O FIM DO DIREITO DO
TRABALHO?
Reflexões “diagnósticas” e “prognósticas”
sobre a flexibilização enquanto crise do direito do trabalho*
Lauro Joppert Swensson
Junior**
Resumo
O artigo trata da crise do direito do
trabalho. Mais especificamente, do problema de se saber até que ponto o
questionamento do direito trabalhista, a fragilidade e a descrença de seus
postulados e todas as transformações que ele vem sofrendo no Brasil a partir
principalmente dos anos 90 põem em xeque a própria sobrevivência do direito do
trabalho nacional, tal qual o entendemos hoje em dia. Será que a crise
paradigmática que abrange o direito do trabalho decretou-lhe o seu fim?
Trataremos afinal do problema validade do direito do trabalho frente à crise
paradigmática por que passamos nesse início de século XXI.
1. Introdução
O breve século XX (1914-1991), marcado pelas catástrofes da
guerra total e suas conseqüências, por um lado, e por um período de grande
prosperidade econômica e social vivenciado pela maior parte dos países do
globo, por outro – e por isso chamado por Hobsbawm de “a era dos extremos” –
despede-se, deixando como herança para os tempos futuros um mundo em grandes e
profundas transformações ou, numa visão mais dramática, um mundo em pleno
“desmoronamento”. [1]
Essas transformações representam, em síntese, o momento
histórico de incessante descoberta de novos fenômenos e o abandono de antigos
conhecimentos, culminando assim numa verdadeira crise paradigmática.[2] Todo o
conjunto de teorias, conceitos e “verdades” das mais variadas áreas do
conhecimento humano passa a ser colocado em xeque e repensado, uma vez que não
mais explica satisfatoriamente a nova realidade. Utilizando como exemplo o
campo de conhecimento das ciências sociais, esse repensar se dá tanto sobre as
formas de regulação social até então aceitas (o direito estatal, o fordismo, o
Estado-Providência, a família heterossexual excluída da produção, o sistema educativo
oficial, a democracia representativa, o sistema crime-repressão, a religião
institucional, o cânone literário, a dualidade entre cultura oficial baixa e a
cultura oficial alta, a identidade nacional, etc.) como sobre as formas de
emancipação social que lhes correspondem (o socialismo, o comunismo, os
partidos operários, os sindicatos, os ditos direitos civis, políticos e
sociais, a democracia participativa, a cultura popular, a filosofia crítica, os
modos de vida alternativos, a cultura de resistência e de protesto, etc.).[3] Daí
falar-se na substituição do paradigma da modernidade pelo da pós-modernidade,
ainda que não haja entre os pensadores um consenso sobre o que e como seja o
paradigma pós-moderno.[4]
Nesse contexto de crise paradigmática, podemos dizer que o
direito do trabalho brasileiro, principalmente a partir dos anos 90, também
está em crise. E há três maneiras de se perceber a crise do direito do
trabalho, tal qual há três maneiras fundamentais de se perceber e avaliar o
fenômeno jurídico.[5]
Em primeiro lugar, podemos perceber
essa crise segundo a dimensão axiológica (ou da idealidade,
legitimidade) do direito do
trabalho. Nesse caso, o direito do trabalho está em crise porque as normas
jurídicas trabalhistas não regulam da maneira mais justa e adequada as relações
de trabalho. Ou então porque não existe uma adequação do direito do trabalho em
vigor com os ideais democráticos e os anseios sociais. Cabe principalmente aos
filósofos do direito examinar o direito do trabalho segundo essa abordagem
axiológica ou “ideal”.
Em segundo lugar, a crise pode ser percebida e examinada
segundo a dimensão da facticidade do
direito do trabalho; em outras palavras, sob o prisma da eficácia social das normas jurídicas trabalhistas. O direito do
trabalho está, sob esse aspecto, em crise, porque suas normas não são
respeitadas por seus destinatários (eficácia do preceito) ou então porque as
suas violações não são efetivamente punidas pelo Estado (eficácia da sanção).
São os sociólogos do direito os que, com maior propriedade, analisam o direito
do trabalho segundo a dimensão da facticidade.
Em terceiro e último lugar, a percepção da crise pode se dar
segundo a dimensão normativa ou dogmática do direito do trabalho. É
através do exame do direito a partir da dimensão dogmática que o jurista
identifica as normas jurídicas válidas em um determinado momento; busca o
sentido de cada elemento do ordenamento jurídico; soluciona os problemas de
colisão entre normas (antinomia) e as adapta aos problemas concretos; constrói
um sistema que permita entender os conteúdos do direito em vigor. Esta análise
das normas formalmente válidas, ou seja, o estudo “interno” do direito
positivo, cabe a todo operador do direito que pretende interpretar o direito
vigente. Quando algum dos problemas acima citados, relativos à dogmática do
direito do trabalho em especial, são muito difíceis (ou mesmo impossíveis) de
serem satisfatoriamente resolvidos pelo intérprete do direito, podemos dizer
que o direito do trabalho está, no tocante ao aspecto normativo ou dogmático,
em crise.
