O Advogado e a Litigância de Má-Fé na Justiça do Trabalho
Régis Cardoso Ares *
RESUMO
Este artigo científico tem como objetivo analisar o aspecto processual da responsabilidade do advogado diante da ocorrência da litigância de má-fé nos processos trabalhistas, bem como a aplicação das penalidades decorrentes.
PALAVRAS-CHAVE
Advogado – Litigância de Má-Fé – Processo Trabalhista
INTRODUÇÃO
Assunto polêmico, a condenação de advogados de forma solidária aos seus clientes vem se tornando cada vez mais freqüente em ações com trâmite perante a Justiça do Trabalho.
Não se deseja debater a ausência de responsabilidade do advogado em relação aos atos por ele praticados no decorrer do processo, visto que tal ponto se mostra sem controvérsias.
Aliás, qualquer tese que sustente a total ausência de responsabilidade do advogado perante os seus atos apenas privilegiaria os maus profissionais. E não é esse o objetivo deste trabalho.
Desejamos analisar os aspectos da litigância de má-fé e a sua aplicação contra o advogado da parte, bem como a possibilidade de responsabilizá-lo solidariamente com seu cliente dentro dos próprios autos do processo judicial.
AS PARTES E OS SUJEITOS DO PROCESSO
Necessário se faz, inicialmente, distinguir as figuras das partes de um processo em face aos sujeitos que dele participam.
CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE expõe que “os sujeitos do processo são todos aqueles que participam da relação processual” (2007, p. 367).
De uma maneira geral, via de regra, todos àqueles que fazem parte da relação processual são sujeitos do processo, tais como o juiz, os peritos, demais auxiliares da justiça, bem como as partes e seus advogados.
ANTONIO JOSÉ DE SOUSA LEVENHAGEN, leciona:
“Entendem-se por partes não só o autor e réu, mas também os litisconsortes – ativos e passivos – que se incluírem no processo, assim como os opoentes e até mesmo os assistentes, que, embora não sendo partes, são intervenientes” (1995, p. 43).
MOACYR AMARAL DOS SANTOS ensina que:
“Partes, no sentido processual, são as pessoas que pedem ou em relação às quais se pede a tutela jurisdicional. Podem ser, e geralmente o são, sujeitos da relação jurídica substancial deduzida, mas esta circunstância não as caracteriza, porquanto nem sempre são sujeitos dessa relação. São, de um lado, as pessoas que pedem a tutela jurisdicional, isto é, formulam uma pretensão e pedem a órgão jurisdicional a atuação da lei à espécie. Temos aí a figura do autor. É este que pede, por si ou por seu representante legal, a tutela jurisdicional. Pede-se a ele próprio, se capaz para agir em juízo; … De outro lado, são partes as pessoas contra as quais, ou em relação às quais, se pede a tutela jurisdicional; sentença condenatória, providência executiva, ou providências cautelares…” (1995, p. 342 e 343).
Sobre o mesmo tema, disserta GISELE LEITE, de forma esclarecedora:
“Há de se atentar para o conceito de parte que em sentido processual é aquele que pede (autor), em face de quem se pede (réu) a tutela jurisdicional. O juiz e as partes são sujeitos do processo pois integram efetivamente a relação jurídica processual.
O MP[1] quando atua como fiscal da lei é interveniente. O substituto processual (art. 6º do CPC) é parte. Os terceiros que intervém no feito já instaurado, deixam de ser terceiros e passam também a ser parte (o oponente, denunciante da lide, o chamado ao processo, o nomeado à autoria quando aceita a nomeação).
O terceiro prejudicado não é parte (art. 499 CPC primeiro parágrafo, o assistente litisconsorcial), já o assistente simples é mero terceiro interveniente (art. 50 do CPC)” (2003, p. 02 e 03).
É possível concluir, portanto, que o advogado, apesar de sujeito processual, não é parte do processo, embora represente a parte (artigo 36 do Código de Processo Civil) e, naturalmente, tenha interesse no êxito da demanda pelo seu cliente.
OS DEVERES DAS PARTES E OS SEUS PROCURADORES
O artigo 14 do Código de Processo Civil, com aplicação subsidiária ao processo trabalhista[2], determina os deveres das partes e de todos os que, de alguma forma, fazem parte do processo:
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – proceder com lealdade e boa-fé;
III – não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;
IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.
V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final
O artigo 14, aliás, teve o seu caput alterado pela Lei nº 10.358 de 27 de dezembro de 2001, haja vista que a redação anterior restringia tais deveres apenas às partes e aos seus procuradores.
A nova redação, portanto, deixa claro que a todos os sujeitos do processo e não somente às partes, estende-se a obrigação decorrente da norma processual em estudo; como, aliás, se torna ainda mais evidente pela análise de seu parágrafo
Importante, porém, analisar o texto do parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil:
Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.
A norma em epígrafe, nos direciona a obrigação de “cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final”, caso em que o magistrado deverá observar a ressalva em relação aos advogados, pois estes se sujeitam, com exclusividade, aos estatutos da Ordem dos Advogados do Brasil.
