Súmula Vinculante Nº 13 – Novas Considerações
Samir Maurício de Andrade*
Com o número 13, assim ficou o seu enunciado:
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”
Para nos determos aos termos técnicos e jurídicos, vejamos os significados de algumas expressões:
“Companheiro” é a pessoa com quem se vive em união estável, como se casados fossem;
“Linha reta” é a linha da descendência (ou ascendência): bisavô, avô, filho, neto, bisneto…
“Colateral” é a linha horizontal do parentesco (irmão, irmã).
Essas considerações acima, no que se refere aos parentes, em linha reta e colateral é fácil de assimilar, e está estabelecido nos arts. 1591 e 1592 do Código Civil, segundo os quais o parentesco por consangüinidade firma-se por linhas e graus, cujos doutrinadores definem:
‘A linha estabelece a relação de parentesco de pessoas oriundas de um mesmo tronco ancestral, e que, podem ser de duas espécies; a reta e a colateral.
A linha reta é aquela em que as pessoas descendem entre si, ocorrendo a ascendência ou descendência direta do próprio tronco ancestral. A citar, os avôs, os pais e os filhos. Enquanto a linha colateral, embora descendendo de um mesmo tranco ancestral, estas pessoas não descendem diretamente uma das outras, mas sim, de um ancestral comum’.
Já, no que se referem os graus, assim pode-se definir:
‘Os graus são o meio apto para a determinação da proximidade ou remoticidade nas relações de parentesco.
Tal medida da distância encontra-se disposta no artigo 1.594 do Código Civil:
“Art. 1594 – Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente”.
Assim, a contagem dos graus na linha reta, não oferece maiores dificuldades, uma vez que, basta observar o número de gerações.’
Dessa forma, a expressão “até o terceiro grau” refere-se à contagem da graduação do parentesco, que vai até o tronco comum e retorna. Cada ligação direta de parentesco representa um grau. Assim, o pai é parente de primeiro grau em relação ao filho. Este é parente de segundo grau em relação ao avô. Do filho ao tio, contam-se três graus: primeiro, do filho ao pai; segundo, do pai ao avô (tronco comum); terceiro, retorna do avô ao tio. Portanto, primos ficam fora da vedação, porque são parentes de quarto grau.
A questão, todavia, que merece uma melhor análise está, sem sombra de dúvidas, na questão da expressão “afinidade”.
Como ensina nossos doutrinadores, a expressão “por afinidade” decorre do “parentesco” que não resulta de vínculo sangüíneo. Diz respeito ao cunhado, cunhada, genro, nora, sogro, sogra, do padrasto e da madrasta, do genro e da nora, do enteado, da enteada, etc., que podem ser considerados como “parentes”, por afinidade, em razão de um “vínculo” criado pelo casamento ou concubinado.
Como é de conhecimento notório, o casamento ou o concubinado, não cria entre os cônjuges qualquer parentesco, razão pela qual a súmula expressamente previu a figura do “cônjuge” ou o “companheiro, cercando a questão do nepotismo, para além do parentesco, ou seja, a AFINIDADE.
Assim, para evitarmos deslizes, na questão da “afinidade”, é imprescindível aprofundar estudo da redação do art. 1.595 do Código Civil, que não POSSUI A PREVISÃO DE PARENTESCO DE 3º GRAU, mas somente até o 2º, porque expressamente assim definiu em seu parágrafo 1º:
‘Artigo 1.595 – Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.
§ 1º – O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.
§ 2º – Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.’
Dessa forma, resta configurado, de forma clara, a intenção do E. STF ao editar a referida súmula, adotando critérios já previstos em norma do Conselho Nacional de Justiça, que legislou para um dos poderes da República, qual seja o Judiciários e, agora, estendeu esse conceito para os demais Poderes da República (Executivo e Legislativo), donde se encontra também o D. Ministério Público, que também possui norma própria, mas, que neste novo contexto, também deverá seguir a referida orientação.
Entendo de outra forma, que a referida Súmula só não se aplica (não está explícito no enunciado, mas integra o voto do Eminente Ministro Peluso, bem como nas discussões que originaram a redação da citada Súmula) aos cargos ocupados por agentes políticos. Assim, um prefeito pode nomear a esposa para assumir determinada secretaria municipal, assim como o governador pode nomear um irmão para secretário de Estado ou o presidente nomear ministro o seu próprio filho, etc.
É de se assinalar que o Supremo Tribunal Federal não “proibiu” coisa alguma, pois não detém competência para legislar. Apenas reconheceu e interpretou que a Constituição Federal (que é norma editada pelo Poder Legislativo – competente para editar normas legais), proíbe as contratações que caracterizam “nepotismo”, ao dilapidar o princípio da moralidade e impessoalidade.
A partir da publicação da súmula, não mais caberá discutir se é lícito ou não contratar parentes, nas condições descritas nesse enunciado, mas apenas aplicar a decisão do Supremo.