Não há, todavia, a possibilidade de tratarmos num único
artigo o tema da crise do direito do trabalho, levando-se em conta todas essas
três dimensões, sem que nossa análise seja de todo superficial. Cada dimensão
ou ponto de vista exige a utilização de uma metodologia científica própria (os
métodos próprios da filosofia do direito, da sociologia jurídica e da dogmática
trabalhista) que conduz, por sua vez, a uma abordagem peculiar do tema, ainda
que se façam constantes remissões a uma ou outra dimensão.
Portanto, limitar-nos-emos a uma única questão sobre a crise
do direito do trabalho, qual seja: até que ponto o questionamento do direito do
trabalho, a fragilidade e a descrença de seus postulados e todas as
transformações que ele vem sofrendo no Brasil a partir principalmente dos anos
90 põem em xeque a própria sobrevivência do direito do trabalho nacional, tal
qual o entendemos hoje em dia? Será que a crise paradigmática que abrange o
direito do trabalho decretou-lhe o seu fim? Trataremos afinal do problema
validade do direito do trabalho, ou seja, do problema da identificação das
normas jurídicas trabalhistas válidas, frente à crise paradigmática por que
passamos nesse início de século XXI.
Apesar de esta questão tratar mais da dimensão normativa do
que propriamente das dimensões da idealidade e da facticidade, por voltar-se ao
exame sobre o problema da validade do direito do trabalho, a nossa abordagem,
entretanto, não será uma abordagem estritamente dogmático jurídica. Será, antes
de tudo, um estudo de “teoria geral do direito”, que procura analisar a
organização, estrutura e funcionamento do direito positivo, sem todavia tecer
considerações metafísicas, tampouco descer às especificidades das próprias
“ciências” dogmáticas do direito.[6]
Para tratar do problema da crise do
direito do trabalho a partir de uma abordagem da teoria geral do direito,
faremos alusão à atividade do médico.[7] Hipócrates (460?-377? a.C.), em seus tratados sobre medicina, sobretudo aos
destinados ao estudo das epidemias, denominava “krisis” o ponto
culminante do processo mórbido em que é possível discernir a doença e desvendar
a sorte do doente. É, portanto, o momento em que o olhar experiente do médico
observa uma mudança súbita do paciente, para o bem ou para o mal; o instante em
que se declaram nitidamente os sintomas da moléstia, permitindo o diagnóstico e
o prognóstico.[8]
Assim, uma maneira de enfrentarmos o
nosso problema é analisar a crise do direito do trabalho como um médico examina
seu paciente. Ou seja, diagnosticar essa crise, determinando e conhecendo a
“doença” da qual padece o direito do trabalho. E, depois disso, tecer um
prognóstico, isto é, um “juízo médico”, baseado no diagnóstico e nas
possibilidades terapêuticas acerca da duração, evolução e termo da “doença”. É
o que faremos a seguir.
2. Reflexões
“diagnósticas”
Na busca por um diagnóstico da crise,
várias e distintas são as observações possíveis e relevantes sobre o direito do
trabalho, sob o aspecto da “teoria geral do direito”, da mesma maneira como um
médico, de acordo com as teorias da fisiologia e patologia humana, pode
examinar de diferentes maneiras o seu paciente. Quando, por exemplo, um médico
examina um paciente que diz estar com dor de garganta, ele pode concentrar sua
investigação em certas observações e exames específicos – como um simples olhar
na garganta, a verificação se o paciente está ou não com febre, se algumas de
suas glândulas estão inchadas, etc. – que não necessariamente seriam utilizados
por um outro médico para chegar ao mesmo resultado.
Da mesma forma, a determinação da “doença” do
direito do trabalho podem ser feitos a partir de análises enfocando diferentes
partes que compõem, mais ou menos diretamente, o todo do direito trabalhista.
Podemos assim diagnosticar a crise paradigmática do direito do trabalho
enfatizando a análise sobre o seu aspecto político, ou seja, a crise do Estado
moderno,[9] sobre o seu aspecto epistemológico, ou seja, a crise conceitual do termo
trabalho,[10] e assim por diante.
Contudo, é sobre a base econômica e
organizacional do trabalho que se concentram atualmente a maioria das análises
acerca da crise do direito trabalhista. Isso porque o direito do trabalho é uma
criação capitalista, isto é, ele é criado para dar forma à relação de emprego
moderna que se desenvolve junto ao mercado; e quaisquer mudanças nos regimes de
produção, que influenciam as formas de trabalho (assalariado e não) repercutem necessariamente
no direito que regula essas relações.[11] Assim,
para chegarmos a um diagnóstico da crise, optaremos pela análise do
desenvolvimento do próprio capitalismo, mais especificamente, das
transformações nas relações de trabalho inerentes ao modo de produção
capitalista, a partir das últimas décadas do século passado.
3. A crise de superacumulação capitalista
Após uma “era de ouro” a partir da segunda guerra mundial,
quando se verifica um amplo desenvolvimento econômico e social em diversos
países do mundo, o capitalismo entra em crise.[12] Essa
crise, vivenciada a partir de meados dos anos 60 e culminando com as chamadas
“crises do Petróleo” de 1973 e de 1979, é complexa e de difícil teorização. Ao
mesmo tempo em que extrapola os limites territoriais do Estado, assumindo um
caráter internacional, ela apresenta características próprias em cada país em
que se encontra. Todavia, isso não quer dizer que não possamos descrevê-la de
forma genérica.
