Direito Constitucional

Neoconstitucionalismo & dogmática civil brasileira

Resumo: O modesto texto aponta a influência positiva do neoconstitucionalismo sobre a dogmática civil brasileira.

Palavras-Chave: Constituição Federal Brasileira. Direito Constitucional. Neoconstitucionalismo. Direito Civil Constitucional. Dogmática Jurídica.

Sabemos que é insofismável a influência do neoconstitucionalismo sobre a dogmática jurídica brasileira por ser impactante no comportamento de juristas, doutrinadores, pesquisadores e estudiosos e, principalmente, nos julgadores.

Não existe propriamente um único constitucionalismo, mas sim, vários movimentos constitucionais, e sem representam uma dinâmica constante no processo de modificação legislativa e doutrinária, dando azo à formação de novo conceito jurídico.

O constitucionalismo contemporâneo não representa uma nova teoria ou concepção de Direito e, tem suas características nos últimos cinquenta anos e, desde então, não permaneceu como um modelo estático sem embargo de ter seguido evoluindo continuamente em muitos sentidos e vertentes.

Os diversos usos e sentidos usados no neoconstitucionalismo já representa um alerta para dimensionar as insuficiências e, ainda, para corrigir abusos destes decorrentes.

A influência sobre a dogmática privada é percebida especialmente na criação e desenvolvimento de um Direito Civil-Constitucional que admite um efeito expansivo de normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se dissemina, com plena força normativa por todo sistema jurídico.

O neoconstitucionalismo proveu e exigiu uma releitura e interpretação da legislação infraconstitucional e, particularmente, do Código Civil brasileiro, à luz do texto constitucional vigente que ocupa o topo da pirâmide jurídica.

A alteração da dogmática jurídica brasileira se deu pela confirmação da supremacia da Constituição e na valorização de força normativa dos princípios e de valores constitucionais, de forma a orientar a conduta de todos os poderes democraticamente constituídos.

Em verdade, deve mesmo a Constituição deve ocupar o tipo do ordenamento jurídico, sobretudo diante da ampla aceitação que a Teoria Pura do Direito, de Kelsen que teve no Brasil, com a estrutura escalonada do ordenamento jurídico, onde a legislação infraconstitucional busca seu fundamento de validade na norma superior e a Constituição na norma hipotética fundamental.

Revela-se uma mudança de paradigma que ainda está em desenvolvimento, pois, possui um pouco mais de vinte anos. Aliás, na Europa o estudo do Estado Constitucional se iniciou logo após da Segunda Guerra Mundial, como um reforço à primazia formal e material da Constituição sobre o ordenamento jurídico.

A expressão “neoconstitucionalismo” fora utilizada de forma pioneira pela italiana Suzanna Pozzolo em 1997. E, segundo Barberis, ”se o próprio fato, a teoria ou doutrina neoconstitucionalista, é fruto de muitas contribuições, tanto anglo-americanas e europeu-continentais”.

O termo e o conceito de neoconstitucionalismo são resultantes, sobretudo, do labor de alguns teóricos da Escola de Gênova[1], Suzana Pozzolo pela invenção do termo. Mauro Barberis pela redefinição; Ricardo Guastini pela elaboração de um conceito intimamente ligado ao precedente o conceito de constitucionalização; Paulo Comanducci e Tecla Mazzarese por algumas das análises metateóricas mais aprofundadas do argumento.

Mas, convém avisar que nenhum desses estudiosos adere ao neoconstitucionalismo; ao contrário, trata-se frequentemente de seus críticos mais ferozes…

O declínio secular dos códigos, em que o Direito Civil exercia o papel protagonista e a Constituição disciplinava aspectos básicos da organização e funcionamento estatal, ou seja, matéria essencialmente constitucional, como foi o caso da Constituição norte-americana de 1787, da Constituição Francesa de 1946 e das Constituições do Chile de 1833 e 1925, isso porque, na visão neoconstitucionalista, a Constituição era considerada apenas uma “carta política” limitada a organizar o funcionamento do Estado e a disciplinar o relacionamento entre os poderes instituídos pela república, foram qualificados como meras exortações, preceitos de ordem moral ou política, mas não tidos como verdadeiros comandos de Direito.

