“Se um homem começar com certezas, vai acabar com dúvidas;
mas se ele se contentar em começar com dúvidas,
vai acabar com certezas.”(Sir Francis Bacon)
A priori, a leitura do artigo 21 da Lei nº. 8.630/1993[1] apresenta um paradoxo acerca da possibilidade de cessão de mão-de-obra avulsa em caráter permanente do Órgão Gestor de Mão-de-Obra (OGMO) ao Operador Portuário. Esta confusão é resultado da insipiente técnica legislativa empregada. Afinal, o doutrinamento é cristalino em seu posicionamento de que, o trabalhador avulso é o que presta serviços a inúmeras empresas, agrupado em entidade de classe, por intermédio desta e sem vínculo empregatício, [CARRION, 2006, p. 36][2].
Maximiza-se este panorama de disparate com a leitura dos vocabulários jurídicos na busca de explicação sobre o verbete ‘avulso’. Segundo SANTOS NETO e VENTILARI[3], na terminologia jurídica, avulso nos remete ao conceito de trabalho intermediado, e de natureza “não-permanente” e “esporádico”, [2004, p. 49].
Conforme o Ministério do Trabalho e da Previdência Social, “entende-se como trabalhador avulso, no âmbito do sistema geral de previdência social, todo trabalhador sem vínculo empregatício que, sindicalizado ou não, tenha a concessão de direitos de natureza trabalhista executada por intermédio da respectiva entidade de classe”, termos da Portaria nº. 3.107, datada de 07 de abril de 1971.
A conexão destas ideias, per si, demonstra o paradoxo de antemão suscitado, que vem a ser concretizado devido o portuário avulso não possuir vínculo laboral, não é empregado. Mas nem por isso deixa de celebrar contrato de trabalho (não contrato de emprego em alusão ao artigo consolidado 442, caput, mas contrato de trabalho), intermediado pelo OGMO. “Este vínculo contratual não possui sentido de permanência, ao contrário, prende-se a um determinado evento, à prestação de serviços específicos pelos trabalhadores avulsos”. [SANTOS NETO; VENTILARI, 2004, p. 54].
Nestes termos, é inaceitável pelos estudiosos do ramo a cessão da mão-de-obra portuária avulsa em caráter permanente ao Operador Portuário. Contudo posicionou-se o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, no Recurso de Revista nº. 182.814/95.1, relatado por V. Exa., o Min. Ângelo Mário de Carvalho e Silva: “O fato de os trabalhadores avulsos arregimentados pelo Sindicato prestarem o serviços não eventuais a uma mesma tomadora de serviços não caracteriza vínculo de emprego. Ademais, inexiste obrigação legal de o serviço prestado ser de curta duração”.
Com esta manifestação do Colendo Tribunal, iniciou-se a geração de um mal-estar, haja vista autorizar o desvirtuamento do instituto do trabalho avulso e, avizinhar-se da locação de força operária, que, é legalmente repelida, com fulcro do art. 45 da Lei dos Portos.
Ocorrendo a cessão, é pulsante a descaracterização de avulso para a qualidade de empregado ‘normal’, com o preenchimento de todos os requisitos do art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, devendo até ter o registro junto ao OGMO subtraído. “Se houver cessão do trabalhador portuário avulso pelo órgão gestor da mão-de-obra ao operador portuário, o cedido passa a ser empregado do cessionário, sendo impossível a relação contratual de trabalho subordinado entre o gestor da mão-de-obra e o trabalhador portuário (art.21)” [TRINDADE, 1998, p. 137] [4].
Entretanto, caso a cessão seja alimentada pela má-fé, é de pleno aplicável penalidades previstas, bem como o reconhecimento da obrigação perante o operário de vínculo por parte do Órgão Gestor de Mão-de-Obra ou do Operador Portuário. “No entanto, os fatos apontam que poderá haver entre trabalhador portuário avulso e órgão gestor de mão-de-obra vínculo empregatício, hipótese, à primeira vista, pouco provável, mas perfeitamente possível, desde que o OGMO se desvirtue de sua atuação legal e haja subsunção ao artigo 3º da CLT. O mesmo poderá ocorrer, também, com o operador portuário fora da hipótese legal de contratação de TPA[5] a prazo indeterminado”. [CARVALHO, 2007] [6].
Caso inexistam provas fundamentadas, é acertada a competência do uso do princípio da primazia verdade real, ou seja, havendo dissonância entre o que brota dos documentos e o que ocorre da prática, deve-se dar preferência a este.
* Márcio Ricardo Staffen, acadêmico 10º período de Direito da Universidade do Vale do Itajaí/UNIVALI.
[1] “Art. 21. O órgão de gestão de mão-de-obra pode ceder trabalhador portuário avulso em caráter permanente, ao operador portuário”.
[2] CARRION, Valentim. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 31. ed. atual. por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2006.
[3] SANTOS NETO, Arnaldo Bastos; VENTILARI, Paulo Sérgio Xavier. O trabalho portuário e a modernização dos portos. Curitiba: Juruá, 2004.
[4] TRINDADE, Washington Luiz da. O novo direito portuário. Revista Trabalho & Doutrina. São Paulo: nº. 18, p.
[6] CARVALHO. Francisco Edvar. Trabalho no porto: considerações sobre a relação portuário e gestor. Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.estadao.com.br, acesso em 08 ago. 2007.