Em poucas palavras, trata-se de um período em que há uma enorme produção
industrial, no auge do desenvolvimento do modelo de produção industrial em
larga escala dito fordista,[13] para um
mercado que já não consome toda essa oferta de produtos, gerando assim uma crise
de superacumulação. Apesar de nenhuma “causa” ou “marco inicial” poderem
ser isolados e identificados para a compreensão de uma crise de
superacumulação, costuma-se atribuir para fins didáticos, como principal
elemento causal dessa crise econômica, os excessos e a rigidez do fordismo.[14] Os
“sintomas” ou sinais em que se baseia a determinação de uma crise de
superacumulação são, entre outros: a existência de uma capacidade produtiva
ociosa, um excesso de mercadorias e de estoques, um excedente de
capital-dinheiro e grande desemprego. São fases críticas inerentes ao próprio
desenvolvimento do capitalismo, e por isso inevitáveis. [15]
Como vencer essa crise? A proposta é
de adotar medidas já conhecidas de controle do problema de superacumulação[16] e realizar uma verdadeira racionalização, reorganização e reestruturação dos
modos de produção e de trabalho, para que haja uma retomada de crescimento
capitalista.
4.
O regime de acumulação flexível
O capitalismo parece estar sabendo
muito bem se recuperar, enfrentando a crise de superacumulação sem grandes
seqüelas. Na verdade, os grandes grupos de empresas do mundo capitalista não só
foram poupados das moléstias da crise, como também experimentaram um
crescimento sustentado.[17] Todavia, isso só foi possível a partir de um profundo repensar e de uma
transformação dos seus meios de produção e de trabalho. Ao novo regime de
acumulação capitalista, decorrente das transformações dos meios de produção e
trabalho, chamamos acumulação flexível.
[18]
O processo de produção da acumulação flexível caracteriza-se
principalmente pelo seu profundo contraste com a rigidez do fordismo. Ele busca
assim atender às exigências mais individualizadas do mercado, no menor tempo e
com a melhor qualidade possível. Por isso, sua produção deve ser, entre outras
coisas: a) voltada para a demanda e não para os recursos; b) feita em pequenos lotes, com uma grande variedade de tipos de produtos, e não
uma produção em massa de bens homogêneos, com rígida uniformidade e
padronização; c) pronta para suprir o consumo, ou seja, com o mínimo ou
nenhuma quantidade de estoque.
Ademais, verifica-se uma “desverticalização” das grandes
companhias de modelo fordista em redes
de empresas. Ao invés de uma só empresa assumir todas as etapas da
produção de um produto ou da realização de um serviço, ela passa a distribuir
tais tarefas a outras empresas especializadas. Assim, as mais diversas empresas
espalhadas em todo o mundo passam a firmar e a manter relações contratuais umas
com as outras, formando verdadeiras redes empresarias. Como salienta Chesnais,
é uma forma das grandes empresas continuarem concentrando lucros, através de
uma hierarquia entre as empresas que compõe a rede, todavia repartindo os altos
custos e os riscos da produção.[19]
O trabalho e o mercado de trabalho também
sofrem uma série de transformações no regime de acumulação flexível.
Acompanhando as mudanças do processo de produção, ocorre uma “flexibilização”
da organização do trabalho dentro das empresas, com as seguintes
características: a) há um número mínimo de trabalhadores, responsáveis
apenas por aquelas tarefas que ainda não podem ser executadas por máquinas; b) o trabalho desse número reduzido de trabalhadores é estendido através, por
exemplo, da realização de horas-extras;[20] c) ao invés do trabalho especializado, o trabalhador torna-se polivalente; d) ao
invés da linha individualizada, ele se integra a uma equipe. Com relação ao mercado
de trabalho, cada vez mais as empresas impõem regimes e contratos de trabalho
mais flexíveis, que resultam na redução do emprego regular em favor do
crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado, em uma
relação triangular de trabalho.
As transformações do regime de acumulação flexível se deram
também no processo de produção, no trabalho e no mercado de trabalho
brasileiros, levando-se em conta, todavia, todas as peculiaridades e diferenças
entre as várias regiões do país. Pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) nas seis maiores regiões metropolitanas do
país mostram que a recessão econômica do período 1990/92, a abertura comercial,
o ajustamento no setor privado em busca de maior competitividade, o plano de
estabilização econômica e a privatização repercutiram sobre a ocupação, a
desocupação e o rendimento dos indivíduos. Por exemplo, reduziu-se
substancialmente o número de trabalhadores na indústria de transformação e, em
contrapartida, expandiu-se o número de trabalhadores nos setores de
“prestação de serviços” e do comércio. Ademais, houve um grande
aumentou o número de pessoas trabalhando sem carteira assinada e por conta
própria. [21]
Um resultado da crise de superacumulação e da conseqüente
reestruturação do modo de produção e de trabalho foi a verificação na prática
de uma regra desde há muito tempo conhecida pelos estudiosos do capitalismo: a
de toda crise capitalista se resolver a partir de uma maior exploração da mão
de obra.[22] Exploração aqui com o sentido de se tirar partido ou proveito do trabalho de
outrem, sem a preocupação com as conseqüências negativas que essa exploração
resulta para quem é explorado.
