Direito do Trabalho

Despesas de pessoal – terceirização de mão-de-obra

Despesas de pessoal – terceirização de mão-de-obra

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Sumário:

 

1. Introdução. 2. Despesas de pessoal. 3. Limite global por entidades políticas. 4. Limites por Poder. 5. Despesas com terceirização de mão-de-obra. 6. Conclusão

 

1. Introdução

 

    

A lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, foi elaborada às pressas por duas razões básicas. De um lado, para satisfazer a opinião pública abalada com graves denuncias de atos de improbidade, nas três esferas políticas e no âmbito dos três Poderes, denúncias essas intensamente veiculadas pela mídia, até mesmo com certo exagero. De outro lado, como decorrência do firme posicionamento adotado pelo FMI, que impunha como condição para concessão de créditos públicos a adoção de uma rigorosa política de saneamento das contas públicas. E isso só seria possível através de uma lei de aplicação no âmbito nacional e não apenas na esfera federal.

    

Daí o rigor e o detalhamento de suas normas no que diz respeito à realização de receitas tributárias e às despesas, notadamente, as de pessoal. Essas regulamentações minuciosas, nem sempre se harmonizam com o princípio da autonomia dos entes federados , assegurada pelos artigos 1º e 18 da CF, e com o princípio da independência e harmonia dos Poderes inserto no art. 2º do Texto Magno.

    

É uma lei bastante complexa, recheada de tecnicismo excessivo, dificultando sua aplicação uniforme no âmbito da União, dos 27 Estados membros e dos 5.559 Municípios, cada qual com peculiaridades próprias. Sem a assistência técnica e financeira da União como, alias, prevista no art. 64 da lei, grande parte dos Municípios não terão como cumprir toda a parafernália de procedimentos burocráticos em matéria orçamentária.

    

Apesar de toda sua riqueza detalhista, no nosso entender, a LRF falhou, em parte, no objetivo principal de equilibrar as contas públicas, ao deixar de regular as condições para instituição e funcionamento de fundos, como determina a parte final do inciso II, do § 9º, do art. 165 da CF. Com essa omissão, proposital ou não, deixou aberta, permanentemente, a porta por onde escoa uma parcela ponderável da receita pública, praticamente imune aos mecanismos de fiscalização e controle da execução orçamentária.

     

Outrossim, temos que a correta utilização de recursos financeiros depende, fundamentalmente, da honestidade do administrador e de seus agentes públicos. Não há lei que possa transformar o desonesto em honesto, o ímprobo em probo; pode, quando muito, intimidá-lo com ameaças representadas por sanções penais. Como não há lei perfeita, a possibilidade, bem como, a probabilidade de os atos de improbidade nas três esferas de Poder e no âmbito das três entidades políticas, continuará existindo, ainda que, em proporção menor.

    

Acreditamos, contudo, que se não faltar vontade política dos agentes públicos em geral e se for bem aplicada, essa lei contribuirá para a efetiva implementação de planos de governo, através da lei orçamentária anual que, embasada na lei do plano plurianual e na lei de diretrizes orçamentárias, passará da teoria para à prática, constituindo-se em um valioso instrumento do exercício de cidadania, à medida em que a fiel execução orçamentária representará respeito ao direcionamento das despesas públicas, aprovadas pelo órgão de representação popular.

 

2. Despesas de pessoal

 

Art. 18 Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.

 

§ 1º Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como “Outras Despesas de Pessoal”.

 

§ 2º A despesa total com pessoal será apurada somando-se a realizada no mês em referência com as dos onze imediatamente anteriores, adotando-se o regime de competência.

