Direito Constitucional

Proposta de emenda inconstitucional

Proposta de emenda inconstitucional

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

A proposta de Emenda Constitucional n. 37/06, em curso no Congresso Nacional, de autoria do Senador Valmir Amaral e tendo como relator nomeado Senador Alvaro Lira, parece-me de manifesta inconstitucionalidade.

 

Pretende dar “status” de Ministro ao Chefe da Polícia Federal, com direito a prender pessoas, quebrar sigilos, investigar e atuar livremente, como a antiga SS ou Gestapo dos tempos de Hitler, tudo isto sem a participação do Poder Judiciário e do Ministério Público.

 

A Proposta objetiva fortalecer de tal forma a Polícia Federal, que os demais Poderes serão caudatários de sua ação, passando, pelas prerrogativas e perspectivas que lhe seriam outorgadas, a ter mais força do que o Poder Judiciário e o Ministério Público.

 

Em editorial de terça-feira, dia 24/10, a Folha de São Paulo condenou, duramente, esta tentativa de redução dos direitos da cidadania e de formação de uma Superestrutura Ministerial, subordinada EXCLUSIVAMENTE ao Presidente da República (o Chefe da Polícia Federal será Ministro), com o que as três instituições essenciais à Administração de Justiça (Poder Judciciário, Ministério Público e Advocacia) ficariam sujeitas à força maior do novo organismo, cujos integrantes, embora tenham formação jurídica, ocupam função com características próprias, bem distintas daquelas que ostentam as três instituições encarregadas da Administração da Justiça.

 

Tanto é assim, que a polícia judiciária – esta sim merecendo ser fortalecida, mas subordinada ao Poder Judiciário- age sempre em consonância com o Poder a que está afeta, tendo o Ministério Público e a advocacia relevante papel na proteção dos direitos dos cidadãos.

 

Canuto Mendes de Almeida costumava dizer que o processo penal, no Estado Democrático de Direito, é a consagração do direito de defesa, pois tem por finalidade garantir ao acusado todos os direitos inerentes à cidadania, inclusive o direito de ficar calado. A PEC trilha caminho inverso.

 

A meu ver, a proposta é inconstitucional. Atinge a separação dos poderes (cláusula pétrea da lei suprema, art. 60, § 4º, inc.III da C.F.), visto que torna o novo Ministro autônomo, independente e mais forte do que o próprio Poder Judiciário e o Ministério Público, obrigados a correr atrás para garantir ou o direito do cidadão ou do Estado, mas já com possíveis violações, em termos de direitos fundamentais, por parte da instituição policial, em sua agigantada função de investigar, independente de qualquer controle.

 

Cria, por outro lado, distorção odiosa entre as polícias estaduais e a polícia federal, o que fere o princípio da isonomia (art. 5º, inc. I da C.F.).

 

Conversei com alguns ilustres membros da Adepol – Associação que os representa – e muitos deles estão receosos do arbítrio que poderá a pretendida alteração constitucional acarretar, com fantástico poder de investigação e de invasão da privacidade dos cidadãos , se o projeto fosse aprovado.

 

A Federação Nacional das Polícias Federais, inclusive, manifestou-se duramente contra a PEC 37/06.

 

A quebra do sigilo, inclusive sem autorização judicial, fere, a meu ver, também, o art. 5º, incisos X e XII, da Constituição, que garante o sigilo de dados e a privacidade.

 

Estou convencido de que projetos semelhantes a este – como o de criação do Conselho Nacional de Jornalismo, a ANCINAV – exteriorizam um viés ditatorial não compatível com o Estado Democrático de Direito brasileiro, razão pela qual espero que, tanto os juristas, quanto OAB, ANJ, Ministério Público, FENAPEF, manifestem-se contrários a criação de uma instituição nos moldes da SS do nacional-socialismo, que, certamente, a classe dos delegados e policiais não deseja. Tendo, no passado, já elaborado pareceres em defesa da categoria, para assegurar-lhe direito que não estava sendo respeitado – ou seja, o de ser considerada carreira jurídica pública – tenho a certeza de que seus integrantes, que conheço e cuja dignidade admiro, não poderão aceitar poderes que permitirão aos governantes, em qualquer época, instrumentalizar a instituição para atingir, profundamente, direitos do cidadão e gerar arbitrariedades incompatíveis com a democracia. “Delenda Emendatio!” É a melhor forma de preservar o Estado Democrático de Direito, no Brasil.

 

 

* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: www.gandramartins.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Proposta de emenda inconstitucional. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/proposta-de-emenda-inconstitucional/ Acesso em: 16 fev. 2025