Resumo: A peça apresenta uma situação política tensa e aborda temas como a disputa de poder, jogos políticos, ponderação de valores, manipulação e responsabilidade civil e penal. Na trama, Júlio César está cada vez mais poderoso e influente. E, por essa razão, acaba sendo assassinado com vinte e três facadas no Senado romano. O tema segue em sua contemporaneidade, principalmente, no momento em que reiteradamente se manipula a opinião pública.
Palavras-Chave: Ditadura. Responsabilidade Civil. Conspiração. Retórica. Ponderação de valores. Boa-fé.
Júlio César, The Tragedy of Julius Cesar trata do senso de responsabilidade, mas também da soberba. Na peça, se verifica que a massa popular pode ser manipulada apenas pela força da palavra. Há, portanto, um dilema moral, na ponderação de valores, fazer um bem geral e, de outro lado, proteger os amigos.
Convém salientar que a teoria da ponderação fora utilizada, primeiramente, no âmbito do STF (Supremo Tribunal Federal) em um caso envolvendo a liberdade de expressão e o nazismo, percebe-se quase uma reedição do famoso caso Lüth[1], que fora julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão[2]. Para a Corte, Lüth tinha o direito de manifestar publicamente sua opinião sobre o filme e o cineasta, bem como convocar a população a boicotar o filme[3].
O direito fundamental à livre manifestação de opinião é uma expressão direta da personalidade humana no meio social e, por isso, um dos direitos humanos mais essenciais.
Siegfried Ellwanger[4] foi acusado de crime de racismo, ao editar livros que faziam apologia ao nazismo. E, após ser condenado, impetrou habeas corpus no STF, quando ponderando os valores constitucionais de liberdade de expressão e da dignidade da pessoa humana, entendeu que a condenação era proporcional.
Destaco, um trecho do voto vencedor, in litteris:
“A orientação fixada é de que a garantia constitucional da liberdade de expressão não é absoluta, tem limites jurídicos e não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações que implicam ilicitude penal. No caso concreto, o preceito fundamental da liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Nesta hipótese, há nítida prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica”. (In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 82.424/RS. Relator Ministro Moreira Alves, publ. 19 mar. 2004. Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2052452> Acesso em 02.12.2021).
A referida decisão mostra de forma inequívoca que o STF deu primazia aos princípios constitucionais para se galgar a decisão final, representando clara aplicação da Teoria da Ponderação de Alexy[5] no STF. Foram identificadas três etapas propostas pelo autor. Primeiramente, identificados os princípios colidentes (liberdade de expressão versus dignidade da pessoa humana), após foi identificada a medida necessária para a salvaguarda do princípio escolhido como tendo preponderância e, por fim, se decide por um princípio que deve ser aplicado no caso concreto, com o balanceamento necessário.
Apesar da decisão do STF ser merecedora de elogias por parte dos defensores dos direitos humanos, é fato, que a partir daí, passou a tomar decisões e atuar progressivamente de forma política.
A palavra ponderar e ponderação não é exclusiva da linguagem jurídica. E, as decisões de todas as áreas que dependem de um choque entre vantagens e desvantagens, utilizam algum tipo de ponderação racional. Porém, a ponderação pode ser utilizada em sentido jurídico.
E, segundo Ana Paula de Barcellos, a ponderação é uma técnica de decisão própria para os hard cases, casos difíceis, em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado. (In: BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.55).
A aplicação de um princípio ou dispositivo constitucional não pode levar a total não aplicação do outro, afinal, o princípio da unidade, pelo qual todas as disposições constitucionais têm a mesma hierarquia e devem ser interpretadas de forma harmônica, não admite essa solução.
Afinal, a lição de Barroso, o princípio da unidade da Constituição demanda que o texto constitucional seja entendido em sua inteireza, de modo que não se pode interpretá-lo como houvesse uma hierarquia entre as normas constitucionais. E, assim, devem ser desenvolvidas técnicas para lidar com as peculiaridades do texto constitucional.
Assim, a ponderação pode ser utilizada quando dois ou mais princípios de mesma hierarquia entram em conflito, como a liberdade de expressão e de imprensa versus os direitos à honra, ou o direito à intimidade versus o direito à vida privada.
Casos como esses não podem ser solucionados de forma simplista, mas por um raciocínio “pelo qual se atribuem pesos aos elementos em conflito para, ao fim, decidir por um deles ou ao menos decidir pela aplicação preponderante de um deles”.
A ponderação é um processo racional, podendo ser fundamentados os enunciados que estabelecem as condições de preferência referidas na ponderação. Esse fundamento pressupõe que “quanto maior é o grau da não satisfação ou de afetação um princípio, tanto maior têm que ser a importância da satisfação do outro”.
Pode ser definida a ponderação então como “uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente”.
Vale observar que a expressão “casos difíceis” vem do inglês hard cases e diz respeito a casos jurídicos nos quais o ordenamento não traz uma resposta pronta ou facilmente extraída por meio das técnicas usuais de interpretação, mormente a subsunção.