Neste sentido, aliás, melhor esclarecendo o tema, já se pronunciou o Egrégio Supremo Tribunal Federal:
“Impugnação ao § ún. do art. 14 do CPC, na parte em que ressalva ‘os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB’ da imposição de multa por obstrução à Justiça. Discriminação em relação aos advogados vinculados à entes estatais, que estão submetidos a regime estatutário próprio da entidade. Violação ao princípio da isonomia e ao da inviolabilidade no exercício da profissão. Interpretação adequada, para afastar o injustificado discrímen. ADI julgada procedente para, sem redução do texto, dar interpretação ao § ún. do art. 14 do CPC conforme a CF e declarar que a ressalva contida na parte inicial desse artigo alcança todos os advogados, com esse título atuando em juízo, independentemente de estarem sujeitos também a outros regimes jurídicos” (STF – pleno: RF 372/247 e Boletim AASP 2.391/3.257).
Ou seja, deve o advogado se submeter aos estatutos da O.A.B., que é a entidade responsável pela fiscalização do exercício profissional do advogado. E, aliás, assim, realmente, deve ser; de forma a preservar a necessária independência da advocacia.
CONCEITO DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Para a melhor compreensão deste trabalho, faz-se necessária a melhor compreensão do que é a “litigância de má-fé”.
O legislador, ao abordar o tema “litigância de má-fé”, no artigo 17 do Código de Processo Civil, não pretendeu oferecer um conceito mais preciso sobre o instituto, não obstante, é possível entender perfeitamente as hipóteses em que se dá a sua ocorrência:
Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
Vl – provocar incidentes manifestamente infundados.
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
A “litigância de má-fé” pode ser conceituada como “a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, como dolo ou culpa , causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando o feito. As condutas aqui previstas , definidas positivamente, são exemplos do descumprimento do dever de probidade estampado no art. 14 do CPC” (NERY JUNIOR e NERY, 2004, p. 248, apud BARROS, 2001, p. 2).
MASCHIETTO, quanto a definição de “litigância de má-fé” (o ato) ou do “litigante de má-fé” (a pessoa), ensina que “pode dar-se de suas maneiras distintas, mas não necessariamente autônomas”, e completa: “Estamos falando da definição legal e da definição doutrinária ou, no pensamento kelsiano, de norma e da proposição jurídica.” (2007, p. 38).
Assim, segundo MASCHIETTO “da formulação de caráter prescritivo e de caráter descritivo podemos obter duas variáveis para definição de litigância de má-fé” (2007, p. 39), ou seja, a “definição legal” e a “definição doutrinária”.
O artigo 17 do Código de Processo Civil, supra transcrito, retrata de forma objetiva a litigância de má-fé no campo formal ou legal, dispondo taxativamente as suas hipóteses (MASCHIETTO, 2007, p. 39 e 40).
Com referência à taxatividade, NELSON NERY JUNIOR expõe que “é relativa as hipóteses caracterizadoras da litigância de má-fé, mas não à incidência restrita do instituto, porque o preceito da norma comentada pode ser aplicado nos processos regulados por leis extravagantes, como, por exemplo, na ação popular (CF, art. 5º, LXXIII), na Ação Civil Pública (Lei da Ação Civil Pública, art. 18), na ação coletiva (Código de Defesa do Consumidor, arts. 81, parágrafo único, 87 e 93 ss.), no Mandado de Segurança etc.” (NERY JUNIOR, 2003, apud MASCHIETTO, 2007, p. 40).
Quanto a definição doutrinária, a definição de ADROALDO LEÃO de litigante de má-fé é “àquele que, por espírito de vexação, traz alguém a juízo; este é que responde por perdas e danos” (LEÃO, 1982, apud MASCHIETTO, 2007, p. 41).
Para Giuseppe Chiovenda “litigante de má-fé é cônscio de não ter razão, o litigante temerário, e deve ser responsável pelos danos da lide” (CHIOVENDA, 1982, apud MASCHIETTO, 2007, p. 41).
NELSON NERY JUNIOR conceitua o litigante de má-fé “como a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator[3] que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo, procrastinando o feito. As condutas aqui previstas, definidas positivamente, são exemplos do descumprimento do dever de probidade estampado no art. 14 do CPC” (NERY JUNIOR, 2003, apud MASCHIETTO, 2007, p. 41).
Comenta RUI STOCO comenta que “A doutrina não discrepa muito desse entendimento, embora, para alguns, como os autores acima citados[4], a imputação da lei é subjetiva, dependendo da verificação da culpa, enquanto para outros essa imputação é objetiva, dispensando essa verificação, ou seja, basta que o comportamento do agente se subsuma ao arquétipo legal, sem qualquer outra indagação” (2002, p. 89).
Mais a frente, trataremos melhor este assunto, não obstante, adiantamos que nossa posição neste trabalho defende que a imputação da litigância de má-fé, nos termos do artigo 17 e seus incisos do Código de Processo Civil, deve ser subjetiva, dependendo da constatação da culpa, observando o princípio do contraditório e da ampla defesa.
