocou: a queda das taxas de crescimento, o desajusta das contas estatais e o aumento da inflação. Também, a partir desse momento, associou-se desenvolvimentismo com alta inflação[1].

 

Por outro lado, a intensificação da globalização nos anos 1990 retomava as idéias liberais sobre a economia e o Estado. O neoliberalismo identificava na atuação estatal a razão da instabilidade econômica dos anos 1980. Nesse sentido, propunha a redução das tarefas e das despesas do Estado. Caberia ao mercado organizar, de modo geral, a economia. Com base nisso o Brasil transformou o perfil de seu Estado: venderam-se empresas públicas e abriu-se o mercado doméstico aos produtos estrangeiros. O resultado dessa política foi majoritariamente negativo. A estabilização econômica foi atingida, contudo, a baixa taxa de crescimento econômico e o aumento das desigualdades sociais mostraram que o “Estado liberal” não era o mais apropriado para substituir o “Estado nacional-desenvolvimentista”. Nesse contexto, no início do século XXI, conjunto de pensadores das relações internacionais da Universidade de Brasília[2] em parceria com alguns embaixadores de renome[3] produziu o conceito de “Estado logístico” como proposta de modelo estatal capaz de superar as deficiências dos dois anteriores. A esquematização das idéias dispersas sobre esse novo ente público coube ao prof. Amado L. Cervo em seu recente livro “Inserção internacional: formação de conceitos brasileiros”[4] [5].

 

          A mundividência associada ao “Estado logístico” “[…] supõe concluída a fase desenvolvimentista, centrada no interno, e projeta a internacionalização econômica”[6] e “não considera a globalização nem boa nem má, mas uma oportunidade de negócios”[7]. Isso fundamenta a transferência de competências estatais ao setor privado. O objetivo do Estado passa a consistir “[…] em dar apoio logístico aos empreendimentos, o público e o privado, de preferência o privado, com o fim de robustecê-lo em termos comparativos internacionais”[8]. Esse raciocínio não rejeita o investimento estatal, mas o limita a casos pontuais e setores estratégicos. Assim, encontra-se no meio termo entre o “Estado liberal” e o “Estado nacional-desenvolvimentista”[9].

 

Os formuladores do conceito de “Estado logístico” preocuparam-se, quase exclusivamente, com a política externa que esse modelo estatal deve adotar. Entretanto, Luiz Carlos Bresser-Pereira complementa a análise sob a perspectiva econômica. Segundo ele, “a idéia geral é que só um Estado forte, um Estado capaz, pode garantir um mercado forte”[10]. Desse modo, a principal competência estatal é organizar o mercado e promover a distribuição de renda. A política industrial pode ser utilizada quando algum setor mostre potencial, mas precise de auxílio momentâneo. O ajuste fiscal visa à poupança pública positiva e, conseqüentemente, ao fortalecimento do Estado. Assim, aliam-se os aspectos positivos do liberalismo e do keynesianismo, a fim de suprir as necessidades do País[11].

 

No âmbito jurídico, o prof. Gilberto Bercovici defende:

 

Eu acho que o que precisamos no Direito Público é a volta da preocupação com o Estado, a volta da Teoria do Estado. Isto não significa separar, isolar, abandonar a Teoria da Constituição, acho que os dois estão interligados. […] Vou usar um termo pra marcar bem o problema do Estado: na construção do espaço público, o Estado pode não ser a única esfera, o único representante da esfera pública, mas eu ainda acredito na centralidade do Estado na esfera pública. É aqui que eu falo da construção do público, para implementar o que está na Constituição. Podemos jogar o que quisermos na Constituição, se não tivermos um Estado forte, no sentido republicano, para implementar essa Constituição, para poder garantir os direitos, para poder implementar políticas públicas, de nada adianta.  […] Uma outra questão que ignoramos ultimamente é a questão do desenvolvimento. Sem um Estado que promova uma efetiva política de desenvolvimento, podemos colocar o que quisermos na Constituição, e, infelizmente, estaremos condenados a ficar denunciando o fato de que a Constituição prevê algo que na realidade não se concretiza. Precisamos, portanto, voltar à Teoria do Estado, sem ignorar a Teoria da Constituição […][12].

 

 No mesmo sentido, escreve o prof. Lenio L. Streck, “a Constituição (e cada Constituição) depende de sua identidade nacional, das especificidades de cada Estado Nacional e de sua inserção no cenário internacional”[13] [grifo do autor]. Logo, a possibilidade de opção política em favor do modelo de “Estado logístico” torna necessária a construção do arcabouço jurídico para seu funcionamento. Percebe-se a necessidade de atualizar a teoria constitucional brasileira, principalmente em suas relações com o Direito internacional, já que a nova fase iniciará a internacionalização do País. Cabe aos juristas cooperar na elaboração da nova estratégia nacional de desenvolvimento.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Novo desenvolvimentismo e ortodoxia convencional. Bresser-Pereira Website. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/papers/2006/06.3.NovoDesenvolv-Mai26.2007.Eli.p.pdf. Acesso em: 23 dez 2007.

CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: formação de conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2007.

MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Professor de Direito Processual Penal e Coordenador eleito do Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR. In: MIRANDA COUTINHO org. Canotinho e a constituição dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

 

 * Nascido em Buenos Aires – República Argentina. Bacharel em Direito com Habilitação em Direito Internacional pela Universidade Regional de Blumenau – Santa Catarina. Advogado em Brasília, atuante nas relações Argentina – Brasil. Membro da Comissão de Relações Internacionais da OAB/DF. Representante, no Brasil, da Fundação PAMERCO INTERCÂMBIO CULTURAL (Para que o Mercosul não fique só no comercial). E-mail: pablo.s@brturbo.com.br

 

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[1] BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Novo desenvolvimentismo e ortodoxia convencional. Bresser-Pereira Website. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/papers/2006/06.3.NovoDesenvolv-Mai26.2007.Eli.p.pdf. Acesso em: 23 dez. 2007. 

[2] Destacam-se Luiz Alberto Moniz Bandeira, José Flávio Sombra Saraiva, Argemiro Procópio Filho, Antônio Carlos Moraes Lessa, Antônio Augusto Cançado Trindade e Amado Luiz Cervo. De outras universidades, Paulo Gilberto Fagundes Vizentini e Paulo Nogueira Batista Jr. contribuíram. 

[3] Os embaixadores Rubens Ricupero, Celso Amorim, Luiz Augusto Souto Maior e Samuel Pinheiro Guimarães sobressaíram. 

[4] BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Novo desenvolvimentismo e ortodoxia convencional. Bresser-Pereira Website. 

[5] CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: formação de conceitos brasileiros. p. 84-85.

[6] CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: formação de conceitos brasileiros. p. 87.

[7] CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: formação de conceitos brasileiros. p. 89.

[8] CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: formação de conceitos brasileiros. p. 87.

[9] CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: formação de conceitos brasileiros. p. 86/87.

[10] BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Novo desenvolvimentismo e ortodoxia convencional. Bresser-Pereira Website. 

[11] BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Novo desenvolvimentismo e ortodoxia convencional. Bresser-Pereira Website. 

[12] BERCOVICI, Gilberto. Gilberto Bercovici, Doutor em Direito do Estado e Professor Doutor da Faculdade de Direito da USP. In: MIRANDA COUTINHO org. Canotinho e a constituição dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 78-79.

[13] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 133.

Como citar e referenciar este artigo:
, Bernardo Pablo Sukiennik. Estado Logístico: contribuição das relações internacionais ao direito. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/estado-logistico-contribuicao-das-relacoes-internacionais-ao-direito/ Acesso em: 06 out. 2024