O Ministro Luís Robero Barroso descreve a ponderação como um processo em três etapas, a saber:
“Na primeira etapa, cabe ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas. Nesse estágio, os diversos fundamentos normativos – isto é, as diversas premissas maiores pertinentes – são agrupadas em função da solução que estejam sugerindo: aqueles que indicam a mesma solução devem formar um conjunto de agrupamentos. O propósito desse agrupamento é facilitar o trabalho posterior de comparação entre os elementos normativos em jogo. Na segunda etapa, cabe examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos. Embora os princípios e regras tenham, em tese, uma existência autônoma, eles só possuem real sentido quando entram em contato com situações concretas. Assim, o exame dos fatos e os reflexos sobre eles das normas identificadas na primeira fase poderão apontar com maior clareza o papel de cada uma delas e a extensão de sua influência. Na terceira etapa, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto serão examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos a serem atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas a preponderar no caso. Os parâmetros construídos na primeira etapa são, assim, empregados e adaptados às particularidades do caso concreto”. (In: BARROSO, L.R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 114.).
Shakespeare se esmerou na peça que inaugurou The Globe em 1599, o teatro de sua companhia. O começo é com a chegada de César, general romano voltando para Roma em triunfo. O povo o venera e idolatra.
Alguns nobres temem que a ambição de César o torne um tirado. E, assim, organizam uma conspiração com fito de eliminar César do poder. Marco Antônio, um patrício, que obedece a coroa de Roma e César, mas este a recusa. A coroa lhe é oferecida por três vezes, mas César, a rejeita.
Cássio é o líder dos conspiradores e, tenta atrair Brutus para sua causa. Brutus é reconhecido um homem bom, ingênuo e dotado de retidão. Acredita Cássio que a adesão de Brutus confere ao movimento maior credibilidade e resguardo moral à causa.
Julius César[6] foi assassinado por um grupo de senadores nos idos de março de 44 antes de Cristo, durante uma reunião do Senado na Cúria de Pompeu do Teatro de Pompeu em Roma.
Durante o episódio, que também ficou conhecido como cesaricídio, os senadores esfaquearam César vinte e três vezes e alegaram que assim agindo sob o temor de que a concentração de poder sem precedentes que César estava promovendo durante a ditadura que estava minando as bases da República Romana, sendo que apresentaram o feito como um ato de tiranicídio.
Pelo menos sessenta senadores participaram da conspiração liderada por Marco Junior Brutus, Caio Cássio Longino. Apesar da morte de César, os conspiradores não conseguiram restaurar as instituições da República romana. As ramificações do assassinato acarretaram à Guerra Civil dos Libertadores[7] e, finalmente, ao período do Principado do Império Romano.
Veni vidi vici – vim, vi e venci – é uma de suas frases célebres. E, de fato, ele venceu em todas as frentes de batalha. Ao ser destituído do cargo de governador das Gálias, o Senado Romano esperava que Júlio César depusesse as armas e voltasse como homem comum para Roma.
Mas César sabia que, se isso acontecesse, seria levado a um tribunal. Por isso, decidiu invadir a província da Itália e, ao atravessar o Rubicão (riacho que delimitava a fronteira da parte central do território romano), teria pronunciado a também famosa frase Alea jacta est (“A sorte está lançada”)[8]. Após alguns anos de guerra civil, ele detinha o poder absoluto em Roma[9].
Júlio César governava sentado em trono de ouro. Os senadores eram obrigados a aprovar projetos de lei que nem haviam lido. Ele aumentou em mais de 300 (trezentos) o número de membros do Senado, nomeando amigos para os novos postos. Em termos militares, tinha ainda grandes planos. Queria conquistar o reino dos Partos (região entre o mar de Aral e o mar Cáspio), para formar uma nova monarquia mundial.
Porém, poucos dias antes de iniciar a nova campanha militar, sucumbiu a um ataque dos conspiradores. No dia 15 de março de 44 a.C., foi assassinado com 23 (vinte e três) facadas, nas escadarias do Senado, por um grupo de 60 (sessenta) senadores, liderados por Marcus Julius Brutus, seu filho adotivo, e Caio Cássio. Júlio César ainda se defendeu, cobrindo-se com uma toga, até ver Brutus, quando então teria dito sua última famosa frase: “Até tu, Brutus”.
Trata-se do mais conhecido atentado político da Antiguidade, descrito por Caio Suetônio Tranquilo (70 d.C.-140 d.C.), na biografia De vita Caesarum (Da vida dos Césares). “César” foi o título dos imperadores romanos de Augusto (63 a.C.-14 d.C.) a Adriano (76 d.C.-138 d.C.).
Caio Júlio César foi morto por haver desprezado a opinião dos seus adversários. Supõe-se que seus assassinos não tivessem apenas motivos políticos, como também teriam agido por inveja e orgulho ferido. Matar um tirano, na época, não era considerado crime.