No passado em diametral oposição do que há hoje, tinham-se as codificações que conseguiram oferecer a grande burguesia efervescente, sendo uma classe social emergente na Europa no fim da Idade Média, trazendo a segurança e previsibilidade necessárias ao pleno desenvolvimento social e econômico, sobre todo ao caráter obrigatório e imperativo das normas de Direito Privado, consolidadas nas codificações[2] do início do século XIX.

Um exemplo é o princípio do pacta sunt servanda posteriormente mitigado pela intervenção estatal. Assim, o pacta sunt servanda caminha ao lado do rebus sic stantibus. Trata-se de regra que versa sobre a vinculação das partes ao contrato, como se norma legal fosse, tangenciando a imutabilidade. A expressão latina significa “os pactos devem ser cumpridos”. O rebus sic stantibus representa Teoria da Imprevisão e constitui uma exceção à rega do Princípio da Força Obrigatória.

Já a teoria da imprevisão constitui uma exceção, da qual a regra está a merecer mais observação do legislador. Contempla a possibilidade de que um pacto seja alterado, a despeito da obrigatoriedade, sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não forem as mesmas no momento da execução, imprevisível e inimputavelmente, de modo a prejudicar uma parte em benefício da outra.

Percebe-se que ambos os princípios giram em torno do cumprimento do contrato; da necessidade de cumpri-lo incondicionalmente ou de, condicionalmente, alterá-lo. Informa o pacta sunt servanda que os contratos existem para serem cumpridos. Este brocardo é tradução livre do latim pacta sunt servanda. Encerra um princípio de Direito, no ramo das Obrigações Contratuais. É o princípio da força obrigatória, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes.

A vertente pragmática não se preocupou em atribuir aos comandos constitucionais à normatividade jurídica e a supremacia que lhes eram próprias. Deu-se o caminho inverso, pois o enfoque aproximou os comandos constitucionais mais de uma tendência política ou mero ideário não jurídico do que propriamente de um sistema normativo, composto de normas-regras e normas-princípios com normatividade e imperatividade.

Ao longo do século XX as mudanças paradigmáticas conferiram juridicidade às normas constitucionais, com destaque Konrad Hesse[3] que contestou de Lassalle para quem a Constituição não passava de uma folha de papel, às normas constitucionais.

Sua ênfase concentrava-se em atribuir eficácia às normas do constitucionalismo do Estado Social. Reale chegou a afirmar que o Código Civil seria a Constituição do Direito Privado ocupando a centralidade das relações jurídicas do ordenamento jurídico brasileiro, porém, contemporaneamente tal centralidade passou a ser ocupado pela própria Constituição Federal, o que autoriza a incidência de direitos fundamentais nas relações privadas, impondo a visão neoconstitucionalista, pois a adequação da interpretação dos institutos jurídicos seguem os valores, as normas e os princípios constitucionais.

Importante frisar que a ideia da supremacia constitucional não é resultante do neoconstitucionalismo que surgiu após metade do século XX, e, sim, resultado do judicial review colocado em prática desde 1803 no direito anglo-saxão, no julgamento Marbury versus Madison, com o famoso raciocínio do juiz Marshall sobre as constituições escritas[4].

Portanto, não se pode afirmar que a defesa judicial da Constituição surgiu com o neoconstitucionalismo. Pode-se cogitar, com as devidas ressalvas em um novo paradigma com a Constituição se infiltrando no Direito como um todo.

É nesse sentido, que se deve entender atualmente a acepção da supremacia constitucional. No entanto, Lênio Streck[5] comentou que de modo geral, tanto as teorias do direito quanto as práticas judiciárias não estavam preparadas para as diversas rupturas paradigmáticas por esta estabelecida (Streck, 2017, p.84).

Mesmo ocorrendo restrições aos direitos fundamentais Ingo Sarlet é inovador ao desenvolver a teoria da garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais, esta corrente é estruturada no argumento de que existem conteúdos invioláveis dos direitos fundamentais que se reconduzem as posições indisponíveis às intervenções dos poderes estatais, mas que também podem ser opostas aos particulares. Mesmo que a CF/1988 não tenha adotado expressamente tal posicionamento, é evidente que dispositivos como o artigo 60, §4ª do texto constitucional vigente que tangem como inconstitucionais medidas que acarretem o desmonte dos direitos fundamentais. (In: CANOTILHO, José J G; MENDES, Gilmar F; SARLET, Ingo W; STRECK, Lênio L. (Coords.) Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva /Almedina, 2013; SARLET, Ingo W. MARINONI, Luiz G; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 2017).