O grande problema enfrentado pelos trabalhadores é que essa
maior exploração tornou-se possível em um contexto de desemprego estrutural,
fruto, entre outros fatores, da substituição de trabalhador humano por máquinas
e da nova racionalidade na organização do trabalho. Mais do que isso, em um
contexto onde reduzidos números de empregados por empresa, espalhados nas
várias empresas-rede, não conseguem organizar-se através de sindicatos fortes
para pleitear melhores condições de trabalho e de vida.
O Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano de 1999,
da Organização das Nações Unidas (ONU), confirma esse fato, atentando para o
problema da humanidade em seu conjunto estar sendo submetida a um processo
fortemente contraditório de unificação técnica e desagregação social. Como
mostram os resultados da pesquisa descritos nesse relatório, o patrimônio
individual das duzentas pessoas mais ricas no mundo, em apenas cinco anos, de
dobrou, ao passar de 440 bilhões de dólares a 1.135 bilhões. Enquanto isso, a
renda total dos 582 milhões de habitantes dos países mais pobres do planeta
equivale a 10 % dessa cifra.[23]
Nesse mesmo sentido, no Brasil, pesquisas do IBGE indicam que
as transformações do trabalho e do mercado de trabalho das últimas décadas do século
XX resultaram, em última análise, no aumento do desemprego e na queda da renda
do trabalhador brasileiro. Com relação ao rendimento mensal das pessoas
ocupadas (soma de rendimentos mensais de todos os trabalhos das pessoas de 10
anos ou mais de idade, ocupadas), cerca 24% dos brasileiros continuou a viver,
entre 1991 e 2001, com 1salário mínimo ou menos. Todavia, o número daqueles que
vivem com mais de
ou de desocupação (percentagem das pessoas desocupadas em relação às pessoas
economicamente ativas), por sua vez, aumentou de 6,5% em 1992 para 9,4% em
2001. Apesar de esses valores poderem parecer pequenos quando vistos em
proporções, eles são enormes quando transformados em números absolutos. Os 9,4%
da taxa de desocupação, por exemplo, representa cerca de 15 milhões de pessoas
desempregadas.[24]
Visto isso, resta-nos saber como o direito, mais
especificamente o direito do trabalho, lida com todas essas transformações
sofridas pelo capitalismo, isto é, com todas as mudanças ocorridas na base
econômica e organizacional do trabalho. Para tratarmos desse problema, devemos
olhá-lo de duas maneiras distintas:
a) Por um lado, o capitalismo
deve ser visto sob o ponto de vista do indivíduo
capitalista, que segue sua vista numa incessante busca por riqueza e
prestígio. Para tanto, quer romper com todos os limites que impeçam ou
atrapalham a realização de seus interesses e objetivos. Um “bom” capitalista,
por exemplo, não hesitaria em demitir um empregado antigo da sua empresa para
contratar outros dois, cujos salários equivalem a menos da metade do valor do
salário do primeiro. Mesmo que isso levasse a pessoa que ele demitiu e também,
de certa forma, os seus novos empregados, a viver na penúria e na obscuridade.
Da mesma forma não interessa pagar corretamente todos os seus impostos,
proteger o meio ambiente etc. Tudo isso não importa para ele. O que importa são
os lucros, a riqueza e prestígio pessoal.[25] Todavia, nesse caso, o Estado – representante dos interesses coletivos do
capital – impõe limites para as ambições do indivíduo capitalista através do
direito. É isso, por exemplo, que explica o surgimento do direito do trabalho.
b) Por outro lado, há
situações nas quais não só o capitalista individual, egoísta e “míope” quer
extrapolar os limites do direito, mas o próprio capitalista coletivo
representado pelo Estado admite fazer isso, ou seja, oficializa uma flexibilização para atender exigências de uma nova
fase histórica. Sob esse ponto de
vista, para que o capitalismo pudesse sair da crise de superacumulação (item
2.1), através de uma série de transformações nas suas formas de organização da
produção (item 2.2) e, exercendo uma maior exploração sobre sua mão de obra
(2.3), promovesse um crescimento sustentado, houve e continua existindo a necessidade de enfrentar e superar todas
as “dificuldades” e “obstáculos” impostos pelos direitos trabalhistas, isto
é, flexibilizar ou até abolir normas que protegem interesses dos trabalhadores
sendo considerados como “obstáculo” no processo de reorganização do processo
produtivo no interesse do capital.
Ademais, o direito do trabalho passa a ser um “obstáculo”
para a própria solução do problema do desemprego, que assola de maneira nunca
antes vista quase todos os países do mundo globalizado, especialmente os mais
pobres, como o Brasil. Acredita-se que diversificando as formas de contratação
e diminuindo certos direitos do trabalhador através de negociações coletivas há
uma maior oferta de emprego.