Não há, porém, consenso entre os historiadores de que Júlio César tenha sido um tirano. Muitos de seus planos não foram concretizados, mas ele deu uma orientação completamente nova ao desenvolvimento do Império Romano.
Cássio, argumento e ao invés de ter razão, utiliza autoridade. Enfim, os líderes são catalisadores. Cássio quer convencer Brutus e, assim o alicia a participar da conspiração contra César.
Cássio evoca o senso de responsabilidade de Brutus, afinal, a culpa não é das estrelas, mas de nós mesmos. O homem deve culpar a si mesmo pelos acontecimentos. Em seguida, Cássio provoca Brutus a não aceitar que César se torne um ditador[10]. Aguçando a vaidade de Brutus, ao compará-lo à César, para concluir que César não pode ser mais que ele.
No fundo, Brutus não quer matar César, ele o ama. Mas, crê que César pode se transformar em tirano e, assim, fazer mal o Estado. Dessa forma, anuiu com a conspiração para matá-lo.
Há apenas um risco, pondera Brutus considerando César como um ovo de serpente. Então matemo-lo ainda na casca. Sob o perigo de César se tornar um déspota, os conspiradores se preveniram.
César percebe todos os indícios da trama que virá a matá-lo. Até um vidente lhe advertira e, sua mulher ainda teve um sonho premonitório. Apesar de tantos avisos metafísicos, César despreza a todos alertas.
Seu amigo, Artemidoro escrevera uma denúncia contra os conspiradores e, César lê, mas não quer acreditar. O general César segue inabalável, rumando para o Senado, quando os conspiradores o interpelam.
Meteto Cimbro expressa muitos elogios com intensa falsidade. As muitas demonstrações de subserviência são o escudo dos conspiradores. E, César trata a todos com retidão, porém com soberba.
Se autoqualifica como constante quanto a Estrela Polar. Esta constância, e a coerência do governante é, a rigor, enorme qualidade do Estado seja por meio do Executivo, do Legislativo ou pelo Judiciário. O Estado não deve vacilar mesmo diante as pressões.
Continuam os conspiradores se aproximando, mas cheios de mesuras e subserviência e, até se prostam aos pés de César.
Palavras traiçoeiras apunhalam César, além de Brutus quando César exclama: – Até tu, Brutus? (Et tu, Brutus?). A frase é amplamente utilizada para significar uma inesperada traição de um amigo, essa frase é originalmente mencionada, com as formulações semelhantes, por fontes antigas. Contudo, recentemente, ela ganhou fama exatamente por sua presença na peça “Júlio César”, de William Shakespeare. Ocorre no ato III, cena 2, quando está sendo esfaqueado até a morte e reconhece seu amigo e protegido, Brutus, dentre os assassinos.
Na peça Júlio César (1599) César diz “Até tu, Brutus? Então caia, César!”. Shakespeare utiliza uma frase frequentemente mencionada em seu tempo.
Por exemplo, Edmond Malone[11] afirma que essa frase aparece na peça Caesar Interfectus de Richard Eedes (1582). Também ocorre em The True Tragedie of Richard Duke of Yorke, and the death of good King Henrie the Sixt, with the Whole Contention betweene the two Houses Lancaster and Yorke (1595), que é a primeira versão impressa da peça Henrique VI, Parte 3, também de Shakespeare.
Os espanto de César ao ver que até mesmo Brutus participava da conspiração, sendo um de seus assassinos.
A doutrina jurídica não aprova surpresas, os comportamentos contraditórios, pois protege a justa expectativa. Sendo razoável que se adotem condutas harmoniosas dentro de expectativa justa.
Em síntese, como uma parte pode exigir o cumprimento de uma determinada regra contratual, se ela mesma a desrespeita. A fórmula tu quoque no traduz o aflorar da regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica, não poderia sem abuso, exercer a situação jurídica que a mesma norma lhe tivesse atribuído.
Há em jogo vetor axiológico contido no brocardo latino e sua aplicação requer cautela. Apesar de subserviência, o gesto da punhalada diz outra coisa. Exige-se que haja harmonia e coerência entre as palavras e a conduta exteriorizada.
Aliás, segundo a lição de Sêneca, muito reverenciado por Shakespeare, que lecionava que se deve comprovar as palavras com os atos (In: SÊNECA, Lucio Aneu. Cartas à Lucílio. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p.70).
Realmente, a maior atenção tem se voltado para a boa-fé[12] no Brasil, particularmente, em sua dimensão objetiva. A boa-fé objetiva é instituto poliédrico pois é atuante em diversas frentes de forma a proteger a moralidade e a confiança necessárias ao bom tráfego jurídico e a harmoniosa convivência social.
O fenômeno tu quoque (tu também) ou até tu, conhecido como uma das manifestações da boa-fé objetiva e introduzido entre nós por influência da doutrina e jurisprudência portugueses, as quais, por sua vez, se abeberam nas fontes alemãs[13] que esquadrilharam a configuração do instituto.
