Laísa Santos[1]
O Projeto de Lei nº 1.179/20 foi sancionado pelo presidente na última quarta-feira, 10 de junho, após aprovação em ambas as casas legislativas. Visando mitigar os efeitos da pandemia do coronavírus, o texto dispõe sobre o chamado Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas (RJET).
Segundo o autor, Senador Antônio Anastasia (PSD/MG), o Projeto de Lei – agora, convertido em lei – visa minimizar as consequências socioeconômicas provocadas pela pandemia, de modo a preservar contratos, suspender prazos e evitar o abalroamento do judiciário com processos em massa.
Partindo desse pressuposto, o capítulo X dispôs sobre o Direito de Família e Sucessões, em seus artigos 15 e 16.
No âmbito do Direito de Família, o artigo 15 da lei determina que, até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentar deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar. Ou seja, enquanto vigente o regime jurídico emergencial, todo aquele que estiver em débito com até os últimos três meses de pensão e, tiver a sua prisão decretada, poderá cumpri-la em sua própria residência.
Contrariando o posicionamento adotado desde o início pelo Projeto de Lei (agora lei) e da Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no último dia 2 de junho a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o regime domiciliar e suspendeu a prisão do devedor de alimentos durante a pandemia. Assim, o devedor de alimentos cumprirá a prisão em regime fechado após o fim do estado de calamidade pública.
No seu voto, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que a concessão da prisão domiciliar aos alimentantes inadimplentes relativizaria o que esta disposto na norma e argumentou que, assegurar aos presos por dívida alimentar o direito à prisão domiciliar seria medida que não cumpriria o mandamento legal, ferindo a própria dignidade do alimentando.
A questão foi afetada ao colegiado pela 3ª Turma na sessão da última terça-feira (10/06) para dirimir as divergências de entendimento com a 4ª Turma. Entretanto, o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, propôs o adiamento do julgamento, tendo em vista que o prazo para veto ou sanção da “Lei da Pandemia” pela Presidência da República se esgotava naquele mesmo dia.
Diante da sanção do projeto e, consequentemente, da sua conversão em lei, o Superior Tribunal de Justiça possivelmente pautará o Habeas Corpus para a próxima semana e decidirá conforme a legislação vigente. Ainda, será necessário deliberar se a lei passará ou não a ter efeitos retroativos.
A situação exige cautela. Sabe-se que o crescimento da inadimplência alimentar está no horizonte desta crise. Contudo, é preciso assegurar o direito do mais vulnerável através de medidas que visem coagir aqueles genitores que possam aproveitar do momento, deixando de adimplir com a verba alimentar, de maneira mal-intencionada.
No tocante ao Direito das Sucessões, a “Lei da Pandemia” prevê, em seu artigo 16, a prorrogação do prazo para abertura do inventário (2 meses a contar do falecimento) e a suspensão do prazo de 12 meses para a conclusão de inventários com óbitos anteriores a fevereiro de 2020.
De maneira simplificada, o artigo propõe que, para falecimentos ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 2020, o início da contagem do prazo de dois meses para a abertura do respectivo inventário será prorrogado para o dia 30 de outubro de 2020. Ou seja, o prazo só começará a correr a partir da data aprazada.
Da mesma forma será a aplicação do prazo para finalização dos processos de inventário com óbitos anteriores a fevereiro de 2020. Assim, um inventário que iniciou em novembro de 2019 e deveria ser finalizado até novembro de 2020, terá seu prazo suspenso a partir da entrada em vigência desta lei, somente retornando após 30 de outubro. O prazo já transcorrido antes da publicação da lei será computado.
Ainda que de bom grado a redação do artigo, as consequências práticas são nebulosas. Como regra geral, em caso de não abertura do inventário no prazo estabelecido de 2 meses pelo Código de Processo Civil[2], há a incidência de multa. O estado de Santa Catarina, por exemplo, impõe uma multa de 20% sobre o valor do Imposto de Transmissão Causa Mortos e Doação (ITCMD), enquanto que o de São Paulo impõe a multa no percentual de 10 a 20% sobre o imposto devido.
Não obstante a competência da União em legislar sobre direito civil e processual e, consequentemente, sobre o prazo para abertura e finalização de inventários, é dos Estados a competência para instituir o ITCMD, bem como para estipular penalidades pela não observância de prazos.
Até o presente momento, tanto o estado de Santa Catarina quanto o de São Paulo ainda não alteraram nenhuma das normas que tratam sobre a aplicação de multa pelo atraso na abertura do inventário (Lei nº 13.136/04 e 10.705/2000, respectivamente) – em que pese o Projeto de Lei estivesse tramitando desde março. Ou seja, ainda não há qualquer movimentação para uma harmonização das referidas legislações estaduais com a nova lei sancionada.
Diante dessa incerteza e da ausência de posicionamento dos estados da federação sobre o assunto, é necessário se atentar e alertar aos herdeiros para a possibilidade da aplicação da multa pelas Fazendas Estaduais caso o contribuinte descumpra o prazo para o pagamento do ITCMD, ainda que haja a dilação de prazo da normatização transitória federal.
Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/os-impactos-da-lei-da-pandemia-lei-no-14-010-no-ambito-do-direito-das-familias-e-sucessoes/
[1] Advogada atuante na área de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões do escritório Schiefler Advocacia. Graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista em Planejamento Patrimonial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Membra do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] CPC. Art. 611. O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte.