Direito Constitucional

Princípio da Proibição do Atalhamento Constitucional e do desvio do poder constituinte

Princípio da Proibição do Atalhamento Constitucional e do desvio do poder constituinte

 

 

Ravênia Márcia de Oliveira Leite*

 

 

O tema em epígrafe começou a ser tratado com a consagração da regra estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (Resolução n.° 21.002/02) que trata da obrigatoriedade da verticalização das coligações partidárias em razão do caráter nacional dos partidos políticos.

 

O art. 17, § 1°, da CF/88, estabeleceu ser assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regimento de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital e municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária, in verbis:

 

“§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.”

 

A observação que se faz é com relação ao que traz o artigo 2º da Emenda Constitucional n. 52/2006. Vejamos:

 


“Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se às eleições que ocorrerão no ano de 2002”.

 

Evidencia-se o artigo 16 da CF/88: “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. (Redação da pela Emenda Constitucional nº. 4, de 1993)”.

 

Consagra-se aqui o Princípio da Anualidade, no que tange o processo eleitoral, podendo ser denominado também de Princípio da Anterioridade da Lei Eleitoral que tem a finalidade de assegurar a segurança jurídica, evitando mudanças de regras que, apesar de permitidas”, só valerão, contudo, a partir de um ano de sua vigência.

 

Portanto, o art. 2º da Emenda em análise incorre em vício de desvio de poder ou de finalidade, utilizando-se o legislador de um meio aparentemente legal, buscando atingir um fim não lícito.

 

E, com relação ao princípio da proibição do atalhamento constitucional, o mesmo também restou prejudicado, pois o legislador tentou atalhar o princípio da anualidade ou anterioridade da lei eleitoral, retroagindo os efeitos da Emenda Constitucional n.° 52, com o claro objetivo de não tornar a norma inconstitucional relativamente ao que preceitua o artigo 16 da Constituição Federal de 88.

 

Dessa forma, pode-se afirmar, com o Ministro Ricardo Lewandowski, que a manobra empreendida pela Constituinte Reformador (EC 52/2006) “incorre em vício que os publicistas franceses de longa data qualificam de détournement de pouvoir, isto é, de desvio de poder ou de finalidade, expediente mediante o qual se busca atingir um fim ilícito utilizando-se de um meio aparentemente legal. Em outras palavras, repita-se, buscou-se, no caso, como se viu atalhar o princípio da anualidade, dando efeito retroativo à Emenda Constitucional n.° 52, promulgada em plena vigência do moralizador artigo 16 da Carta Magna. Trata-se, mas palavras do ilustre Professor Fábio Konder Comparato, que elaborou parecer sobre a matéria, de um desvio de poder constituinte, que os autores alemães denominam Verfassunsbeseitigung, expressão que, traduzida literalmente, significa ‘atalhamento da Constituição’”.

 

Portanto, para o fim de se precaver contra qualquer artifício que busque abrandar, abreviar, dificultar ou mesmo impedir toda a amplitude de efeitos não só do princípio da anualidade no processo eleitoral, como observado, mas de todos os princípios constitucionais, prevê-se o Princípio da Proibição do “Atalhamento Constitucional” e do “Desvio do Poder Constituinte”.
Com isso, em 22 de março de 2006, o Supremo Tribunal Federal decidiu a favor da Inconstitucionalidade do Art. 2º da Emenda Constitucional n. 52/2006, através da ADIn n.° 3685, determinando, na prática, a impossibilidade de se alterar o que previa o Art. 17, § 1º (antes da citada Emenda) da Constituição Federal no pleito eleitoral de 2006.

 

Conclui-se, dessa forma, que, o princípio deda qualquer forma ou mecanismo a ensejar o atalhamento constitucional, vale dizer, qualquer artifício que busque abrandar, suavizar, abreviar, dificultar ou impedir a ampla produção de efeitos dos princípios constitucionais, como,  no caso, do princípio da anualidade do processo eleitoral.

 

 

* Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduanda em Direito Penal – Universidade Gama Filho.

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. Princípio da Proibição do Atalhamento Constitucional e do desvio do poder constituinte. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/principio-da-proibicao-do-atalhamento-constitucional-e-do-desvio-do-poder-constituinte/ Acesso em: 26 abr. 2025