De todas as emanações de boa-fé objetiva[14], a figura do tu quoque talvez seja a menos estudada pela doutrina, mas vem se alastrando especialmente no cotidiano dos tribunais brasileiros e estrangeiros.
A presença literária mais antiga da expressão encontramo-la em Gaius Suetonius Tranquillus (Suetônio, por volta de 69 d.C.), historiador romano, o qual sustenta que alguns atribuíram a frase ao Imperador Júlio César, quando de sua morte, dita a Marco Júnior Brutus, um dos conjurados que o haveria de matar. A historiografia indica que Brutus era próximo a Júlio César, sendo disputada a questão quanto ao fato de se realmente era seu filho (especulação que decorre do fato de que a mãe de Brutus seria concubina de Júlio César).
De qualquer forma, Júlio César o aceitou em seu círculo íntimo, chegando mesmo a nomeá-lo governador da Gália e, posteriormente, pretor urbano. Segundo o relato de Suetônio, a frase dita a Bruto não teria sido pronunciada em língua latina, mas sim, em língua grega: “??ì ?ù ??????” (“também tu, filho?”), demonstrando toda a estupefação de César com a participação de Bruto no ato, embora o próprio historiador duvide do fato de que Júlio César haja pronunciado qualquer palavra nesta ocasião.
Na Antiguidade romana, também Lucius Claudius Cassius Dio Cocceianus (por volta de 155 d.C.) alega que alguns teriam atribuído a frase grega acima a Júlio Cesar, mas tampouco crê em sua veracidade.
Morto César, os conspiradores posam como libertadores de Roma e usam palavras de ordem, numa vibração de pura demagogia. Marco Antônio que não participou de conspiração envia mensagem a Brutus e reconhece que gostava de César, mas diz que Marco Antônio não gostará mais de César morto, tanto gosta de Brutus vivo.
Por conta disso, Brutus aceita que Marco Antônio compareça ao funeral de César. O povo requer uma explicação sobre o motivo da morte de César, se era um grande herói guerreiro.
O povo se convence com o discurso de Brutus posto que apresente ponderação. Brutus amava César e, todos sabem disso, mas amam mais a coisa pública, a res publica[15]. Admirava a coragem do General César, mas odiava a sua ambição. Brutus explica e, justifica a sua escolha feita entre proteger seu interesse pessoal e o interesse da coletividade. Brutus optou pelo último e, quem pode criticá-lo?
Eis o artifício de argumentação adotado por Brutus, pois ninguém amavam César mais do que ele. Assim, é também o maior sofredor com a morte de César. Tudo deve ser feito para proteger a sociedade de um tirano.
Marco Antônio pranteia e discursa para a turba que, naquele momento, aplaudia o assassinato de César. Dissimula suas intenções, pois pretende afirmar, que os conspiradores são desprezíveis, pois fora de forma vil e covarde o ato contra o General César.
Marco Antônio fala o oposto do que ele pensa, é um grande orador, os conspiradores não são honrados. E, então, perturba a plebe. A palavra e o espírito do discurso são antagônicos. O povo dirige seu furor contra os conspiradores e, a turba deseja vingança.
Pela pujança do discurso os mesmos homens que haviam cometido o assassinato de César depois, aplaudem o ato, e, mais adiante, voltam a reprová-lo.
Ora César, é um deus. Ora César, é um tirano. Até o poeta Cina em perfeita metáfora é vitimado pela cegueira da turba. Afinal, a poesia que é manifestação de alma, não sobrevive à selvageria.
O bardo mostra o quão volúvel é a vontade popular, sendo mais um títere nas mãos e na boca de hábeis oradores. O povo é vítima de uma eficiente retórica.
Ao debatermos os assuntos em massa, consumimos em massa, tanto a política como o Direito que são voltados para a massa indefesa. Ihering denunciou in litteris: “A liberdade ilimitada nas relações e transações sociais é um prêmio conferido à extorsão, uma licença de caça outorgada a piratas e salteadores com o direito de fazerem presa sobre todos aqueles que lhes caírem nas mãos!” “Desgraçadas vítimas! Que os lobos reclamem a liberdade, compreende-se; mas que os carneiros continuem fazendo coro com eles… apenas prova que eles são carneiros!” (In: Rudolf von Ihering. A Evolução do Direito. 2ª edição. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1956, p. 130).
Marco Antônio lidera um exército contra as tropas de Brutus e Cássio. Ao final, quando estão encurralados, se matam. César é a tragédia de Brutus ingênuo e crédulo que se deixa levar por outros. Foi o autêntico inocente útil. Afinal, a oratória, como arte da persuasão em palavras teve fundamental papel na trama.
A oratória é fundamental na vida e prática dos profissionais do Direito, prioriza a expressão objetiva e oral para que se possa galgar sucesso profissional visto que a fala aliada a capacidade intelectual é grande ferramenta laboral do advogado.
