Um projeto de lei inconstitucional
Ives Gandra da Silva Martins*
O projeto de lei 183/05, de autoria do Vereador Anselmo Tatto, que regula matéria de competência legislativa da União e que pretende instituir o pagamento de taxa de estacionamento
Aliás, não só para mim, mas também –e o que é mais relevante- para o Supremo Tribunal Federal, a julgar pelo que sinalizam os precedentes.
O referido projeto de lei pretende isentar de pagamento os veículos que ficarem estacionados nestes pátios por menos de 1 hora, definindo, inclusive, tempo de permanência posterior para gozo de isenção.
A matéria é nitidamente de competência federal. De início, o projeto intervem na administração de empresas, impondo um planejamento obrigatório para o setor privado (haverá a necessidade de se reformular o custo do serviço terceirizado nos estacionamentos), quando a Constituição Federal declara que o planejamento econômico é apenas indicativo para o setor privado (artigo 174). Por outro lado, interfere na livre iniciativa (impondo ônus econômicos), ferindo o artigo 150, inciso II; macula a livre concorrência (inciso IV do art. 170), prejudicando os outros estacionamentos da redondeza; e dilacera o § único do referido artigo, que não admite restrições dessa natureza às empresas privadas.
Acresce-se que, sendo a matéria de direito civil, estraçalha a competência privativa da União (art. 22 inc. I), única com o direito privativo e exclusivo de legislar sobre direito civil.
Tentativas semelhantes já foram envidadas em outros locais, tendo sempre o Supremo Tribunal Federal as atalhado, declarando a inconstitucionalidade das leis que as pretendiam implantar. É o caso, por exemplo, da gratuidade nos estacionamentos das Universidades, pretendida pelo Distrito Federal, cuja lei foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte.
O Ministro Sydney Sanches relator da ADIN n. 2448-5-DF, assim ementou a decisão do Pleno daquela Corte:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO “OU PARTICULARES” CONSTANTE DO ART. 1 DA LEI N. 2.702, DE 04/04/2001, DO DISTRITO FEDERAL. DESTE TEOR: “FICA PROIBIDA A COBRANÇA, SOB QUALQUER PRETEXTO, PELA UTILIZAÇÃO E ESTACIONAMENTO DE VEÍCULOS EM ÁREAS PERTENCENTES A INSTITUIÇÕES DE ENSINO FUNDAMENTAL, MÉDIO E SUPERIOR, PÚBLICAS OU PARTICULARES.
ALEGAÇÃO DE QUE SUA INCLUSÃO, NO TEXTO, IMPLICA VIOLAÇÃO ÀS NORMAS DOS ARTIGOS 22, I, 5º, XXII, XXIV e LIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
QUESTÃO PRELIMINAR SUSCITADA PELA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL: a) DE DESCABIMENTO DA ADI, POR TER CARÁTER MUNICIPAL A LEI EM QUESTÃO; b) DE LEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM”.
MEDIDA CAUTELAR (ART. 170, § 1º DO R.I.S.T.F).
….
6. Cautelar deferida. Decisão unânime” (DJ. 22.03.2002, EMENTÁRIO N. 2062-1, 01/02/2002, TRIBUNAL PLENO).
Tal decisão foi confirmada por decisão final, em 23/04/2003.
O Ministro Moreira Alves, por outro lado, na ADIN 1623-7-RJ, também deferiu cautelar no mesmo sentido, declarando:
“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 2.050, de 30 de dezembro de 1992, do Estado do Rio de Janeiro. Vedação de cobrança ao usuário de estacionamento em área privada. Pedido de liminar.
– Tendo em vista o precedente invocado na inicial -a concessão de liminar na ADIN 1.472 que versa hipótese análoga a presente- não há dúvida de que é relevante a fundamentação jurídica do pedido, quer sob o aspecto da inconstitucionalidade material (ofensa ao artigo 50, XXII, da Constituição Federal, por ocorrência de grave afronta ao exercício normal do direito de propriedade) quer sob o ângulo da inconstitucionalidade formal (ofensa ao art 22, I, da Carta Magna, por invasão de competência privativa da União para legislar sobre direito civil).
– Por outro lado, manifesta-se a conveniência da concessão da liminar, inclusive pela possibilidade de aumento dos distúrbios sociais que vem causando a aplicação dessa lei” (D.J. 05.12.97, EMENTÁRIO N. 1894-01, 25/06/97, Plenário).
O mesmo ocorreu na ADIN n. 1918-1, em que foi relator o Ministro Maurício Corrêa, contra o Estado de Espírito Santo.
Não só, portanto, entendo que tal projeto é de manifesta inconstitucionalidade, como o fez, com muito mais propriedade, a Suprema Corte desta nação.
Parece-me, pois, que, em defesa da Constituição e do Direito, deve S.Exa. o Prefeito de São Paulo vetar a referida lei, para que não fique com a sua imagem desfigurada, por avalizar legislação que não resistirá, se levada aos Tribunais, ao teste de constitucionalidade.
A bem do respeito aos direitos maiores do cidadão e para que a Carta Magna não seja violentada, a utilização do veto é a única forma de garantir a supremacia da lei suprema sobre maculações provocadas por projetos de lei deste teor. Que se respeite a Constituição, para que tenhamos assegurado o Estado Democrático de Direito.
* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: www.gandramartins.adv.br
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