Assim, cada vez que as pessoas autorizadas pela legislação vierem a promover ação de improbidade, ou que qualquer cidadão promova ação popular, denunciando uma contratação ilícita, o juiz da causa estará obrigado a reconhecer a existência de nepotismo (se restar comprovado o parentesco na forma acima delineada, é claro) e aplicar as medidas cabíveis (como determinar ao poder competente que exonere o servidor contratado nessas condições, responsabilizar o servidor e quem o contratou a ressarcir os cofres públicos etc.).
Isto porque, somente os legitimados a que se refere o art. 3º da Lei nº 11.417/06, poderão pleitear a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula, cuja decisão dependerá da aprovação de 2/3 (dois terços dos membros do STF, em decisão plenária, devendo observar, também, as regras estampadas no art. 6º da citada lei.
Todavia, pela redação dada, haverá necessidade de analisar cada caso concreto e, em face da legislação vigente (procedimentos acerca da súmula vinculante – art. 103-A da CF e Lei nº 11.417/06), e, ocorrendo aplicação indevida, negativa de vigência ou contrariedade, utilizar-se do único recurso cabível, s.m.j., que é a reclamação prevista no art. 7º da citada lei.
Frise-se que contra o ato da administração ou omissão, o uso da reclamação SÓ SERÁ ADMISSÍVEL APÓS ESGOTAMENTO DAS VIAS ADMINISTRATIVAS (§ 1º do art. 7º da referida lei).
A regra, naturalmente, só se aplica às contratações para cargos em comissão, cargos de confiança ou função gratificada. Não se aplica, portanto, a servidores admitidos por concurso, mas mesmo estes não poderão assumir cargos de direção, chefia ou assessoramento, quando designados por um parente.
Essa regra, portanto, vale para todos os poderes de nossa República e não perdoa o “nepotismo cruzado”, que ocorre, por exemplo, quando um prefeito nomeia um parente de vereador, e este, em troca, nomeia para seu gabinete um parente do prefeito.
Neste caso (nepotismo cruzado) pela redação da súmula, entendo imprescindível COMPROVAR A OCORRÊNCIA do que a súmula chamou de “ajuste mediante designações recíprocas, cujo autor da ação ou denúncia deverá comprovar essa ocorrência, que houve ajuste, sem adentrar ao mérito de competência, capacidade, etc., principalmente quando o parente de um determinado prefeito tiver sido nomeado, por exemplo, por um vereador que é de oposição ao seu governo e seu inimigo incondicional.
Daí pergunta-se: não estaria havendo uma discriminação muito maior para essa pessoa, pelo simples fato de ser “parente” de alguém que irá ocupar transitoriamente um mandato político? Não se está ferindo cláusula pétrea que veda a discriminação de qualquer natureza prevista no art. 5º “caput” da Constituição Federal?
Também ficará outra indagação: O inciso XIII do art. 5º de nossa Magna Carta, que prevê a liberdade de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, não estaria sendo infringindo pela citada Súmula, no caso da designação de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo para o exercício de uma função de confiança ou cargo de direção, assessoramento ou chefia, quando preencha os requisitos estabelecidos em lei, pelo simples fato de ser parente?
De outro turno, entendo que o servidor que já estiver em exercício de qualquer cargo, emprega em comissão ou função de confiança gratificada, não perderá seus direitos se porventura venha um “parente” ocupar qualquer cargo político, sob pena de infringir o direito adquirido, bem como ato jurídico perfeito (inciso XXXVI da CF).
Aliás, a nossa Magna Carta, já previu, com sapiência, o direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a proibição de exercício de funções e de critério de admissão, por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (inciso XXX do art. 7º, aplicável ao servidor público por força do art. 39, § 3º).
Assim, caberá aos nossos doutrinadores e juristas uma atenção especial para os estudos dos preceitos de forma harmônica de nossa Magna Carta, cuja interpretação ainda demandará, em face ao sumulado, algumas novas indagações quanto aos seus limites e alcance do teor desse enunciado, notadamente quanto ao critério do “parentesco” se estaria ou não alcançado pelos direitos e garantias do cidadão e consideradas como cláusula pétrea (acima nominados), ou se o princípio da moralidade interpretado da forma como restou a redação, estará a prevalecer.
Com a palavra os nossos juristas e doutrinadores para ampliar a discussão desse intrigante tema, notadamente se por um lado estamos a defender o nefasto uso da máquina para apadrinhamentos políticos, de outro não podemos esquecer que há “parentes” que são competentes e tem seus direitos e garantias individuais que se sobrepõem ao parentesco (na maioria das vezes que não teve a oportunidade de escolher), notadamente quando este está no exercício de mandato político transitório, o qual poderá prejudicar um cidadão experiente e plenamente capacitado para o exercício de cargo, emprego ou função pública, quando preenchidos os requisitos estabelecidos em lei.
Vamos aguardar!
* Advogado e Consultor Jurídico
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