Em “Júlio César”, o bardo registra “Os homens, em algum tempo, são mestres de seu destino”. Reside aí, a responsabilidade subjetiva[16] tão preciosa ao direito. Não obstante que a responsabilidade objetiva[17] corresponda a uma adequada evolução.
Ao fim, reconheceu Marco Antônio a pureza de Brutus para inspiradora quando John Wilkes Booth[18] em um teatro em Washington, matou um dos presidentes dos EUA, Abraham Lincoln[19].
A peça Júlio César tem um caráter atemporal e, depois de muito tempo, ainda padecemos dos mesmos problemas, o mecanismo de líderes políticos, habituados a recorrer às emoções e aos medos do povo que em apresentar novas ideias, demonstra o distanciamento da elite, apenas preocupada em preservar os seus interesses, ainda que desobedecendo a lei, a mudança repentina de humor do povo, capaz tanto de criar heróis como a mesma celeridade com que os destrói.
Através da boca de Cássio que, após participar do assassinato de César, afirma “em quantos séculos vindouros/ será reencenado nosso grande feito em línguas do futuro e em terras por nascer!”. No momento, Cássio jactava-se, imaginando que as pessoas saudariam os assassinos como libertadores da tirania, mas logo a balança da História transformaria esse vaticínio em tragédia, com os autoproclamados heróis tendo que fugir da fúria daqueles que pensavam ter salvo. No fundo, a punhalada nunca terminou.
A frase antecipa também um dos mais perenes assuntos do drama shakespeariano: o tema do traidor, ou o quanto a existência de um traidor é decisiva para a validação de uma ideia.
Referências
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[1] Há 63 (sessenta e três) anos, no início de 1958, o Tribunal Constitucional alemão julgou o caso Lüth, considerado por muitos como o mais importante de sua história. Pela primeira vez, uma corte constitucional admitia que um particular utilizasse direitos fundamentais contra outro particular. A grande inovação ocorrida em 1958 foi a de se entender que um particular poderia ofender direitos fundamentais em face de um igual. Houve casos antes do julgamento do Tribunal Constitucional Federal nos quais esse problema surgiu, mas somente com a decisão Lüth é que se criou uma doutrina permissiva da chamada “eficácia indireta dos direitos fundamentais em relação aos particulares”, a qual se espalhou por todo o mundo, afirmando o prestígio do tribunal alemão e do modelo de jurisdição constitucional ali desenvolvido. O caso tem particularidades muito interessantes. Veit Harlan (1899-1964), durante o nazismo, foi um dos mais populares cineastas do regime. Em 1940, dirigiu o filme O Judeu Süß, uma das mais abjetas películas já produzidas por sua incitação ao ódio contra os judeus. Após a guerra, assim como muitos dos que serviram ao nazismo, Harlan foi julgado, mas terminou absolvido. Voltou a dirigir e, em 1951, lançou o filme romântico Amada Imortal. Um jornalista alemão e ex-combatente na Segunda Guerra, Erich Lüth (1902-1989), iniciou um boicote nacional contra o filme de Harlan, em razão de seu passado nazista. Os protestos ocorreram em vários cinemas, e os produtores do filme Amada Imortal processaram Lüth, sob a alegação de que ele violara o Código Civil ao praticar atos contra os bons costumes. Derrotado no Tribunal de Hamburgo, Lüth reclamou ao Tribunal Constitucional, que decidiu a seu favor. Segundo o tribunal, haveria uma “ordem objetiva de valores” na Constituição, e todo o ordenamento jurídico seria irradiado por essa ordem, incluindo-se aí o direito civil e as relações entre particulares. A decisão realçou que os casos regidos pelo Direito Civil deveriam ser apreciados prioritariamente com base em princípios, métodos e regras do próprio Direito Civil. Somente em situações extremas, nas quais houvesse a necessidade de recurso aos direitos fundamentais, esses incidiriam indiretamente e seriam filtrados por normas privadas. Para além da importância da decisão em si, ela tem um significado simbólico ainda hoje útil: a ideia de autocontenção da jurisdição constitucional e o respeito às soluções dos casos com base na ação do legislador democrático.