CONSTATANDO A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Conforme o Superior Tribunal de Justiça:
“Para a consideração da litigância de má-fé, faz-se necessário o preenchimento de três requisitos, quais sejam: que a conduta da parte se subsuma a uma das hipóteses taxativamente elencadas no art. 17 do CPC; que à parte tenha sido oferecida oportunidade de defesa (CF. art. 5º, LV); e que sua conduta resulte prejuízo processual à parte adversa” (RSTJ 135/187, 146/136).
“Entende o STJ que o art. 17 do CPC, ao definir os contornos dos atos que justificam a aplicação de pena pecuniária por litigância de má-fé, pressupõe o dolo da parte no entravamento do trâmite processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerária, inobservando o dever de proceder com lealdade” (STJ – 3ª T., REsp 418.342-PB, rel. Min. Castro Filho, j. 11.6.02, deram provimento, v.u., DJU 5.8.02, p. 337).
Nesse mesmo sentido, Roberto Rosas ressalta que “Para definir o exercício anormal do direito, alguns doutrinadores como DEMOGUE, RUGGIERO e Henri LALOUS atendem à intenção do agente, o prejuízo deliberado a terceiros” (ROSAS, 1983, P. 28, apud STOCO, 2002, p. 89).
Jean Carbonnier assinala “que o critério para verificação do abuso de direito pode ser tirado do fim perseguido. Há abuso se o titular do direito exerceu-o com o fim de causar dano a outros, sem interesse outro” (CARNBONNIER, 1969, p. 337, apud STOCO, 202, p. 89).
Rui Stoco, por sua vez, ensina que “poder-se-ia resumir que os critérios para a verificação da má-fé são aqueles contidos na própria lei de regência, mas impõem e obrigam que se faça juízo de valor ara verificar se o agente, ademais da conduta antijurídica, ingressou no campo da culpabilidade” (STOCO, 2002, p. 90).
IDENTIFICANDO OS LITIGANTES DE MÁ-FÉ
Já identificamos a litigância de má-fé e abordamos como pode ser constatada no processo, restando identificar quem poderá ser responsabilizado e sofrer as sanções decorrentes da má-fé processual.
O Artigo 16 do Código de Processo Civil determina que:
Art. 16 – Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente.
A norma estabelece, com clareza, que o autor, o réu ou interveniente responderá pelas perdas e danos, decorrente da má-fé processual.
Não obstante, a doutrina e a jurisprudência vem debatendo se o rol disposto no artigo 16 do Código de Processo Civil restringe a responsabilidade decorrente da má-fé tão somente as partes da lide ou se ela se estende a todos os sujeitos do processo, como é o caso do advogado.
RUI STOCO (2002, p.91) menciona que:
“Tanto aquele que se posta no pólo ativo, não importando o nomen iuris que se lhe dê (autor, requerente, exeqüente, impetrante, recorrente, apelante, agravante, embargante, paciente e outros), como aquele que se coloca no pólo passivo (réu, requerido, executado, impetrado), como, de resto, àqueles que se aderem às partes ou as substituem, como os litisconsortes, assistentes, opoentes, denunciados ou nomeados à lide, são considerados para os efeitos do art. 16 do CPC”.
NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY (1999, p. 422, apud STOCO, 2002, p. 92), ressaltam que:
“A responsabilidade por dano processual é do litigante (autor ou réu ou interveniente assistente). São autores ou réus, porque sujeitos da relação jurídica processual secundária, o opoente, o litisdenunciado, o nomeado à autoria que aceita a nomeação (transmuta-se em réu) e o chamado ao processo. O MP não responde por dano processual, nos termos da norma ora comentada; responderá civilmente apenas quando agir com com dolo ou raude no exercício de suas funções processuais (CPC, art. 85). O juiz também não responde por dano processual, mas somente quando agir com dolo ou fraude (CPC, art. 133, I) ou quando retardar ou deixar de praticar ato de ofício ou a requerimento da parte, depois de certificado pelo diretor de secretaria (CPC, art. 133, II e parágrafo único)”.
Nessa esteira, RUI STOCO (2002, p. 92) ressalta que:
“O procurador das partes em juízo (defensor ou advogado) não responde pessoalmente por má-fé processual.
Portanto, nem o juiz nem o advogado podem ser sancionados pela norma que coíbe a litigância de má-fé, pois esta dirige-se à parte, de modo que, em última análise, esta parte responderá pelos atos de improbidade de seu representante judicial.
O advogado sofrerá as sanções de caráter disciplinar, estabelecidas no Código de Ética, podendo sofrer as sanções previstas no Estatuto da Advocacia, que disciplina o seu exercício (Lei 8.906, de 04.07.1994), embora a parte que for sancionada possa exercer, posteriormente, o direito de regresso em face do seu representante legal[5].
Nesse sentido, aliás, invoca-se a doutrina mais expressiva, colhida em juristas pátrios de nomeada (BAPTISTA DA SILVA, 2000, P. 109, E ARRUDA ALVIM, 1975, P. 151)”.
No mesmo diapasão, o ilustre Desembargador aposentado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, atualmente advogado e professor dos cursos de mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Dr. JOÃO BATISTA LOPES (1997), ensina que:
“A sanção por litigância de má-fé não pode ser aplicada aos advogados cuja a responsabilidade tem disciplina própria no art. 32 da Lei 8906/94 (Estatuto do Advogado) que dispõe: ‘o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar cm dolo ou culpa. Parágrafo único: Em caso de lide temerária o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que colgado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria’”.