 

    

A LRF dedicou especial atenção às despesas de pessoal que, juntamente com as despesas com o serviço da dívida, constituem uma das maiores responsáveis pelo desequilíbrio das contas públicas. Essas duas despesas consumem os recursos financeiros de tal ordem que pouco resta para os investimentos necessários ao desenvolvimento econômico e social do País. Existem, ou existiam Estados membros que consumiam com a folha de pagamentos mais do que arrecadava, gerando um déficit nominal. Outros Estados membros, em última análise, cobriam as contas dessas unidades da Federação, sempre atoladas em crises financeiras. Agora, esta lei de vocação nacional procura colocar um ponto final nessa política de pessoal, que vinha confundindo o fim com o meio. Gastava-se tanto na atividade-meio que pouco ou quase nada restava para a atividade-fim. Para tornar possível a observância das restrições impostas a esse título, no âmbito nacional, a LRF estatuiu um amplo conceito do que seja despesa total com pessoal. Sem a uniformização de linguagem não haveria como examinar e analisar as despesas de pessoal em confronto com despesas de outras naturezas. Outrossim, esse conceito dado pelo caput do art. 18, válido nacionalmente, serve de parâmetro na fixação de limites de despesas de pessoal por esferas políticas e por Poder de que cuidam os artigos 19 e 20.

    

Segundo esse art. 18, considera-se como despesa total com pessoal do ente da Federação, o somatório dos seguintes gastos: a) com os ativos, inativos e pensionistas; b) os relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos civis e militares; c) os gastos com membros de Poder de quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza: d) os gastos com encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência. No que tange aos encargos com as contribuições sociais deve-se considerar tanto aquelas previstas no art. 195, I, a da CF, que são recolhidas ao INSS pelo ente político, relativamente a servidores contratados e exercentes de cargos em comissão ou temporários, que integram o regime geral da previdência social (art. 40, § 13 da CF), como também as contribuições recolhidas às entidades previdenciárias de cada nível de governo, relativamente aos servidores titulares de cargos efetivos, que integram o regime previdenciário de caráter contributivo (art. 40 da CF).

 

3. Limite global por entidades políticas

 

    

O art. 19 da LRF fixou o limite total de despesas de pessoal na base de 50% da receita corrente líquida para a União e 60% para os Estados membros e Municípios.

    

Esse dispositivo, fundado no art. 169 da CF, mantém os mesmos percentuais fixados pela Lei Complementar nº 96/99 que restou revogada, porém, flexibilizou esses limites máximos de despesas de pessoal como se depreende das exclusões do § 1º. Só para exemplificar, excluem-se desse limite total as indenizações por demissão, inclusive aquela incentivada; as despesas decorrentes de condenação judicial referente ao período anterior ao da apuração etc.

    

Não concordamos com o posicionamento doutrinário no sentido de sua inconstitucionalidade em relação aos limites fixados para os Estados e Municípios. Costuma-se objetar que sendo matéria de legislação concorrente, a União só poderia editar normas gerais, sem interferir nos limites de despesas dos Estados membros e dos Municípios. Ora, o art. 169 da CF diz com todas as letras que a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

    

Ante a clareza do texto do art. 169 da CF, este só pode ser entendido como uma exceção à regra do § 1º do art. 24 da CF, que limita à edição de normas gerais por parte da União, no exercício de competência legislativa concorrente. Afinal, não pode existir dois dispositivos constitucionais antagônicos entre si. Outrossim, a lei sob exame não é meramente federal, mas, nacional. Submete todas as entidades componentes da Federação a um tratamento uniforme no que tange às despesas com pessoal, fixando o limite de 50% para a União e limites maiores para as entidades regionais e locais.

    

Essa lei, merece, entretanto, uma pequena observação. Não se sabe que critério foi utilizado para a fixação de idêntico percentual para Estados membros e Municípios (60%), quando é notoriamente sabido que as entidades políticas locais, por não terem o Poder Judiciário, despendem menos gastos de pessoal.