[2] O Tribunal Constitucional Federal (em alemão: Bundesverfassungsgericht, ou BVerfG) é um tribunal especial estabelecido pela Grundgesetz, a Lei Fundamental alemã. Desde a sua criação, o Tribunal Constitucional foi localizado na cidade de Karlsruhe, intencionalmente deslocada das outras instituições federais, como a sede do governo (anteriormente em Bonn, agora em Berlim), a sede do Bundesnachrichtendienst (BND), a agência de inteligência alemã (perto de Munique), ou na sede do Deutsche Bundesbank, em Frankfurt am Main. O presidente atual é Andreas Voßkuhle. A única tarefa do juiz é uma revisão judicial. Pode, portanto, declarar inconstitucionais os atos públicos e, assim, torná-las ineficazes. Como tal, é semelhante à Suprema Corte dos Estados Unidos. No entanto, o Tribunal de Justiça possui uma série de poderes que o Supremo Tribunal de Justiça estadunidense não tem. No entanto, ele difere do SCOTUS e outros supremos tribunais em que não é parte integrante do sistema judicial regular (exceto para as áreas de direito constitucional e direito internacional público), mas instalado como uma instituição separada judicial. Muitos outros países ao redor do mundo possuem tribunais constitucionais separados semelhantes ao Tribunal Constitucional Federal. Mais importante ainda, o Tribunal Constitucional Federal não serve como tribunal de apelação regular dos tribunais inferiores ou os Supremos Tribunais Federal como uma espécie de “tribunal superapelativo” em qualquer violação das leis federais. A sua competência está centrada em questões constitucionais, a integridade da Grundgesetz e o cumprimento imediato de qualquer instituição governamental qualquer detalhe (artigo 1º inciso 3º da Grundgesetz). Mesmo emendas constitucionais ou de alterações votadas pelo Parlamento estão sujeitos à revisão judicial, uma vez que têm de ser compatíveis com os princípios mais fundamentais da Grundgesetz (devido ao seu artigo 79 (III), chamados de “cláusula pétrea”). A prática do corte de frequência enorme controle constitucional, por um lado, e a continuidade da restrição judicial e revisão política, por outro lado, criaram um defensor exclusivo da Grundgesetz desde a Segunda Guerra Mundial e deu-lhe um papel extremamente importante na democracia moderna na Alemanha.
[3] O trabalho do Tribunal Constitucional Federal também tem implicações políticas. Isto se torna particularmente claro quando o tribunal declara como inconstitucional uma lei. O tribunal não é um órgão político. Sua escala só é a lei fundamental. Questões de conveniência política deve desempenhar nenhum papel para o tribunal. Ele só define o quadro constitucional da latitude decisão política. A limitação do poder do Estado é uma característica do Estado de Direito.
[4]Em seus livros, Ellwanger, exaltou por várias, o Holocausto, episódio da Segunda Guerra Mundial, arquitetado pelo líder nazista Adolf Hitler, onde foram executados aproximadamente 1 milhão de Judeus, nos campos de concentração, sendo o principal deles Auschwitz, na Polônia. Dentre outros acontecimentos naquele período, os atuais são amplamente citados em seus livros, e consequentemente causando polemica, ainda mais no Brasil, o qual combateu veemente as forças nazifascistas, libertando parte da Itália dominada por aquele regime. Mesmo na região sul, onde encontramos boa parte da população descendente de alemães e italianos, seus livros causaram polemicas. Importante salientar que nossa Constituição Federal, no seu “art. 5º, XLII, já preceitua que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Nos atentamos ainda a Lei 7.716/89, que trata sobre os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor em específico.
[5] Para Robert Alexy, a ponderação é um método representado pela aplicação de um dos elementos parciais da proporcionalidade, a proporcionalidade em sentido estrito. Esta busca constante de harmonização demonstra a importância da proporcionalidade. A ponderação descrita por Alexy foi uma conquista que permite tentar atingir a maximização da realização de princípios, sem precisar recorrer à invalidação de um deles. A importância histórica deste método é indiscutível e ele foi o único encontrado pelo direito até o início deste século que se adaptou à concepção de que normas não são apenas regras.
[6] De volta a Roma, tornou-se cônsul vitalício e, em fevereiro de 44 a.C., assumiu o título de “ditador perpétuo”. Por medo ou bajulação, o Senado passou a cobri-lo de honrarias. Com excesso de poder acumulado em suas mãos, acabou criando inimizades, e desprezava toda e qualquer crítica ou advertência. A República não lhe interessava, por estar convencido de que, com instituições democráticas, era impossível governar um império mundial. Sob seu reinado, a República foi sistematicamente transformada num sistema ditatorial.
[7] A Terceira Guerra Civil da República Romana, conhecida também como a Guerra Civil dos Libertadores, foi iniciada pelo Segundo Triunvirato para vingar o assassinato de Júlio César. A guerra foi travada pelas forças de Marco Antônio e Otaviano (os membros do segundo triunvirato), contra as forças dos assassinos de César, Marco Júnio Bruto e Caio Cássio Longino em 42 a.C. Após o assassinato de Júlio César, Bruto e Cássio (os dois principais conspiradores, conhecidos como libertadores), haviam deixado a Itália e assumiram o controle de todas as províncias orientais (da Grécia, Macedônia à Síria), e dos reinos orientais aliados.