Na mesma posição, temos o seguinte julgado:
EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO. OAB E MPF. A expedição de ofícios a OAB e MPF, determinada no decisium, somente deve ocorrer após o trânsito em julgado da presente decisão. Recurso Ordinário da reclamada parcialmente provido. Condenação solidária. Indenização por litigância de má-fé. Comprovada, consoante perícia técnica, a falsidade dos documentos alegados pela empresa reclamada, que negam a autoria das assinaturas ali existentes pelo obreiro, mantém-se a decisão quanto a indenização por litigância de má-fé da empresa ré. No tocante à atribuição da conduta de má-fé ao advogado da parte, a sanção por litigância de má-fé não pode ser aplicada por esta Justiça Especializada ao advogado que assistiu à parte, a menos que o mesmo estivesse agindo em causa própria, o que não é a hipótese dos autos. Recurso Ordinário do patrono da reclamada parcialmente provido (TRT 06ª Região, 03ª Turma, decisão unânime, Processo nº TRT – 1251-2003-007-06-00-4, Rel. Juiz Gilvan de Sá Barreto, julgado em 15 de julho de 2005, publicado no D.O.E, de 03 de setembro de 2005).
Não obstante, tal entendimento não é pacífico em nossa doutrina e jurisprudência, existindo posições que incluem os advogados como litigantes de má-fé, da mesma forma que o autor, o réu ou os intervenientes.
LEONEL MASCHIETTO (2002, p 123), aliás, expõe:
“É que, ao nosso ver, o advogado é parte sim quando se fala em aplicação das penalidades pela litigância de má-fé, não cabendo aqui aquela responsabilidade objetiva da parte que contratou o advogado.
Para tanto trazemos primeiramente as lições de Mozart Victor Russomano que afirma que são partes no processo trabalhista, isto é, podem participar nos conflitos de trabalho, as seguintes pessoas: a) empregados e empregadores; b) sindicatos; c) advogados, solicitadores e provisionados.
O termo “parte” deve ser entendido em seu sentido lato, significando todo aquele que participa do processo, incluindo-se o assistente, o opoente, o litisdenunciado, o chamado ao processo”.
CANDIDO RANGEL DINAMARCO (2003), citado por MASCHIETTO (2002, p. 123), menciona que “são litigantes as partes de qualquer espécie (autor, réu, exeqüente, executado, assistentes e intervenientes de toda ordem, Fazenda Ministério Público) e, por extensão, os advogados que lhes patrocinam os interesses. Os deveres éticos do processo, descritos no Código de Prcesso Civil, têm por destinatário todos os sujeitos que dele participam”.
A CONDENAÇÃO DO ADVOGADO COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ
O artigo 18 do Código de Processo Civil estabelece a punição ao litigante de má-fé
Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.
§ 1o Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.
§ 2o O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.
Como já vimos, há quem compreenda pela possibilidade do advogado ser responsabilizado pela litigância de má-fé.
No entanto, sob esse prisma, necessário se faz analisar como essa responsabilidade poderá alcançar o advogado em caso de ser constatada qualquer uma das condutas tipificadas nos incisos I até VII do artigo 17 do Código de Processo Civil.
Há quem entenda pela condenação solidária da parte e seu advogado; existem posições mais extremas em que o advogado deva ser condenado sozinho no processo isentando a parte que o mesmo defende e, em posição oposta, há que compreenda que, muito embora se reconheça que o advogado incorreu em conduta elencada nos incisos do artigo 17 do C.P.C., não é possível condenar (sozinho ou solidariamente) o advogado dentro dos próprios autos do processo, mas somente em ação própria, em observância ao artigo 32 e seu parágrafo único da Lei Federal nº 8.906 de 04 de julho de 1994:
Art. 32. O advogado é responsável pelos atos, que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria
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No primeiro e segundo casos, o posicionamento de que o advogado deverá ser condenado por litigância de má-fé solidariamente com seu representado ou mesmo individualmente, dentro dos próprios autos do processo trabalhista, encontra uma boa quantidade de defensores.
Na hipótese primeira, temos a situação de responsabilidade solidária, com base na situação de concorrência do advogado e seu cliente para lesar a parte contrária, contemplada pelo parágrafo único do artigo 32 da Lei Federal nº 8.906/94.
Esclarece o Professor Leonel Maschietto (2007, p. 139) que “(…) em alguns casos específicos as partes e seus advogados podem ‘conjuntamente e de forma pactuada’ agirem de má-fé, como por exemplo naquela situação em que o próprio advogado e a parte sabem da efetiva impossibilidade de reforma de uma determinada matéria pelo Tribunal Regional do Trabalho (caso de uma revelia, p. ex.) e, mesmo assim, maliciosamente combinam a interposição do recurso ordinário com o fim específico de protelar o feito”.
