O direito e a defesa intransigente da vida
Ives Gandra da Silva Martins*
Interessante questão foi levada ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, ou seja, a que se refere à decisão proferida no caso de Dianne Pretty, de que não existe um “direito de morrer”.
O caso foi submetido ao Tribunal, sob a alegação de que a decisão do Tribunal britânico – que concedera à autora o direito de morrer, por sofrer de incapacidade permanente, que lhe tornara a vida intolerável – estava baseada nos artigos 2, 3, 8, 9 e 14 do Convênio Europeu sobre Direitos Humanos.
Defendia, Dianne Pretty, ser possuidora do direito de praticar um suicídio assistido, face ao desencanto que sua vida limitada lhe trazia, devendo lhe ser assegurada a possibilidade de abandoná-la, para que não houvesse desrespeito ao seu direito de auto-determinação em relação ao próprio corpo, em decorrência do qual caber-lhe-ia fazer com ele o que desejasse. Dizia mais, que, nos casos de incapacidade quase absoluta, a proteção médica absoluta seria desproporcionada.
O Tribunal decidiu, entretanto, que os direitos fundamentais só podem servir para proteger a vida e, apesar de respeitar a opinião da recorrente, entendia que, entre os direitos humanos, não está o de provocar a morte. A recorrente alegava que sua pretensão não era defender o direito ao suicídio, indiscriminadamente, nem para casos de pessoas que não fossem portadores de incapacidade igual a sua, hipóteses em que, a seu ver, o Tribunal deveria não admiti-lo. Para o seu caso em concreto, todavia, em face de sua vulnerabilidade, deveria ser atendida.
Ao negar o direito ao suicídio assistido, o Tribunal demonstrou quão tênue seria a linha que distinguiria as pessoas que deveriam ser consideradas vulneráveis, das que assim não poderiam ser definidas; as vidas que deveriam ser protegidas pela lei, daquelas que não mereceriam tal proteção. O suicídio de uma pessoa deprimida deve ser evitado, mas também o daquelas pessoas cujo estado psíquico, provocado por incapacidades reais e irreversíveis, as tornem vulneráveis em relação a uma decisão que implique antecipação da morte.
Em resumo, segundo relata a Aceprensa (Ano XXXIII, 8/5/02, 64/02): “el Tribunal no considera legitimo crear uma excepción a la protección de la vida, que pondría en peligro a muchas personas en situación de dependência. La “dramatización artificial” de este caso, que ha denunciado el secretario de la Comisión Deontológica de la Organización Médica Colegial de Espana, Gonzalo Herranz (El Mundo, 30-IV-2002), no ha evitado que la mentalidad jurídica, y con ella la protección de las vidas vulnerables, prevalezca frente a la reclamación de absoluta autodeterminación personal”.
No momento em que se discute, no Brasil, o direito da antecipação da morte para os doentes incapacitados ou terminais, o aborto e a manipulação de embriões, a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos da União Européia sinaliza na defesa intransigente da vida, que não deve, por interpretações convenientes, por interesse da indústria de medicamentos abortivos ou de morte indolor, ser fragilizado, sob a alegação de que a vida é um direito disponível do cidadão, que deve ter a faculdade de eliminá-lo, se já não mais interessado em pertencer a este mundo.
Nada obstante a pressão que profissionais da medicina e laboratórios exerceram no caso em concreto, sinalizou, o Tribunal Europeu de Direitos Fundamentais, de que forma deve a vida ser tratada pelo direito, não se admitindo a antecipação da morte, por mais justificados que sejam os argumentos sociais e pessoais, pois se trata de um direito individual indisponível, que cabe ao Estado proteger.
* Advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.
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