 

4. Limites por Poder

 

    

O art. 20 da LRF fixou os limites para os três Poderes e para o órgão do Ministério Público, nos seguintes termos:

 

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguinte percentuais:

 

I – na esfera federal:

 

2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União;

6% (seis por cento) para o Judiciário;

40,9% (quarenta inteiros e nove décimos por cento) para o Executivo, destacando-se 3% (três por cento) para as despesas com pessoal decorrentes do que dispõe os incisos XIII e XIV do art. 21 da Constituição e o art. 31 da Emenda Constitucional nº 19, repartidos de forma proporcional à medida das despesas relativas a cada um destes dispositivos, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar;

0,6% (seis décimos por cento) para o Ministério Público da União;

II – na esfera estadual:

 

3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do estado;

6% (seis por cento) para o Judiciário;

49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo;

2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados;

III – na esfera municipal:

 

6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver;

54% (cinqüenta e quatro por cento) para o Executivo.

§ 1º Nos Poderes Legislativo e Judiciário de cada esfera, os limites serão repartidos entre seus órgãos de forma proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar.

 

§ 2º Para efeito deste artigo entende-se como órgão:

 

I – o Ministério Público;

 

II – no Poder Legislativo:

 

Federal, as respectivas Casas e o Tribunal de Contas da União;

Estadual, a Assembléia Legislativa e os Tribunais de Contas;

do Distrito Federal, a Câmara Legislativa e o Tribunal de Contas do Distrito Federal;

Municipal, a Câmara de Vereadores e o Tribunal de Contas do Município, quando houver;

III – no Poder Judiciário:

 

Federal, os tribunais referidos no art. 92 da Constituição;

Estadual, o Tribunal de Justiça e outros, quando houver.

§ 3º Os limites para as despesas com pessoal do Poder Judiciário, a cargo da União por força do inciso XIII do art. 21 da Constituição, serão estabelecidos mediante aplicação da regra do § 1º.

 

§ 4º Nos Estados em que houver Tribunal de Contas dos Municípios , os percentuais definidos nas alíneas a e c do inciso II do caput serão, respectivamente, acrescidos e reduzidos em 0,4% (quatro décimos por cento).

 

§ 5º Para os fins previstos no art. 168 da Constituição , a entrega dos recursos financeiros correspondentes à despesa total com pessoal por Poder e órgão será a resultante da aplicação dos percentuais definidos neste artigo, ou aqueles fixados na lei de diretrizes orçamentárias.

 

§ 6º (VETADO)

 

    

Aparentemente, a imposição de limites de despesas com pessoal para todos os Poderes, tendo em vista a autonomia orçamentária deles, conflitaria com o princípio federativo inserto no art. 2º da CF. Impõe-se sua interpretação conjugada com o art. 19. Se questionado esse artigo 20 teria que questionar, necessariamente, o artigo antecedente, que tem expresso fundamento no art. 169 da Carta Política. De fato, como exigir, por exemplo, que a União limite suas despesas de pessoal ativo e inativo a 50% da receita corrente líquida, sem estabelecer percentuais para cada Poder? O orçamento fiscal da União compreende as dotações referentes aos três Poderes (§ 5º do art. 165 da CF), de sorte que, se há um limite global para a União, este deve ser repartido proporcionalmente entre os Poderes, considerando o percentual de participação de cada um deles e do órgão ministerial no bolo da receita pública. De nada adiantaria o Executivo ater-se ao seu percentual se outros Poderes não tivessem limites, implicando superação do limite global da União, que é de 50% (soma dos percentuais atribuídos aos três Poderes e ao Ministério Público).

    

Toda essa dificuldade existe porque a Federação Brasileira é atípica: resultou de um movimento centrífugo (de dentro para fora), e não, centrípeto (de fora para dentro) como ocorreu os Estados Unidos da América. Isso explica o centralismo acentuado da nossa Federação. O controle concentrado da gestão financeira da Administração Pública em geral, através de uma lei de vocação nacional, é bastante complicado para um País que adota o regime federativo horizontalizado, onde cada ente político tem as suas competências, algumas delas, privativas, que derivam diretamente do texto constitucional.Por isso, as leis similares de outros Países, como a da Argentina, por exemplo, só tem aplicação no âmbito do governo central. Por causa disso, assistimos, há poucos dias, um verdadeiro “quebra de braço” entre o Presidente e os governadores de províncias em matéria de contenção de despesas exigidas pelo FMI.