LEONEL MASCHIETTO (2007, p. 140), mencionando o entendimento de DÁRCIO GUIMARÃES DE ANDRADE (1999) ressalta, em relação ao artigo 32 e seu parágrafo único da Lei nº 8.906/94, que “tal disposição é perfeitamente aplicável ao Processo do Trabalho, quando se verifica o comportamento reprovável por parte dos causídicos. Assim sendo, havendo a condenação por lide temerária, poderá a parte beneficiada cobrar do advogado ou do seu cliente o valor respectivo, ou mesmo de ambas”.
Nessa esteira, segue a compreensão de que se constatada a ocorrência da má-fé processual, nos termos elencados pelo artigo 17 do Código de Processo Civil, por quaisquer das partes e seu respectivo advogado, o próprio Juiz do Trabalho poderá apreciar e decidir como incidente dentro dos próprios autos, observando os princípios da celeridade e da economia processual, podendo a própria Justiça do Trabalho promover a sua execução nos termos do artigo 144 da Constituição Federal[6], através de requerimento da parte prejudicada.
A respeito, citamos algumas decisões dos nossos Tribunais:
“LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CARACTERIZAÇÃO. RESPONDABILIDADE SOLIDÁRIA DO ADVOGADO. Interposto agravo de instrumento para elidir intempestivamente de recurso ordinário protocolizado após decorridos 23 dias da intimação da sentença, caracterizada está a litigância de má-fé. O advogado da agravante deverá responder solidariamente. O art. 32 da Lei 8.906/94, qe exige apuração em ação própria, só de aplica na hipótese do inciso V, do art.17 do CPC. Descabe interpretação ampliativa para acobertar conduta ilícita” (TRT 2ª Região, Ac. Nº 20040477848, 9ª T., julg. 2.9.2004, publ. 24.9.2004, proc. nº 20040099800, Rel. Juiz Antonio Ricardo).
“AÇÃO RESCISÓRIA. ADVOGADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA COM SEU CONSTITUINTE. É maciça a jurisprudência no sentido de que a aplicação do art. 32, do Estatuto da OAB no Processo Trabalhista, em razão de seus princípios e características peculiares, permite a atribuição imediata ao advogado de responsabilidade solidária com seu constituinte, pelo ônus da sucumbência, desde que os autos contenham elementos suficientes para se considerar a lide temerária” (TRT 3ª Região, AR 0561/96, publ. 29.8.1997, Rel, Juiz Nereu Nunes Pereira).
Outrossim, há quem defenda posição ainda mais extrema, de que a responsabilidade pela má-fé processual pode ser dirigida ao advogado da parte, sem, contudo, atingir esta última.
Na construção desse entendimento, Arruda Alvim (1996), citado em excelente artigo do Juiz Federal Francisco Barros (2001, p. 11), ressalta que, em relação à lide, cabe maior responsabilidade ao advogado do que a parte que ele representa:
“Certamente, tal dever de advogar conforme o direito é muito mais pertinente ao advogado do que aos litigantes. É ele uma expressão de que não se pode, conscientemente, intencionalmente, pedir providências jurisdicionais contra a lei, isto é, naqueles casos em que não é possível, absolutamente, qualquer discussão. Aliás, a hipótese já é contemplada pela nossa Lei nº 8.906, de 04/07/94 (art. 34, inc. VII), que capitula tal procedimento do advogado como infração disciplinar”.
E acrescenta quanto ao anteprojeto do Código de Processo Civil, em seu artigo 24 que “era expresso em admitir que o juiz responsabilizasse também o procurador, preceito este que não subsistiu na redação final da lei” (ALVIM, 1996, apud BARROS, 2001, p. 11).
E expõe, no mais, que “a responsabilidade do advogado, embora não tenha constado expressamente nessa parte do Código de Processo Civil, não deixou de figurar no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto dos Advogados, que contemplam a responsabilidade desse profissional” (ALVIM, 1996, apud BARROS, 2001, p. 11).
Por fim, ensina o eminente processualista que:
“O Código de Defesa do Consumidor refere-se a que os advogados responde, tal como os demais profissionais liberais, por culpa – culpa sem adjetivação alguma – Código de Defesa do Consumidor, art. 14, § 4 (Esse texto refere-se aos profissionais liberais, abrangendo pois,a figura do advogado). Sustentavamos que, diante da promulgação daquele Código, teria sido revogado o art. 103, XV, da Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963, então vigente, que se referia a culpa grave, como causa para responsabilização do profissional. Do mesmo modo que o Código do Consumidor, isto é, sem fazer qualquer menção à culpa grave, dispõe o art. 32, caput da Lei 8.906/94, novo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, ao se referir à responsabilização do advogado pelos atos que, no exercício profissional, pratique com dolo ou culpa. Este, portanto, o sistema atual no que pertine ao tema” (ALVIM, 1996, apud BARROS, 2001, p. 11).
Francisco Barros (2001, p. 12), por sua vez, também defende que “a responsabilidade do advogado pode e deve ser apurada nos mesmos autos, sem necessidade de ajuizamento de uma outra ação para esse fim, providencia excessivamente onerosa”. E justifica essa posição “pelo fato de ser mais fácil apurar-se essa responsabilidade nos próprios autos, com economia de tempo e dinheiro, tendo muitas das vezes ficado devidamente comprovada a circunstância de que o advogado foi quem agiu com dolo ou culpa nos autos”.
