Direito Constitucional

Uma teoria sobre a Constituição

Uma teoria sobre a Constituição

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

A evolução do direito constitucional, desde o aparecimento das duas Constituições modernas (Americana 1787 e Francesa 1791), sem esquecer o delineamento constitucional inglês, com a Magna Carta Baronorum (1215) e o “Bill of Rights” (1628 e 1688), tem demonstrado uma notável adaptação às próprias soluções políticas que as comunidades organizadas em Estado vão estabelecendo, com a percepção ou geração de novos direitos – antes pouco refletidos ou inexistentes – e a repactuação dos convívios dos organismos internacionais, ou novas formas e acordos.

 

As diversas teorias sobre a Constituição focam-na em face de sua dimensão, de seu conteúdo, de seus princípios, dos regimes jurídicos que hospeda, dos tipos de direitos que são prevalecentes, das técnicas que introduz de interpretação da legislação decorrencial, da supremacia de suas normas, sempre, todavia, o elemento jurídico sendo o prevalecente.

 

Nada obstante ser a Constituição um documento apenas formalmente jurídico, mas intrinsecamente político, econômico e social, para nós, os constitucionalistas, o elemento jurídico é sempre o mais relevante, embora nitidamente veiculador, em  face do conteúdo que albergue.

 

Por esta razão há uma tensão permanente entre as normas constitucionais, que o jurista luta por fazer prevalecer, e a prática constitucional, que o político termina por impor, levando, em todos os países do mundo, os Tribunais Superiores – mais políticos que jurídicos – a tenderem fazer prevalecer o aspecto político da estabilidade institucional sobre o aspecto jurídico formal de garantias e soluções, muitas vezes consideradas utópicas.

 

Esta permanente tensão entre a realidade política de um país e os princípios constitucionais, que opõe, permanentemente, o jurista ao aplicador do Direito, o intérprete ao governo e o povo ao Estado, torna grande parte das teorias de reflexão acadêmica passíveis de aplicação apenas em tempos de absoluta normalidade, de paz e de progresso incontestáveis, o que vale dizer, em períodos que quase nunca ocorrem, na história da espécie humana.

 

As teorias constitucionais de reflexão acadêmica são de pouca utilidade, na medida em que a evolução humana impõe, de forma crescente, soluções novas, que ultrapassam de muito as formulações universitárias e doutrinárias, que caminham sempre atrás dos acontecimentos políticos e históricos.

 

Em outras palavras, não são as doutrinas, os princípios e as normas constitucionais que formatam a história e o evoluir da espécie humana, mas, exclusivamente, os fatos por ela gerados, que terminam por dar perfil à doutrina e aos princípios do direito primeiro, que é o constitucional.

 

Esta é a razão pela qual entendo que as teorias do direito constitucional:

 

1) são uma classificação da história política juridicizada dos diversos povos;

 

2) decorrem de processos históricos e pouco os influenciam, servindo de mero “estoque de prateleira”, à disposição dos movimentos políticos, em permanente mudança;

 

3) adaptam-se às novas realidades – como a Constituição formal européia, já em pleno vigor sem tal conformação, através das diretivas comunitárias -, formulando-se sempre novas soluções; as passadas servem, no máximo, para reflexão acadêmica e evolução de países menos avançados nos caminhos da democracia;

 

4) são permanentes, em todos os textos modernos, os direitos fundamentais do ser humano – a meu ver, direitos inatos e imodificáveis – que conformam os regimes democráticos;

 

5) a escultura das modernas constituições é decorrente de um processo historicista-axiológico e as teorias constitucionais meras adaptações posteriores, classificatórias e enunciadoras dos acontecimentos que as antecedem e as perfilam;

 

6) vale o seu referencial, menos para orientar os processos políticos geradores do direito constitucional de um povo ou de uma comunidade de nações, e mais para permitir aos não-políticos –juris.

 

 

* Professor emérito das universidades Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado do Exército e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma teoria sobre a Constituição. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/uma-teoria-sobre-a-constituicao/ Acesso em: 17 fev. 2025