A Constituição e as relações internacionais
Ives Gandra da Silva Martins*
Os constituintes de 88, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, inseriram dispositivo nunca implantado, por força de seu evidente conflito com o direito internacional:
“Art. 26. No prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de Comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro”.
Nitidamente, sobre ser inexequível, tal procedimento, se adotado, representaria uma declaração de moratória, com todas as conseqüências que o Brasil já sofreu, durante a gestão de Dílson Funaro à frente do Ministério da Fazenda, e que a Argentina sofre até hoje. O calote internacional traz conseqüências que transcendem as meras relações jurídicas, sobre gerar desconfiança para futuros investimentos, em face do perfil de mau pagador que o país devedor passa para a comunidade internacional.
O Equador – cujo atual presidente parece ter a mesma vocação de aspirante a ditador, que Evo Morales e Hugo Chavez já demostraram – fez aprovar uma Constituição com dispositivo semelhante, autorizando a adotar tratamento unilateral a seus débitos internacionais, ao ponto de ter ameaçado não pagar dívida com o BNDES. Diante do incidente, parece-me que o governo Lula tem sido demasiadamente tolerante com a trinca de tiranetes que governa tais países, todos os três insistindo em pisotear as relações diplomáticas que devem prevalecer entre as nações. Evo Morales invadiu instalações da Petrobrás e obrigou o Presidente Lula a capitular nas negociações sobre o fornecimento de gás. Hugo Chavez, na sua obsessão psicótica de derrubar os Estados Unidos (é um rato que ruge menos simpático que Peters Sellers), agrediu o Senado Federal do Brasil, reduzindo os senadores a capachos de Bush. E agora, a terceira pessoa desta fanfarrona trindade chegou a ameaçar o BNDES – sempre com a tolerância do governo Lula, que não percebe que tais chefes latino-americanos não querem o fortalecimento da América do Sul, mas apenas implantar projetos pessoais, à custa do Brasil.
Pensam que, para serem os verdadeiros líderes da América Latina, têm que transformar o presidente Lula em alvo preferencial de suas diabruras.
No plano internacional, todavia, tais atitudes, deverão trazer mais problemas que soluções.
Não sem razão está a Venezuela às voltas com o desabastecimento e inflação alta, apesar de sua monoeconomia petrolífera.
Felizmente, teve o Brasil o bom senso de jamais implantar o inexeqüível dispositivo do ADCT.
É um ponto positivo a ser ressaltado, por ocasião da comemoração dos 20 anos de nossa Constituição.
* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br
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