O Professor Leonel Maschietto (2007, 142), de forma objetiva, ressalta que:
“Nas hipóteses em que o advogado agir sozinho e sem a concorrência do cliente ou terceiro, deverá ele mesmo suportar as penas impostas nos preceitos legais, afastando-se, nestes casos, qualquer suposição de aplicação da culpa objetiva da parte pela outorga do mandato”.
Em outra posição sustenta que o advogado até poderá praticar a litigância de má-fé, na forma do artigo 17 do Código de Processo Civil, não obstante, o magistrado estaria impedido de condená-lo, sob a argumentação de que o advogado, sendo indispensável à administração da justiça[7], não se submete hierarquicamente ao magistrado ou aos membros do Ministério Público (Lei nº 8.906/94, artigo 6º), e, dessa forma, o juiz não possui legitimidade para punir o advogado, cumprindo-lhe, simplesmente, dar a notícia do que consta nos autos à Ordem dos Advogados do Brasil, considerando que a referida Lei nº 8.906/94, em seu artigo 70, estabelece que compete exclusivamente ao Conselho Secional da O.A.B. o poder de punir disciplinarmente os advogados (MASCHIETTO, 2007, p. 131).
Sobre tal entendimento, podemos transcrever algumas decisões:
“MANDADO DE SEGURANÇA. RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO. De acordo com o disposto no artigo 32 da Lei Federal nº 8.906/1994, de 04 de julho de 1994 (dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB), o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa e, em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria. Segundo o artigo 70, do mesmo diploma legal, o poder de punir disciplnarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho Federal. Se assim não fosse, a igualdade hierárquica entre juiz e advogado, prevista em seu artigo 6º, ficaria comprometida” (TRT 2ª Região, Mandado de Segurança, Ac. SDI nº 04665/2007-0, proc. nº 11795.2005.000.02.00-3, julg. 26.11.2007, Rel. Juiz Marcelo Freire Gonçalves).
ADVOGADO. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Artigo 32 da Lei nº 8906/94. Se, por um lado, o advogado responde por atos que praticou, na caracterização da litigância de má-fé, por outro, não poderá ser condenado por esse procedimento nos próprios autos. A apuração da responsabilidade do advogado tem suas regras, não podendo o Juiz, a seu critério, amoldar a lei e daí aplicar-lhe corretivos econômicos, só permitidos mediante apuração inequívoca de sua participação nos atos caracterizadores da litigância de má-fé, com contraditório amplo e através de ação própria” (TRT 2ª Região, Mandado de Segurança, proc. nº 00589/1997-
CONCLUSÕES
Diante de todo o exposto, passamos a tecer nossas conclusões sobre o tema abordado.
Em princípio, quanto a possibilidade de reputar o advogado como litigância de má-fé, nos moldes do artigo 17 do C.P.C., compreendemos, com o devido respeito à posição contrária, pela sua absoluta impossibilidade, eis que, em primeira análise, o advogado não é parte do processo, mas sujeito deste.
Os deveres impostos pelo artigo 14 do Código de Processo Civil (com aplicação subsidiária ao processo trabalhista) alcançam o advogado, visto que o mesmo participa do processo e a norma é expressamente ampliativa neste sentido. Todavia, o mesmo não ocorre com o artigo 17, que restringe sua aplicação tão somente ao litigante, ou seja, àquele que contende no processo.
E o advogado não é litigante; não é ele quem vem a juízo contender contra a parte adversa, mas sim a parte que ele representa.
Portanto, sendo incabível considerar litigante de má-fé o advogado, é inaplicável, por conseqüência, as penalidades decorrentes, dispostas no artigo 18 do Código de Processo Civil.
A imputação da litigância de má-fé e decorrentes penalidades, se restringem, pois, apenas às partes, com exclusão dos demais sujeitos do processo. Pois, da mesma forma que não há o que se falar em litigância de má-fé pelo magistrado, pelo perito designado pelo juízo para atuar na ação judicial ou em relação ao serventuário responsável pelo curso do processo na secretaria da Vara Trabalhista, o mesmo ocorre em relação aos respectivos advogados das partes envolvidas na lide.
Advogado, necessário mais uma vez ressaltar, não é parte do processo sob seu patrocínio e, neste sentido, aliás, já decidiu a Colenda 01ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 06ª Região:
“Tratando-se de imposição de sanção por litigância de má-fé, a cumulação subjetiva restringe-se aos casos de litisconsórcio ativo e passivo, isto é, não se estende à figura do procurador judicial, uma vez que o advogado não é parte da relação processual, mas procurador judicial (artigo 36 do CPC). Recurso ordinário acolhido” (TRT 6ª Região, proc. TRT-RO-6.301/00, por unanimidade, julg. 30.4.2001, Rel. Juiz Nelson Soares Junior).
Leonel Maschietto (2007, p. 140 e 141), aliás, menciona a pertinente crítica direta de Edson de Arruda Câmara (2001) ao artigo publicado por Dárcio Guimarães Andrade (1999), supra mencionado:
“Costuma-se dizer que ‘ao médico, ao padre e ao advogado’ não se deve sonegar a verdade. Em realidade, não é isso o que acontece: via de regra não se escondem do médico os fatos de interesse ao tratamento para que esse se torne mais eficaz, ao advogado não se dizem todos os fatos com suas filigramas e entrelinhas, eis que se espera que o advogado só trabalhe sobre aquilo que beneficiar o cliente”.