    

A fixação de limite por Poder é necessária sob pena de inviabilizar o cumprimento do limite global, que tem sua matriz no art. 169 da CF. O grande defeito dessa LRF é que, na fixação desses limites por Poder, não se consideraram as peculiaridades regionais e locais metendo a todos em uma mesma camisa de força, moldada não se sabe por que critérios. O Estado de São Paulo, por exemplo, tem 6 tribunais, no entanto, o Judiciário ficou contemplado com os mesmos 6% de outros Estados membros, em contraste com o Poder Legislativo, que possui um único órgão, o TCE, e que foi contemplado com 3%. A proporção é absurda. Alguns autores acenam com a possibilidade de a LDO estabelecer critérios diferentes. Mas essa faculdade que estava no § 6º foi vetada. O correto seria deixar a critério da lei ordinária de cada ente político, de iniciativa conjunto dos Chefes de Poderes, a missão de fixar os limites por Poder. Como está, o limite não poderá ser respeitado a menos que o Judiciário de São Paulo, por exemplo, se abdique da sua missão constitucional de administrar a justiça. O limite, em alguns casos, é inexequível.

    

Caberá ao STF, como guardião da Carta Magna, dar a última palavra sobre a constitucionalidade ou não do dispositivo sob comento, sendo certo que em sede de liminar na ação direta de inconstitucionalidade foi negado o pedido de suspensão dos efeitos do citado art. 20 por seis votos a cinco (Adin nº 2.238-5, Rel. Min. Ilmar Galvão; Requerentes: Partido Comunista do Brasil e outros, j. 11-10-2000).

 

5. Despesas de terceirização de mão-de-obra

 

Art. 18 …………………..

 

§ 1º Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como “Outras Despesas de Pessoal”.

 

§ 2º A despesa total com pessoal será apurada somando-se a realizada no mês em referência com as dos onze imediatamente anteriores, adotando-se o regime de competência. O § 1º determina a inclusão como “Outras Despesas de Pessoal” os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra substitutiva de servidores e empregados públicos. “Outras Despesas de Pessoal” integram a categoria econômica de Despesas Correntes na sub-classificação de Despesas de Custeio, conforme dispõem os artigos 12 e 13 da Lei nº 4.320/64.

 

    

Era comum no âmbito das três esferas de governo a celebração de contratos de fornecimento de mão-de-obra para execução de serviços públicos de caráter permanente, contabilizando as despesas respectivas na rubrica “serviços de terceiros”, com que deixava de onerar o item orçamentário pertinente às despesas de pessoal. Agora, as despesas com contratação de mão-de-obra, substitutiva de servidores e empregados públicos, deverão ser contabilizadas como “outras despesas de pessoal” incluindo-as, portanto, no rol de despesas de pessoal para efeitos dos limites fixados nos artigos 19 e 20.

    

Desde logo levantaram-se críticas das mais azedadas contra esse § 1º, que estaria completamente dissociado do seu caput e que não teria menor sentido jurídico, técnico, contábil ou institucional. Alguns críticos mais apaixonados sustentam que, por não existir serviço terceirizável que devesse ser executado por servidor público, essa norma equivaleria a uma tentativa de morder a nuca. Acrescentam que essa despesa, decorrente de contratos administrativos de serviços só poderia ser classificada, segundo a Lei nº 4.320/64 como “outros serviços e encargos”. No dizer de Ivan Barbosa Rigolin, a despesa com a terceirização de mão-de-obra não poderia ser incluída no item de “outra despesa de pessoal” nem aqui, em nosso País, e nem na residência do demônio de sete barbas de Mesopotânea.

