O Veto do Governador
Fernando Machado da Silva Lima*
14.12.2004
A Assembléia Legislativa do Estado do Pará aprovou, no mês passado, um projeto de lei complementar que autoriza a prorrogação dos contratos dos servidores temporários.
Esse projeto foi encaminhado ao Governador do Estado, que, de acordo com o art. 108 da Constituição Estadual, poderia sancioná-lo ou vetá-lo, total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis. No entanto, já se tornou praxe, em nosso Estado, na aprovação de projetos polêmicos, a respeito dos quais costumam incidir pesadas acusações de inconstitucionalidade, que o Governador se omita, deixando transcorrer, sem qualquer manifestação, o prazo acima referido, para que o projeto, transformado em lei através da sanção tácita, seja promulgado pelo Presidente da Assembléia Legislativa, no intuito, talvez, de manter a figura do Governador afastada e isenta da polêmica e das conseqüências políticas, que a aprovação desses projetos poderia acarretar. Isso aconteceu em dezembro de 2.002, no governo Almir Gabriel, quando foi aprovada a Lei Complementar nº 43, que autorizou a prorrogação dos contratos temporários até 31.12.2004, e aconteceu agora, novamente, com a Lei Complementar nº 47, de 13.12.2004, que foi promulgada pelo Deputado Mário Couto, tendo em vista a ausência de manifestação expressa do Governador.
O art. 1º dessa Lei dispõe: “Fica autorizada a prorrogação dos atuais contratos temporários, no âmbito da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional de qualquer dos Poderes do Estado, inclusive Tribunais de Contas e Ministério Público, até 31 de dezembro de 2006, que tenham sido admitidos por força da Lei Complementar nº 7, de 25 de setembro de
Aliás, seria muito interessante que a Assembléia Legislativa providenciasse uma revisão gramatical de seus projetos, para que as normas aprovadas tivessem uma redação mais decente e compreensível, como por exemplo: “Art. 1º. Fica autorizada a prorrogação, até 31 de dezembro de 2004, dos atuais contratos temporários dos servidores que tenham sido admitidos, por força da Lei Complementar nº 7, de 25 de setembro de 1991, no âmbito da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional de qualquer dos Poderes do Estado, inclusive Tribunais de Contas e Ministério Público”.
Portanto, mais uma vez, o Governador se omitiu, deixando que o projeto de lei complementar, que permite a prorrogação dos contratos dos servidores temporários, fosse aprovado através da sanção tácita. No entanto, no meu entendimento, essa atitude não é capaz de excluir a sua responsabilidade, nessa aprovação.
O veto, no sistema constitucional brasileiro, é o instituto, característico de um regime de separação dos poderes, através do qual o Chefe do Executivo – seja ele o Presidente, o Governador ou o Prefeito -, manifesta a sua discordância em relação a um projeto de lei, já aprovado pelo Legislativo, impedindo assim a sua transformação em lei, a não ser que o Legislativo, por maioria absoluta, seja capaz de rejeitar o veto. Existem dois fundamentos para o veto: a inconstitucionalidade do projeto e a sua contrariedade em relação ao interesse público. O veto se caracteriza como um poder – dever, constitucionalmente atribuído ao Chefe do Executivo, transformando-o, assim, em guardião da Constituição, ao lhe impor a obrigação de vetar o projeto inconstitucional, exercendo portanto o controle prévio da constitucionalidade das leis – veto jurídico -, e em defensor do interesse público, na hipótese do veto político, decorrente da avaliação da conveniência e oportunidade do ato normativo.
Na hipótese em exame, da Lei Complementar nº 47, de 13.12.2004, a inconstitucionalidade é evidente, e os próprios deputados já declararam à imprensa, em diversas oportunidades, que sabem da inconstitucionalidade, mas preferem privilegiar aquilo que eles denominam como “justiça social” e “interesse público”. No meu entendimento, nem mesmo o interesse público existe, porque não é possível defender a permanência de vinte mil temporários, se existem cem mil, ou mais, desempregados, esperando pela oportunidade de um concurso público.
Assim, nem mesmo a sanção tácita serviria, para eximir o Governador de sua responsabilidade, na aprovação dessa lei. Fiel ao seu compromisso, de “manter, defender, cumprir e fazer cumprir as Constituições do Brasil e do Estado do Pará” (Constituição do Pará, art.128, parágrafo 1º), não teria ele outra alternativa, no meu entendimento, senão a de vetar esse projeto, nos termos do parágrafo 1º do art. 108 da mesma Constituição, por dois motivos: por ser inconstitucional, e por ser contrário ao interesse público.
Ressalte-se, ainda, que, mesmo que existisse dúvida, a respeito da inconstitucionalidade do projeto, deveria o Governador vetá-lo, porque “não seria aconselhável inserir no ordenamento jurídico um diploma sobre o qual se irá polemizar, a respeito de sua adequação à Lei Fundamental”. Essa é a opinião de Ronaldo Poletti (Controle da Constitucionalidade das Leis. Rio, Forense, 1985, p. 108). Também um autor clássico americano, Thomas Cooley, citado por Poletti, afirma que o próprio Poder Legislativo, ao discutir um projeto de lei, deveria rejeitá-lo, se houvesse qualquer dúvida a respeito de sua constitucionalidade.
A que ponto chegamos: o nosso Legislativo não tem qualquer dúvida, tem a certeza da inconstitucionalidade da prorrogação dos contratos dos servidores temporários do Estado, e mesmo assim o declara e confessa publicamente, através da imprensa, e aprova o projeto, enquanto o Governador, que tem uma competente assessoria jurídica, se omite, e não cumpre a sua obrigação, de vetar o projeto inconstitucional.
* Professor de Direito Constitucional. Site: www.profpito.cjb.net
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