E conclui:
“Querer imputar ao causídico fato que é de inteira responsabilidade da parte é algo que escandaliza a consciência jurídica e do que não se compadece o Direito, a partir mesmo da assertiva conhecida de que ‘o advogado é a boca que fala pela parte’”.
Deveras, a crítica tem sentido, em se tratando que, na maioria das vezes, o advogado deve atuar confiando no que lhe diz o seu cliente, não sendo raras as situações em que se vê surpreendido e levado a erro por omissões e inverdades da parte que representa.
Ainda, apenas com a intenção de argumentar, em sentido contrário ao entendimento mais extremo que busca isentar a parte de quaisquer responsabilidades em relação aos atos praticados por seu advogado, seja por desconhecimento da lei ou dos atos de seu procurador, tal tese cai por terra diante da simples análise do artigo 03º do Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942, o qual determina que “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, além de que, ao conceder mandato ao seu advogado para representá-lo, isso não desobriga a respectiva parte das conseqüências decorrentes de sua escolha pelo profissional em questão, bem como da ausência do exercício da vigilância sobre a execução do trabalho deste (compreensão do artigo 186 do Código Civil Brasileiro[8]).
Outrossim, mesmo que, apenas por hipótese, o artigo 17 do Código de Processo Civil se estendesse aos sujeitos do processo – o que não ocorre – ainda assim, por força do que determina o parágrafo único do artigo 32 da Lei nº 8.06/94, não se constata a possibilidade do magistrado condenar solidariamente o advogado em relação ao seu cliente dentro dos autos da ação trabalhista em que se apura qualquer das condutas relacionadas no artigo 17 do Código de Processo Civil.
Isto porque, por imposição da referida norma, quis o legislador preservar o princípio do contraditório e da ampla defesa, ao determinar a apuração da responsabilidade do advogado em ação própria.
Sobre o princípio da celeridade e economia processual, deve preponderar o do exercício do contraditório e da ampla defesa, o qual é assegurado pelo artigo 05º, inciso LV, da Constituição Federal, não podendo ser privilegiada a maior velocidade no curso do processo e a redução de despesas em detrimento da concessão de todas as possibilidades de ser contestada a imputação que é feita, garantido-se todos os meios admissíveis de defesa.
Além do mais, a responsabilização do advogado no mesmo processo em que representa uma das partes, não pode prevalecer nem sob o argumento de caracterizar-se patente e inequívoco nos autos do processo que o advogado estaria agindo com má-fé, na forma do artigo 17 do C.P.C., haja vista que, muitas vezes, há elementos desconhecidos, a primeira vista, para o magistrado que julga a lide e que poderão ser apresentados e melhor analisados em ação própria.
Quanto à alegação de que o § único do artigo 32 do Estatuto da O.A.B. estaria restrito à hipótese do inciso V do artigo 17 do C.P.C. trata-se de uma interpretação equivocada da norma. Isto porque, entre “proceder de forma temerária em qualquer incidente ou ato do processo” e “caso de lide temerária” vai uma diferença considerável. A segunda hipótese é mais abrangente, abarcando as hipóteses de litigância de má-fé, nos moldes do artigo 17 do Código de Processo Civil, inclusive o seu inciso V, mas não apenas.
Ademais, o artigo 06º da Lei nº 8.906/94 é claro ao determinar que “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”. Ou seja, o advogado não está sob as ordens do juiz e, no exercício de sua atividade profissional, não deverá ter receio de desagradar ao magistrado ou a qualquer autoridade (parágrafo 02º do artigo 31 da Lei nº 8.906/94).
Portanto, o juiz não tem qualquer ascendência sobre o advogado no exercício de sua função e nem tem autoridade para aplicar punição disciplinar a este, pois, por determinação expressa do artigo 70, “caput”, da Lei nº 8.906/94 “O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho Federal”.
Entretanto, não se deseja sustentar a irresponsabilidade do advogado em relação aos seus atos, no exercício de sua atividade profissional. Tão somente defendemos a aplicação das normas vigentes, a observância do princípio do contraditório e da ampla defesa, bem como da manutenção da independência de seu exercício profissional e em patamar de igualdade em relação ao magistrado e membros do Ministério Público.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, dispõe que “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. Trata-se, portanto, de responsabilidade civil subjetiva, em que deverá ser apurada a culpa ou o dolo do profissional liberal.
O advogado é profissional liberal por excelência, razão pela qual a sua responsabilidade civil não é presumida, carecendo da devida apuração de culpa ou dolo em relação aos atos cometidos no exercício de sua atividade profissional.
Assim, se prejudicada a parte por seu advogado em decorrência de ser reputada litigante de má-fé, deverá, em ação própria, buscar, de forma regressiva, a correspondente indenização perante seu advogado, bem como os demais danos materiais e/ou morais que, porventura, entender cabíveis.