[8] Conta-nos Antônio Filardi Luiz, em seu cuidadoso e excelente “Dicionário de Expressões Latinas”, Ed. Atlas, 2000, p. 33: “Alea jacta est. A sorte está lançada. O Senado Romano, para garantir Roma contra o general que comandasse na Gália, havia declarado sacrílego e parricida quem atravessasse o rio Rubicão, que separava a Gália Cisalpina da Itália. Quando o Senado recusou a César o consulado e a continuação de seu governo, estando ele nas Gálias (atualmente região da Espanha), resolveu marchar sobre Roma e derrubar Pompeu. Às margens do Rubicão, hesitou, mas em seguida exclamou: alea jacta est, atravessou o rio e partiu para Roma, onde, triunfante, foi aclamado pelo povo”. Renzo Tosi registra, em seu não menos cuidadoso e mais abrangente “Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas”, tradução de Ivone Castilho Benedetti, Martins Fontes, SP, 1996, p. 725/726: “Alea iacta est. O dado está lançado. … Segundo Suetônio (Vida de César, 32), ela foi realmente pronunciada por Júlio César em 10/11 de janeiro de 49 a.C., no momento em que atravessou o Rubicão, rio da Romanha que marcava as fronteiras da Itália e que, portanto, nenhum comandante poderia atravessar armado, sem tornar-se, automaticamente, inimigo de Roma: esse ato foi indicado como início oficial da guerra civil contra Pompeu. Na realidade, o texto de Suetônio diz Iacta alea est e, com ótimos motivos, foi corrigido por Erasmo para Iacta alea estão, ‘o dado seja lançado'”. No imperativo. In: MOREIRA, Silvio Teixeira. Latinório. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/latinorio/159269/alea–jacta-est Acesso em 03.12.2021
[9] A constituição do Segundo Triunvirato e atribuição de poderes excepcionais a António, Otávio e Lépido justificou-se no período de crise sem precedentes que se seguiu ao assassinato de Júlio César nos Idos de Março de 44 a.C. Otávio então com cerca de 20 anos era filho adotivo do ditador, António e de Lépido dois dos seus comandantes de maior confiança; todos ambicionavam poder e vingança. A primeira ação dos triúnviros foi a de eliminar todos os homens que conspiraram contra César – Cícero foi uma das vítimas – e perseguir Bruto e Cássio que, entretanto, haviam se refugiado na Grécia.
[10] Mário Cortella com razão explicou que ditador era aquele que ditava a ordem, era função e, não adjetivo que depois se tornou pejorativo. Ditador era o título de um magistrado da Roma Antiga apontado pelo senado romano para governar o estado em tempo de emergências. No sentido moderno, refere-se a um governante absolutista ou autocrático que assume solitariamente o poder sobre o Estado (apesar de o termo não ser aplicado a monarquias absolutistas).
[11] Edmond Malon (1741-1812) foi erudito e editor das obras de W. Shakespeare, de origem irlandesa. Em certas ocasiões é escrito como Edmund. Edmond Malone, Shakespearean Scholar: A Literary Biography. [S.l.]: Cambridge: Cambridge University Press
[12] No direito romano, o vocábulo fides apresentava três significados, o primeiro deles estava presente nas XII tábuas, a chamada fides-sacra, que era ligada à boa-fé de conotação religiosa e moral; a segunda, a fides-fato, ligada à noção de garantia; e a terceira a fides-ética, que era vista como um dever. Esta última, certamente, foi primordial para o desenvolvimento dos estudos sobre a boa-fé objetiva, vista nos tempos atuais como um dever ético-moral.
[13] O Poder Judiciário alemão tem como primeiras instâncias os tribunais de comarca (Amtsgericht) e os regionais (Landgericht), conforme a causa. Já os tribunais de relação ou recurso chamam-se Oberlandesgericht. A Corte Federal de Justiça (Bundesgerichtshof) é a última instância para casos de direito civil e penal, tendo como missão não só julgar recursos, mas também unificar sentenças divergentes emitidas por tribunais inferiores. A Alemanha tem ainda cortes especializadas de âmbito nacional. O Tribunal Federal do Trabalho (Bundesarbeitsgericht) corresponde ao TST brasileiro, mas alguns outros não têm paralelo no Brasil. A Corte Federal das Finanças (Bundesfinanzhof), por exemplo, ocupa-se de casos tributários e alfandegários, enquanto o próprio nome deixa clara a área do Tribunal Federal de Patentes (Bundespatentgericht).
[14] As raízes da aplicação do conceito de boa-fé remontam ao período romano, sendo, à época, caracterizado pelas expressões fides e bona fides. Para os romanos, a fides representava a expressão de um comportamento pautado no respeito à palavra dada, uma forma de demonstrar confiança. Pablo Stolze discorrendo sobre quem primeiro comentou o conceito de boa-fé, assim aduz: “a noção de boa-fé (bona fides), ao que consta, foi cunhada primeiramente no Direito Romano, embora a conotação que lhe foi dada pelos juristas alemães, receptores da cultura romanista, não fosse exatamente a mesma”. Portando, foram os romanos que iniciaram os estudos sobre o princípio da boa-fé objetiva, dando-lhe um significado ético e que mais tarde se transformaria em um instituto jurídico adotado em vários países.