Os “obstáculos” colocados pelo
direito do trabalho consistem, em última instância, na imposição legal de
custos adicionais, que diminuem a produtividade do capital, aumentando a parte
dos salários pagos direta ou indiretamente aos assalariados. O capital tenta
superar os “obstáculos” nesse segundo aspecto do problema (b), revendo muitos dos seus conceitos e
princípios. Isso significa flexibilizar o direito do trabalho, ou seja, adaptar
as normas jurídicas trabalhistas às exigências das novas realidades econômica,
social e institucional, mediante uma maior participação de trabalhadores e
empresários nesse processo. Essas mudanças podem ser constatadas basicamente em
dois níveis: i) no conteúdo das
relações de trabalho estabelecidas e ii) na
gênese da norma jurídica trabalhista. Há assim constantes alterações nas formas
de contratação e nos procedimentos constitutivos de suas regras, fazendo com o
que o direito do trabalho torne-se cada vez mais diversificado e flexível.
Prega-se uma teoria da flexibilização do direito do trabalho que está cada vez
mais evoluindo para uma teoria da privatização do direito do trabalho e para
uma teoria do direito do trabalho mínimo. Uma teoria que se apresenta com um
discurso prescritivo, ou seja, um discurso cuja implementação se coloca como
sendo absolutamente necessária e inevitável para a realidade futura, pelas
razões acima apontadas e outras mais; razões estas mais ou menos ideológicas
(no sentido negativo do termo), dependendo dos interesses de quem a defende.[26]
Respondendo enfim à questão: “qual é o diagnóstico para a
crise do direito do trabalho no Brasil?”, como prometemos anteriormente,
podemos agora afirmar que é essa tendência
flexibilizadora a grande “moléstia” de que padece o direito do trabalho
brasileiro. Todavia, resta-nos ainda tecer um possível prognóstico para a
crise.
Mas a flexibilização do
direito do trabalho significa que ele está com seus dias contados? Essa
tendência flexibilizadora do direito trabalhista decretou-lhe o seu fim?
A resposta a essa pergunta e uma prognose à crise do direito
trabalhista dependem da nossa definição do direito. Isto é, depende do critério
de validade que adotamos, segundo as várias escolas de pensamento jurídico
existentes. O direito é oriundo do Estado ou das práticas sociais? É escrito
(leis e decisões dos tribunais) ou costumeiro (decorrendo das práticas
populares que se repetem)? É estável no tempo ou sofre mudanças? Expressa
necessariamente os deveres morais dos membros da sociedade ou depende da
vontade política dominante, podendo assim criar-se normas jurídicas contrárias
à moral ou indiferentes a ela? Favorecem a manutenção da hierarquia social e
política ou objetiva a igualdade? Consiste na ameaça de exercício de
constrangimento e até violência física em caso de descumprimento ou no reconhecimento
e na aceitação por parte da população que cumpre espontaneamente os mandamentos
jurídicos (consenso)?[27]
Adotando uma visão positivista
do direito, que o define como o conjunto de normas postas pelo Estado para
regulamentar o comportamento social, independentemente de seu “valor”
moral e sua identidade política,[28] não há
que se falar num fim ou desaparecimento do direito do trabalho.
O que podemos dizer sobre a crise do direito do trabalho é
que o direito trabalhista está em um momento de grandes e profundas mudanças no
curso de seu processo de desenvolvimento, em outras palavras, está
“flexibilizando-se”, numa clara tendência de implosão de muitas garantias do
passado. Ou seja, o direito deve ser transformado para que ele possa adequar-se
à nova realidade que se impõe – apesar de todas as dificuldades desse processo,
como bem mostra a sociologia do direito[29] – e
dessa forma evitar a sua possível “quebra” ou ruptura, para o um novo direito
positivo do trabalho.[30] É nesse
sentido que todas as possibilidades previstas no próprio ordenamento jurídico
são utilizadas, especialmente através de “mais modernas” (o que não significa
melhores) interpretações das normas jurídicas trabalhistas, como se o “sistema
imunológico” do próprio direito atuasse como resposta à crise. Mais do que
isso, “reparações cirúrgicas”, com “traumas” mais profundos ao direito do
trabalho, vêm também ocorrendo no Brasil, como mostram as mudanças legislativas
e as propostas de mudanças encaminhadas para o Congresso Nacional.
Mesmo que as suas transformações sejam radicais e profundas
quanto ao seu conteúdo e aos procedimentos de produção das normas jurídicas
trabalhistas, ou seja, na delegação de competência legislativa relativa a
questões trabalhistas a serem acordadas e fixadas por convenções coletivas, o
direito do trabalho não se destruiu ou acabou, mas apenas transformou-se.
Enfim, o direito do trabalho sobreviverá. A custa, todavia, de sangue, suor e
sofrimento humano.
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* Esse
artigo encontra-se publicado na Revista
Discente Interinstitucional Rdi. Florianópolis, v 1, n 1, p 189-207, 206.
** Bacharel
em Direito pela USP; Mestre em filosofia do Direito pela UNIMEP e
Doutorando em Direito pela Johann Wolfgang Goethe – Universität
Frankfurt Am Main (Alemanha)
[1] Cf. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O
breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 393 e
ss.
