Preconceitos Aristocráticos
Ives Gandra da Silva Martins*
Em 1988 foi promulgada a atual Constituição. Cuida, seu Título IV, do Poder Judiciário e das funções essenciais à Administração de Justiça (Ministério Público e Advocacia). Durante os debates em audiências públicas de que participei, sempre expus minha convicção de que as três funções têm igual relevância. Não há Poder Judiciário, sem Ministério Público e Advocacia. Não há Ministério Público, sem Poder Judiciário e Advocacia. Não há Advocacia, sem Ministério Público e Poder Judiciário.
Mostrei a muitos dos parlamentares que o bem maior de um Estado Democrático de Direito é o direito de defesa, inexistente nas ditaduras. E o direito de defesa é fundamentalmente exercido pelo advogado.
Em um dos seminários brasilienses, logo após a promulgação da Lei Maior, presidi uma mesa em que estavam presentes o Deputado Eduardo Magalhães e os Senadores Roberto Campos e Elcio Álvares. Na ocasião, Roberto Campos atacou a Constituinte por ter ofertado à advocacia tratamento diferenciado relativamente a outras funções públicas. Retruquei que a de parlamentar merecera 26 artigos, a de magistrado, 34 e a dos membros do “parquet”, 6 artigos. Aos advogados apenas 3, dos quais 2, à advocacia pública. E lembrei-lhe que, se qualquer parlamentar ou membro do Poder Judiciário tiver que se defender em juízo, necessitará de um advogado. Com bom humor, Roberto disse-me: “Ives, esqueça o que eu disse”.
É que, na verdade, não há função mais ou menos importante, em se tratando de administração da Justiça.
Como velho advogado (que, quando convidado a compor a lista tríplice para a 2ª instância -ao tempo em que os convites eram feitos pelos Tribunais- recusei-o, por reconhecer que a advocacia é minha vocação), vejo com muita tristeza, certos preconceitos aristocráticos que magistrados e membros do “parquet” têm manifestado em relação ao exercício da advocacia e à inviolabilidade de sua atuação, inclusive no que concerne ao sigilo profissional. Reza, o artigo 133, da Constituição Federal, que: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. É difícil interpretar o vocábulo INVIOLÁVEL como sinônimo de “violável”- visto que se trata de conceitos antagônicos – para permitir que escritórios de advocacia sejam invadidos e toda a documentação de clientes, “investigados” ou “não investigados”, ser desventrada para os olhos, muitas vezes, apenas curiosos, de policiais, membros do MP ou do Judiciário.
Mais do que isto, nas manifestações de alguns magistrados ou de alguns membros do Ministério Público e das polícias, quando não de associações de classe, percebe-se que o espírito de 88, que levou o constituinte a falar em “família forense indispensável à democracia”, está se transformando numa “sociedade de inimigos”, em que alguns se consideram em condição superior, como se houvesse hierarquia entre as funções encarregadas da administração da Justiça.
Creio que os integrantes mais experientes das três instituições têm que principiar um trabalho real de restauração do espírito de 88, em que se pretendeu criar um ambiente jurídico democrático, a fim de que as três instituições auxiliassem o desenvolvimento no país, e não a uma relação alicerçada no ódio e no preconceito, exteriorizados em dimensões cinematográficas.
Mais do que nunca, os cabelos brancos devem reorientar os cabelos pretos de jovens que, embora brilhantes, demasiadamente inebriados por suas prerrogativas, perderam o real sentido de suas próprias funções, assim como das prerrogativas dos demais.
* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br
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