Sob a proteção de Deus
Ives Gandra da Silva Martins*
Fui procurado por alguns cidadãos que pretendem iniciar um movimento para retirar, das repartições e de todas as dependências dos três poderes, quaisquer símbolos religiosos, sob a alegação de que o Estado brasileiro é laico.
Pediram o meu apoio – possivelmente como uma provocação – atribuindo-me força, como formador de opinião, capaz de tornar vitorioso o movimento.
Com o respeito que sempre tenho para com as pessoas que defendem teses opostas à minha, disse-lhes que se haviam equivocado ao buscar a minha adesão, por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, porque sou apenas um cidadão comum, que exerce seu direito de expressão. Não me considero formador de opinião e até me espanto que os jornais ainda dêem guarida a meus contínuos protestos em defesa da cidadania.
Em segundo lugar, sou um respeitador da Constituição – embora muitas vezes a critique – e, sem a retirada da expressão “sob a proteção de Deus”, que consta do preâmbulo do texto supremo, o movimento que pretendem iniciar parece inconstitucional.
A troca de e-mails, em que expus meu ponto de vista, acabou com esta resposta, não sabendo se o movimento continua ou não.
O certo, todavia, é que se faz necessário, de uma vez por todas, deixar clara uma coisa: “Estado laico” não significa que aquele que não acredita em Deus tenha direito de impor sua maneira de ser, de opinar e de defender a democracia. Não significa, também, que a democracia só possa ser constituída por cidadãos agnósticos ou ateus. Não podem, ateus e agnósticos, defender a tese de que a verdade está com eles e, sempre que qualquer cidadão, que acredita em Deus, se manifeste sobre temas essenciais – como, por exemplo, direito à vida, eutanásia, família – sustentar que sua opinião não deve ser levada em conta, porque é inspirada por motivos religiosos. A recíproca, no mínimo, deveria ser também considerada, por tal lógica conveniente e conivente, e desqualificada a opinião de agentes ateus e agnósticos, precisamente porque seus argumentos são inspirados em sentimentos anti-Deus.
Numa democracia, todos têm o direito de opinar, os que acreditam em Deus e os que não acreditam. Mas, na democracia brasileira, foram os representantes do povo, reunidos numa Assembléia Constituinte considerada originária, que definiram que todo o ordenamento jurídico nacional, toda a Constituição, todas as leis brasileiras devem ser veiculadas “sob a proteção de Deus”, não podendo, pois, violar princípios éticos da pessoa humana e da família.
Parece-me que os ateus e agnósticos – que se auto-outorgaram o direito de ser os únicos a opinar na democracia brasileira – teriam que começar por mudar o preâmbulo da Lei Maior. Para serem mais fiéis a seus princípios, o preâmbulo poderia dizer:
“Nós, representantes do povo brasileiro, ….. promulgamos, sem a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.
* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: www.gandramartins.adv.br
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