[2] Sobre o conceito de paradigma e de crise
paradigmática, cf. KUHN, Thomas S. A
estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1982 e
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; Gewandsznajder, Fernando. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 2000,
pp. 23-34; DWORKIN, Ronald. O império do
direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, pp. 88-89.
[3] Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social
e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2003, p. 284.
[4] Sobre as diferentes abordagens dadas pelos cientistas sociais sobre
o paradigma da pós-modernidade, ibid., pp. 284-286.
[5] Sobre as três maneiras fundamentais de se
estudar o fenômeno jurídico referente à “tridimensionalidade” do direito, cf.
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma
jurídica. São Paulo: Edipro, 2001, pp. 45-69; DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2003, pp. 50-60; REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1998, p.
23 e ss.; SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica: introdução
a uma leitura externa do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2002, pp. 61-64.
[6] As principais áreas de estudo da “teoria geral do direito” são: a) a análise dos conceitos gerais do
direito; b) o exame das ideologias
jurídicas; c) a metodologia da
legislação; d) a metodologia da aplicação do direito. Para tanto, faz uma leitura “intermediária” do direito, ou seja, uma
leitura que não se limita às ciências dogmáticas do direito (leitura interna),
tampouco uma leitura que indaga sobre a relação do direito com a realidade
social ou com valores metafísicos, como a justiça (leituras externas do direito
realizadas pela sociologia e pela filosofia do direito, respectivamente).
Apesar da denominação de “teoria geral do direito” – em substituição de
“jurisprudência”, como era chamada esta disciplina pelos antigos juristas
pátrios – ser problemática e objeto de várias críticas, ela continua sendo
utilizada pela maioria dos estudiosos do direito no Brasil e é justamente por
esse motivo que manteremos o uso de tal denominação.
[7] Importante salientar que o recurso à linguagem médica é
estritamente metafórica. Utilizamos da linguagem peculiar de outras áreas do
conhecimento humano – como a biologia, a literatura, a história da arte, etc. –
com o simples intuito de expor as nossas idéias de maneira mais clara e compreensível.
Não pretendemos com isso entrar na discussão se a sociedade pode ser entendida
como um organismo e todas as demais repercussões que essa teoria nos traz.
[8] Sobre a definição hipocrática de crise, cf. COMPARATO,
Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 454.
[9] Sobre a crise das teorias clássicas sobre o Estado nacional, a
soberania do povo e as formas modernas de participação democrática, cf. MAUS,
Ingeborg. Do Estado nacional ao Estado global: o declínio da democracia. Impulso, Piracicaba, v. 14, n. 33, pp.
113-134, jan./abr. 2003.
[10] Sobre a crise conceitual do termo trabalho, cf. OFFE, Claus.
Trabalho como categoria sociológica fundamental? In: Trabalho e sociedade: problemas
estruturais e perspectivas para o futuro da “sociedade do trabalho”. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989; CAM, Pierre, verbete
trabalho. In ARNAUD, André-Jean. Dicionário enciclopédico de teoria e de
sociologia do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 798.
[11] Para que o capitalismo possa
desenvolver-se, há a intrínseca necessidade da existência de elementos
estabilizadores e norteadores de pensamento e, principalmente, do agir social,
aceitos por todos. Não há como o capitalismo sobreviver sem que haja um
consenso sobre regras e conceitos mínimos, que põem ordem e viabilizam o caos
imposto pelo laissez-faire, pela
corrida em busca do lucro e pela competição. Ocorre assim um processo de
inserção da existência humana numa rede de significações, contrapondo, por
exemplo, a vida ativa e a aposentadoria, as relações profissionais e as
extra-profissionais, o tempo de trabalho e o lazer, o domicílio e o local de
trabalho, etc. Ademais, dissipa-se o entendimento de que o trabalho dignifica;
mais do que isso, que o trabalho é a essência mesma do ser humano, por ser o
processo através do qual o homem torna-se objetivamente real e presente no
campo da história. Essa rede de significações relativa ao trabalho, na qual os
homens passam a ser inseridos, não é o resultado de uma atitude “natural”
qualquer, nem mesmo de uma atitude suscitada unicamente pela atração do ganho,
mas, pelo contrário, a expressão de um sistema de valores de que os indivíduos
compartilham uns com os outros, mas que ao mesmo tempo se impõe a eles através
do direito.
Sobre a criação histórica do direito do trabalho como herança do mundo
moderno capitalista, cf. HEPPLE, Bob. The making of
labour law in
comparative study of nine countries up to 1945. London:
Mansell, 1986; PERROT, Michelle. Os
excluídos da história: operários,
mulheres, prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988; RÜDGER,
Dorothee Susanne. Transformações do direito do trabalho na pós-modernidade: o
exemplo Brasil. In ALVES, J. A. Lindgren; TEUBNER, Gunther; ALVIM,
Joaquim Leonel de Rezende; RÜDGER, Dorothee Susanne. Direito e cidadania na
pós-modernidade. Piracicaba: Unimep, 2002, pp. 184-1990; CAM, Pierre,
verbete trabalho. In: ARNAUD, André-Jean. Op. cit., pp. 797 e ss.