    

Enfim, críticas da espécie não são raras. Reconhecemos a deficiência e a impropriedade redacional desse § 1º. Contudo, estamos convencidos de que ela cumpre a sua importante missão de promover o enxugamento das despesas de pessoal, neutralizando os efeitos danosos de uma velha prática arraigada no seio da Administração Pública em geral, consistente na burla ao princípio do concurso público.

    

É preciso que referida norma seja interpretada no contexto da ordem jurídica como um todo, procurando detectar o seu sentido verdadeiro. É preciso conferir-lhe uma interpretação teleológica; do contrário a norma ficaria parecendo como um verdadeiro “samba do crioulo doido”.

    

Em primeiro lugar, cumpre definir o tipo de contrato de terceirização de mão-de-obra considerado no dispositivo sob análise.

    

Terceirização significa transferência de determinados serviços públicos a particulares, mediante observância do processo licitatório. Serviço essencial do Estado não pode, evidentemente, ser terceirizado. Daí a oportuna lembrança quanto à inexistência de serviço “terceirizável” que devesse ser executado por servidor público, como dito por alguns autores.

    

Na prática, a terceirização assume a forma de empreitada de obras e serviços e a locação de serviços, por meio de interposta pessoa (fornecimento de mão-se-obra). Tanto o contrato de empreitada de obra (arts. 1.237 a 1.247 do CC) como o contrato de locação de serviços (art. 1216 a 1.236 do CC), que são disciplinados, no âmbito do Poder Público, pela Lei nº 8.666/93, lei de licitação, nada têm a ver com a terceirização sob a modalidade de fornecimento de mão-de-obra de que cuida o § 1º do art. 18 da LRF.

    

Com efeito, existe uma diferença muito grande entre terceirização sob forma de locação de serviço que tem fundamento no art. 37, XXI da CF, e a terceirização sob modalidade de fornecimento de mão-de-obra. Na locação de serviços existe a prestação de uma determinada atividade pela empresa, cujos empregados nenhum vínculo têm com o tomador de serviços. Nesse caso, configura-se terceirização de um serviço, isto é, celebra-se um contrato de serviços de terceiros. No fornecimento de mão-de-obra a empresa é mera intermediária para contratação de pessoas físicas determinadas, configurando terceirização de mão-de-obra, caracteriza-se a relação de pessoalidade entre o Poder Público e as pessoas físicas contratadas. Ao teor do Enunciado nº 256 do TST a contratação de trabalhador por empresa interposta é ilegal e configura vínculo empregatício com o tomador do serviço, ressalvados os casos de trabalhadores temporários, previstos na Lei nº 6.019/74 e 7.102/83. Posteriormente, o enunciado nº 331 passou a admitir a contratação de serviços de vigilância, conservação e limpeza, desde que inexistisse a pessoalidade e a subordinação direta. Em relação ao Poder Público esse enunciado dispôs que a contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração direta, indireta ou fundacional e nem o poderia tendo em vista o princípio do concurso público. Isso equivale a afirmar que nesse caso estaria havendo terceirização de serviço de vigilância ou de limpeza por exemplo, nunca terceirização de mão-de-obra.

    

Alguns exemplos contribuirão para aclarar a questão.

    

Se o Poder Público contrata uma empresa ou uma cooperativa de trabalho para ceder mão-de-obra a fim de substituir os médicos e os paramédicos, em um determinado hospital, em razão de férias ou licenças de seus titulares, a despesa respectiva entrará no limite da despesa de pessoal, pois, é a hipótese visada pelo § 1º, do art. 18. É claro que esses médicos e paramédicos não se transformarão em servidores públicos e nem a lei assim pescreve. Porém, as despesas decorrentes dessa contratação, regular ou irregular, não importa, são computadas no cálculo da despesa total de pessoal. Mas, se o mesmo Poder Público contratar uma empresa para gerir o hospital, ficando a cargo dela a contratação de mão-de-obra, as despesas de administração, de equipamentos, de remédios etc. estaremos diante de terceirização de um serviço público. Nessa hipótese não se aplica o § 1º, do art. 18, mas, a regra transitória do art. 72. Esse artigo limitou até o exercício de 2003, a realização da despesa com serviços de terceiros (terceirização de serviço) aos valores gastos a esse título no exercício de 1999, em termos de percentuais da receita corrente líquida.