[15] República é um modelo de regime político – nascido no século VI a.C., em Roma – que legou ao mundo instituições importantes para a manutenção da organização social. O termo “república” deriva do latim Res Publica e significa, literalmente, “coisa pública”, isto é, aquilo que diz respeito ao interesse público de todos os cidadãos. República é uma forma ou modelo de organização política que teve origem na antiga Roma, no século VI a.C., após a derrubada do último rei etrusco, Tarquínio, que tinha influência sobre a região do Lácio, na Península Itálica, onde está situada Roma. O fim da monarquia em Roma foi ocasionado por um golpe político dado pela aristocracia patrícia da cidade. Na antiga Roma, o senado e as assembleias constituíam esse “corpo parlamentar”. Dos senadores provinha a autoridade sobre os magistrados, que tinham funções administrativas de acordo com seu posto e jurisdição, de modo semelhante ao que acontece hoje com os membros do Poder Executivo republicano. Entre os cargos da magistratura na República Romana, estavam os cônsules (o mais alto posto), pretores, censores, questores, edis e, em ocasiões específicas, como o tempo de guerra, o ditador.
[16] A diferença é que na responsabilidade civil subjetiva a vítima precisa provar a culpa do agente, enquanto na responsabilidade civil objetiva não há necessidade comprobatória de culpa. por isso, o tipo de responsabilidade dependerá da análise caso concreto de acordo com as leis e decisões dos Tribunais nos processos sobre o tema. Resumindo: a diferença entre as duas modalidades de responsabilidade é a necessidade de comprovação da culpa para que o causador do dano tenha o dever de indenizar. Se requer culpa, é subjetiva; se não, é objetiva. Entretanto, foi com o Código Napoleônico que surgiram os contornos atuais do instituto da responsabilidade civil operamos nos dias de hoje. Foram abandonados os critérios e o rol dos casos de reparação obrigatória, para a instituição do dever de reparar em todos os casos de dano, independentemente do grau ou nível da culpa do agente ofensor.
[17] Por derradeiro destacamos a lição de Orlando Gomes, em sua obra atualizada por Humberto Theodoro Júnior, no sentido de que “Realmente, apesar da multiplicação dos casos submetidos ao princípio da responsabilidade objetiva, permanece, como regra geral, o preceito que condiciona a obrigação de reparar o dano à culpa do agente. Não foi arredado sem embargo da adoção de processos técnicos que elastecem consideravelmente sua aplicação. Nem é possível a substituição pelo risco, porque esta ideia não comporta a mesma generalização. Ainda que se multipliquem asa situações nas quais a obrigação de indenizar seja imposta independentemente da culpa, a solução continuará com o caráter de exceção que possui atualmente. É que a ideia de culpa não pode ser dissociada do conceito de delito. Afora, pois, os casos especificados em lei, nos quais o dever de reparar está previsto e determinado com abstração da conduta do obrigado, a responsabilidade há de resultar de investigação dessa conduta para a verificação de sua anormalidade. Sempre que se quiser atribuir esse dever sem esse pressuposto, há necessidade de especificá-lo na lei. Assim, a questão teria solução extremamente casuística, se porventura se viesse a suprimir a fonte genérica e abstrata da responsabilidade, que é a culpa”.
[18] John Wilkes Booth era um ator, originário do estado do Maryland, um simpatizante da causa da Confederação, ou seja, do conjunto de estados do Sul que se tinham separado e que estavam em guerra com a União dos Estados Unido, e um opositor da abolição da escravatura. Booth e um grupo de conspiradores começaram por planear o rapto do presidente, mas posteriormente acabaram por decidir-se pelo assassinato, não apenas do presidente Lincoln, mas também do vice-presidente e do secretário de estado. Tratou-se de uma tentativa desesperada para tentar inverter o rumo da guerra civil, que por esta altura estava já perdida para a causa do Sul. O momento e o local foram escolhidos devido às informações de que Lincoln se faria acompanhar, na deslocação ao teatro, pelo general Ulysses Grant, o comandante do exército da União, mas que acabou por não aceitar o convite do presidente.
[19] Abraham Lincoln, o 16.º Presidente dos Estados Unidos, foi assassinado pelo conhecido ator teatral John Wilkes Booth em 14 de abril de 1865, enquanto assistia a peça “Nosso primo americano” (Our American cousin) no Teatro Ford em Washington, D.C. Baleado na cabeça durante a peça, Lincoln morreu no dia seguinte às 7:22, na Petersen House em frente ao teatro. Ele foi o primeiro presidente estadunidense a ser assassinado; seu funeral e enterro marcaram um longo período de luto nacional. Booth e um grupo de conspiradores planejavam inicialmente sequestrar Lincoln, mas devido a mudanças na agenda do presidente, decidiram por assassiná-lo juntamente com o vice-presidente Andrew Johnson e o secretário de estado William H. Seward, numa tentativa de ajudar a causa dos Confederados. O assassinato de Lincoln não teve qualquer consequência no desfecho da guerra, que estava já perdida para a Confederação. O seu principal estratégia, o general Robert Lee, tinha-se rendido ao general Grant cinco dias antes, no rescaldo de várias derrotas militares.