[12] Sobre a “era de ouro” pós-segunda guerra mundial, cf. HOBSBAWM,
Eric. Op. cit.
[13] Sobre o fordismo, seguimos o entendimento de Antunes, qual seja, de
ser “a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidam-se ao
longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela
produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos;
através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro fordista e produção
emsérie taylorista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação
das funções; pela separação entre elaboração e execução no
processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e
verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do
trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões.” Cf. ANTUNES, Ricardo.
Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralização do
mundo do trabalho. São Paulo: Cortez/Editora da Unicamp, 1995, p. 17.
[14] Cf. ANTUNES, Ricardo. Ibid., p. 18. Cf. também HARVEY, David. Condição
pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo:
Loyola, 1998, p. 135.
[15] Uma das mais famosas descrições e teorizações das crises econômicas
capitalistas, enquanto crise de superacumulação, foi a realizada por Karl Marx,
apesar de todas as contradições e polêmicas envolvendo seu entendimento. Uma
teoria marxista sobre a crise capitalista está desenvolvida, de maneira
dispersa, ao longo de toda a obra de Marx, podendo ser encontrada, por exemplo,
enquanto breve descrição, no seu “Manifesto Comunista” [ “(…) Uma epidemia, que em
qualquer outra época teria parecido um paradoxo – a epidemia da superprodução.
Subitamente, a sociedade vê-se reconduzida a um estado de barbárie momentânea;
dir-se-ia que a fome ou uma guerra de extermínio cortaram-lhe todos os meios de
subsistência; a indústria e o comércio parecem aniquilados. E por quê? Porque a
sociedade possui demasiada civilização, demasiados meios de subsistência,
demasiada indústria, demasiado comércio. As forças produtivas de que dispõe não
mais favorecem o desenvolvimento das relações de propriedade burguesa; pelo
contrário, tornaram-se por demais poderosas para essas condições, que passam a
entravá-las; e todas as vezes que as forças produtivas sociais se libertam
dessas entraves, precipitam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a
existência da propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-se demasiado
estreito para conter as riquezas criadas em seu seio. De que maneira consegue a
burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande
quantidade de forças produtivas; de outro lado, pela conquista de novos
mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao preparo
de crises mais extensas e destruidoras e à diminuição dos meios de evita-las.”
Cf. MARX, Karl; ENGELS, Frederich. Manifesto
comunista. São Paulo: Nova Stella, 1985, pp. 15, 16]. Ou então, na forma mesmo de uma teoria mais sofisticada e
abstrata, como a proposta em “O capital”, livro III: O processo global de produção capitalista, seção III: Lei da queda da taxa de lucro. Cf. MARX,
Karl. O capital. São Paulo: Nova
Cultural, 1988, pp. 154-192. Para uma discussão mais profunda da teoria
marxista sobre as crises econômicas capitalistas, cf. MILIOS, John; DIMOULIS,
Dimitri; ECONOMAKIS, George. Karl Marx and the classics: an essay on value,
crises and the capitalist mode of production. Hampshire:
Ashgate, 2002, pp. 145-215.
[16] Sobre essas medidas, quais sejam: a) desvalorização de mercadorias,
de capacidade produtiva, do valor do dinheiro e da força de trabalho; b) controle
macroeconômico, por meio da institucionalização de sistemas de regulação da
economia; c) absorção da superacumulação por intermédio do deslocamento
temporal e espacial, entre outras. cf. HARVEY, David. Op. cit., pp. 170-176.
[17] Cf. CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São
Paulo: Xamã, 1996, p. 91.
[18] Sobre o regime capitalista de acumulação
flexível, cf. ANTUNES, Ricardo. Op. cit., pp. 13-39; CASTELLS, Manuel.
A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999, pp. 223-304;
CHESNAIS, François. Op. cit., pp.
91-109; CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de
trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan/UFRJ, 1994; HARVEY, David. Op.
cit., pp. 140 e ss.
[19] Cf. CHESNAIS, François. Op.
cit., p. 109.
[20] Um operário da Toyota, empresa que adota um modelo de produção e
trabalho flexível, trabalha aproximadamente 2.300 horas, em média, por ano,
enquanto, na Bélgica (Ford-Genk, General Motors-Anvers, Volkswagen-Forest,
Renault-Vilvorde e Volvo-Gand) trabalha entre 1.550 e 1.650 horas por ano.
Dados da ABVV-LIMBURG, Bélgica, junho de 1990, citado por ANTUNES, Ricardo. Op. cit., p. 28.
[21] Fonte: <http://www.ibge.gov.br/>.