    

Inconfundíveis, pois a hipótese do § 1º, do art. 18, que se refere às despesas de terceirização de mão-de-obra, com a hipótese do art. 72 que se refere às despesas com terceirização de serviços. Grande parte da doutrina tem conferido tratamento idêntico a ambas as hipóteses, o que é um grande equívoco, data venia.

    

A essa altura impõe-se uma indagação. É possível, constitucionalmente, a terceirização da mão-de-obra substitutiva de servidor ou empregado público como prescreve o § 1º, do art. 18?

    

O art. 37, II da CF exige concurso público de provas ou provas e títulos para investidura em cargo ou emprego público, pelo que descabe falar em substituição de mão-de-obra. Teria fundamento no inciso IX, do art. 37 da CF que permite a contratação de trabalhador temporário? Não, porque, na contratação por tempo determinado, para atender a necessidade momentânea de excepcional interesse público, não há intermediação de empresa, não há terceirização de mão-de-obra, mas, contratação direta pela Administração Pública. O § 1º fala em terceirização de mão-de-obra, o que implica uma relação triangular: a empresa cedente de mão-de-obra, a empresa tomadora de serviços e os trabalhadores cedidos.

    

Do exposto, só se pode concluir que o legislador não se preocupou com o aspecto da licitude ou ilicitude desse tipo de contrato de terceirização de mão-de-obra, mas tão somente com um dos objetivos principais da LRF que é o de conter as despesas de pessoal. Procurou-se neutralizar, no âmbito da LRF, os efeitos danosos da velha prática antes referida, consistente em burlar, através de expedientes ilegais, o limite total de despesa de pessoal. Na verdade, essa prática de terceirização de mão-de-obra constitui ato de improbidade administrativa por atentatória aos princípios da administração pública, conforme prescrição do art. 11 da Lei nº 8.429/92. Para a LRF pouco importa se essa prática é legal, ilegal ou inconstitucional. Em havendo essa despesa, cumpre considerá-la para efeito de limite global da despesa de pessoal.

    

Foi exatamente o que fez, por exemplo, a Lei de Diretrizes Orçamentárias da União, Lei nº 9.995/00, que assim dispõe em seu art. 64:

 

“Art. 64 – O disposto no § 1º do art. 18 da Lei Complementar nº 101, de 2000, aplica-se exclusivamente para fins de cálculo do limite de despesa total com pessoal, independentemente da legalidade ou validade dos contratos.”

 

    

De fato, a dureza com que a LRF age para obter o equilíbrio das contas públicas, mediante contenção das despesas de pessoal, não poderia premiar o administrador que gastasse de forma ilegal e inconstitucional.

 

6. Conclusão

 

    

A redação do § 1º do art. 18 não deixa de ser bastante criticável, pois dá a entender que seria possível a celebração de contrato de terceirização de mão-de-obra contra expresso texto constitucional. Porém, ela cumpre a sua importante função de evitar a expansão das despesas de pessoal, burlando o limite global previsto na LRF.

    

Finalmente, a apuração da despesa total com pessoal far-se-á pelo regime de competência, isto é, a despesa deverá ser atribuída ao mês em que o serviço foi prestado, independentemente da data seu pagamento. Portanto, a cada mês, apura-se o montante global da despesa de pessoal, somando-se a do mês considerado, com a dos onze meses imediatamente anteriores.

 

SP, 28.12.01.

 

* Advogado especialista em Direito Público. Sócio fundador do Escritório Harada Advogados Associados. Professor de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro. Conselheiro do IASP. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Despesas de pessoal – terceirização de mão-de-obra. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/despesas-de-pessoal-terceirizacao-de-mao-de-obra/ Acesso em: 20 set. 2024