Quanto a parte adversa, beneficiada pela condenação em litigância de má-fé, se possuir provas quanto a coligação do advogado contrário e seu representado para prejudicá-lo, poderá, também em ação própria, requerer a responsabilidade solidária de ambos (advogado e seu cliente), com base no artigo 32 e seu parágrafo único da Lei nº 8.906/94, combinado com o artigo 927 e seu parágrafo único do Código Civil Brasileiro[9].
Sobre o tema, o Professor Leonel Maschietto (2007, p. 150), reconhecendo que os advogados condenados às penas da litigância de má-fé acabam por não ter oportunidade de defesa, propõe que, “em caso de eventual detecção de litigância de má-fé do advogado no transcorrer do processo, que seja instaurado um ‘processo cautelar incidental de apuração de responsabilidade do advogado’”, que ocorreria em parelelo ao processo principal, nos termos do artigo 796 do Código de Processo Civil[10],garantindo, dessa maneira, o exercício do contraditório e da ampla defesa.
E sugere, ainda, a inserção de um inciso IX no artigo 888 do C.P.C.[11] com o seguinte comando: “IX – a apresentação de defesa por parte do advogado litigante de má-fé para que o juiz possa rever ou ratificar sua posição quanto à responsabilidade do advogado no ato malicioso”.
Trata-se ao nosso ver, de uma proposição inteligente do Professor Maschietto e coerente com o seu entendimento em favor da possibilidade de considerar o advogado como litigante de má-fé; opinião que, com o devido respeito, não compartilhamos.
Todavia, em termos de Direito Processual, a sugestão ofertada é admissível, podendo a instauração de um processo incidental ser a resposta mais justa e lógica para apurar o eventual enquadramento do advogado em alguma das condutas relacionadas no artigo 17 do Código de Processo Civil.
Não obstante, ao sugerir a inclusão do inciso IX, supra transcrito, no artigo 888 do C.P.C., a menção “advogado litigante de má-fé” não nos parece a mais correta, não apenas porque o advogado não é e jamais poderia ser “litigante”, visto que não é parte na ação, mas, também, porque a referida expressão já reputa o advogado como incurso nas hipóteses descritas no artigo 17 do Código de Processo Civil, enquanto que a intenção do inciso sugerido objetivaria a instauração de procedimento incidental, possibilitando ao advogado defender-se da imputação de responsabilidade pelo alegado ato malicioso.
E isso porque, depois de prolatada a sentença, o magistrado não poderá voltar atrás na condenação do advogado nas penas da litigância de má-fé, conforme estabelece o artigo 463, incisos I e II, do Código de Processo Civil. Portanto, o termo “posição” não deve ser entendido como “condenação por sentença”, mas por decisão interlocutória , não havendo o que se falar por “advogado litigante de má-fé”, mas sim “advogado acusado de conduta reputada como litigância de má-fé” ou “advogado suspeito de conduta reputada como litigância de má-fé”.
Outrossim, para a sua correta aplicação, deveria o artigo 17, “caput”, do C.P.C. ter substituída a frase “Reputa-se litigante de má-fé aquele que:” para “Age com má-fé as partes bem como todos àqueles que participem do processo que:”; inserindo um parágrafo 03º no artigo 18 do Código de Processo Civil: “§ 3º – Nas mesmas penas incidirá todos àqueles que participarem do processo”[12].
Encerramos o presente trabalho sem a pretensão de despejar uma pá de cal nesse polêmico assunto que nem de longe se encontra pacificado tanto pela doutrina quanto por nossos tribunais, mas acreditamos ter, de alguma forma, contribuído para melhor esclarecer alguns pontos sobre tão extenso e debatido tema.
Obviamente, poderão surgir divergências coerentes e críticas construtivas, as quais serão sempre bem acolhidas, vez que, tratando-se de Direito, ciência humana, o que se busca é o seu constante aperfeiçoamento.
BIBLIOGRAFIA
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* Advogado, sócio do escritório Ares e Takehisa Advogados, Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado “Lato Sensu” com Especializações em Direito Processual Civil e em Direito Processual do Trabalho pela Universidade Católica de Santos, Pós-Graduando “Lato Sensu” em especialização em Direito e Processo do Consumidor pela Universidade Católica de Santos, e professor em cursos preparatórios.
[1] Ministério Público.
[2] Artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo que for incompatível com as normas deste Título”.
[3] Litigante ímprobo.
[4] Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, in ”Código de Processo Civil Comentado”, 7ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 371.
[5] “É defeso ao advogado expor os fatos em Juizo falseando deliberadamente a verdade ou estribando-se na má-fé”, conforme artigo 6º do Código de Ética e Disciplina da O.A.B., publicado no D.J.U. de 01 de março de 1995.
[6] Artigo 114 – Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II – as ações que envolvam exercício do direito de greve; III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”; VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
[7] Artigo 133 da Constituição Federal.
[8] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[9] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[10] Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente.
[11] Art. 888. O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da ação principal ou antes de sua propositura: (…).
[12] Proposta, de certa forma, semelhante consta no Projeto de Lei nº 4.074/08 de autoria do Deputado Federal Juvenil (PRTB-MG): “Art. 2° O caput do art. 18 da Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé e seu advogado a pagar multa não excedente a 5% (um por cento) sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou’”.