[22] Fazendo uma leitura do pensamento marxista, afirma Harvey: “O
crescimento em valores reais se apóia na exploração do trabalho vivo na
produção. Isso não significa que o trabalho se aproprie de pouco, mas que o
crescimento sempre se baseia na diferença entre o que o trabalho obtém e aquilo
que cria. Por isso, o controle do trabalho, na produção e no mercado, é vital
para a perpetuação do capitalismo. O capitalismo está fundado, em suma, numa
relação de classe entre capital e trabalho. Como o controle do trabalho é
essencial para o lucro capitalista, a dinâmica de luta de classes pelo controle
do trabalho e pelo salário de mercado é fundamental para a trajetória do
desenvolvimento capitalista.” Cf. HARVEY, David. Op. cit., p. 166. Nesse mesmo sentido, cf. MILIOS, John; DIMOULIS,
Dimitri; ECONOMAKIS, George. Op. cit.,
p. 201 e ss.
[23] Fonte: < http://www.un.org>.
[24] Fonte: <http://www.ibge.gov.br/>.
[25] O capitalismo, sob o ponto de vista do
capitalista individual, está fundado na supremacia absoluta da razão de
mercado, que não abrange apenas as relações econômicas, mas toda a vida social.
Tudo isso a ponto do capital desumanizado ser elevado à posição de pessoa
artificial, enquanto o homem é reduzido à condição de simples instrumento de
produção, ou ao papel de mero consumidor a serviço do capital. Cf. COMPARATO,
Fábio Konder. Op.cit., pp.
449-458.
[26] Sobre a teoria da flexibilização no direito do trabalho brasileiro,
cf. RÜDIGER, Dorothee Susanne. Transformações do direito do trabalho na pós-modernidade:
o exemplo Brasil. In: ALVES, J. A. Lindgren; TEUBNER, Günther; ALVIM,
Joaquim Leonel de Rezende; RÜDIGER, Dorothee Susanne. Op. cit.; ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1994. NASCIMENTO,
Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do
trabalho. São Paulo: LTr, 2003. SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio;
VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições
de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1997, pp. 206-214.
[27] Para uma apresentação e análise das
principais escolas de pensamento jurídico, cf. DIMOULIS, Dimitri. Moralismo, positivismo e pragmatismo na
interpretação o direito constitucional. Revista dos Tribunais, n.769, 1999, pp. 11-27; DIMOULIS, Dimitri. O caso dos denunciantes invejosos. São Paulo: RT, 2003; SABADELL,
Ana Lúcia. Op.cit., pp 21-48 e
HÖFFE, Otfried. Justiça
política. Fundamentação de uma filosofia crítica do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pp.
100-108.
[28] Sobre as teorias
e definições positivistas do direito, cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Armênio Amado, 1984; HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito do direito. Lisboa:
Gulbenkian, 1986; BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UnB, 1997; Idem. O positivismo jurídico, lições de filosofia do direito. São Paulo:
Ícone, 1999; Idem. Teoria da norma jurídica. Bauru:
Edipro, 2001. Apesar de todas as dificuldades instransponíveis para uma
definição última e satisfatória para o direito, seguimos a definição de
Dimoulis, qual seja, “o direito das
sociedades modernas é um conjunto de normas que objetiva regulamentar o
comportamento social. Suas normas possuem seis características: a) são criadas,
aplicadas, modificadas e extintas por autoridades que possuem a competência
para tanto. Essa competência lhes é conferida mediante uma norma jurídica,
proveniente da vontade política dominante que exprime o Estado; b) são escritas
e veiculadas em publicações oficiais a cargo do Estado; c) objetivam a
manutenção da estrutura social, mesmo se muitas vezes promovem interesses dos
mais fracos; d) são geralmente respeitadas na prática, possuindo um grau
satisfatório de eficácia social; e) sua eficácia social é garantida pela ameaça
de coação, ou seja, por meio da possível imposição de sanções; f) são
reconhecidas como vinculantes pela maioria da população que acredita na legitimidade
do direito estatal.”. Cf. M Manual
de introdução ao estudo do direito. São Paulo: RT, 2003, p. 46.
[29] Sobre estudo do
direito como propulsor e obstáculo da mudança social, realizado pela sociologia
jurídica, cf. SABADELL, Ana Lucia,Op.cit.,
pp. 90-106.
[30] Nas palavras de Derrida sobre o
“interesse” do direito em sua auto-conservação: “En lo que tiene de más fundamental, el derecho europeu tiende a
prohibir la violencia individual y a condenarla em tanto que amenaza no tal o
cual ley, sino el ordem jurídico mismo (die Rechtsordnung). De ahí el interés del derecho, pues hay un interés del
derecho em establecerse y conservarse a sí mismo, o em representar el interés
que justamente él representa (grifo nosso). Que se hable del interés del derecho puede
parecer “sorprendente”, ésa es la palabra de Benjamin; pero al mismo tiempo es
normal, está em la naturaliza de su proprio interés, el que pretenda excluir
las violências individuales que amenazan su ordem; es com vistas a su interés
por lo que monopoliza así la violencia, en el sentido de Gewalt, la
violencia enquanto autoridad. Hay un “interés del derecho em la monopolización
de la violencia” (Interesse des Rechts na der Monopolisierung der Gewalt).
Ese monopolio no tiende a proteger tales o cuales fines justos y legales
(Rechtszwecke), sino el derecho mismo.” (grifo nosso); cf. Fuerza de ley. El “fundamento místico de la autoridad”. Madrid: Tecnos, 2002, p.
86.
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