Segundo Ferrajoli, o Estado Constitucional de Direito que surgiu após a Segunda Guerra Mundial, provocou duas radicais mudanças, a saber: “Antes de tudo, as condições de validade das leis mudam, dependendo não apenas da forma de sua produção, mas também da coerência de seu conteúdo com os princípios constitucionais. Em segundo lugar, o estatuto epistemológico da Ciência Jurídica muda para qual a possível divergência entre constituição e legislação confere um papel não apenas explicativo, mas também crítico e projectivo em relação ao seu próprio objetivo”. (Tradução da autora da dissertação).

Cumpre estudar com atenção o impacto do novo paradigma produzido pelo neoconstitucionalismo jurídica brasileira e, ainda avaliar criticamente as suas consequências tanto na doutrina como na jurisprudência brasileiras.

Questiona-se se o neoconstitucionalismo foi realmente capaz de superar o predomínio da dogmática tradicional, ao ponto de constituir a necessidade hermenêutica especificamente constitucional e, principalmente verificar a nova metodologia indicada que inclui a ponderação e argumentação[6], para criar novas técnicas de interpretação que seja mais vantajosa do que a técnica da subsunção[7] proposta pelo positivismo.

Quando mencionamos a dogmática jurídica brasileira, entende-se, o positivismo jurídico que se caracteriza pelos seus aspectos formalistas e legalistas que são dispostas da seguinte maneira, a saber: 1. Primado da lei, enquanto regra geral, abstrata e universalmente obrigatória, que faz com que o direito repouse sobre um campo virtual; 2. Representação da atividade do juiz meramente como tarefa de “conhecimento” da lei, portanto, exegética que faz com que a interpretação se dê inerentemente do problema; 3. Separação radical entre os conceitos de interpretação e criação do direito.

O pós-positivismo identifica a reaproximação entre o Direito e a Ética, resgatando valores para o Direito e a superação da ideia da legalidade estrita e escrita, normatização dos princípios e o foco nos direitos fundamentais.

O segundo fenômeno foi a ascensão do direito constitucional para o centro do sistema jurídico. E, a Constituição passou a ser também o modo principal de interpretar todos os ramos do Direito. E segundo a doutrina de Hesse que a Constituição deve estar condicionada pela possibilidade de realização do seu conteúdo, in litteris: “Quanto mais suas normas partem das realidades da situação histórica e procuram conservar e aperfeiçoar aquilo que já está delineado na condição individual da atualidade, tanto mais rápido podem elas desenvolver efeito normalizador”.

Robert Alexy esclarece que: “tanto regra quanto princípios são normas porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de normas”. Assim, conforme visto, a Constituição se vale de princípios e regras.

Ambos são conteúdos de normas constitucio­nais. (In: ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schikd Silva, Rio de Janeiro. Forense, 3ª edição, 2011, p.284).

Os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante. Em relação à natureza normogenética, é a doutrina de Tercio Sampaio Ferraz, ao lecionar que, teoricamente, pode-se dizer que: “Princípios são pautas de segundo grau que presidem a elaboração de regras de primeiro grau. Isto é, princí­pios são prescrições genéricas, que se especificam em regras”.

Essa distinção, formulada em tese, não é fácil, porém, de ser sustentada na análise do texto constitucional. A terminologia, mesmo teoricamente, não é pacífica – o que exige um esclarecimento terminológico. No choque de princípios, entre princípios e regras, é que vamos encontrar o campo fértil da interpretação constitucional e tendo como um instrumento útil a Teoria da Argumentação Jurídica.

O intérprete deve respeito às normas jurídicas, isto é., às deliberações majoritárias positivadas em um texto normativo -, à dogmática jurídica, isto é, aos conceitos e categorias compartilhados pela doutrina e pela jurisprudência, que, mesmo não sendo unívocos, têm sentidos mínimos e, deve abster-se de voluntarismos.

Não basta, portanto, o senso comum e o sentido pessoal de justiça: é necessário que juízes e tribunais apresentem elementos da ordem jurídica que embasem tal ou qual decisão.

Em suma: a argumentação jurídica deve preservar exata­mente o seu caráter jurídico – não se trata de uma argumentação que possa ser estritamente lógica, moral ou política.

Em segundo lugar[8], a argumentação jurídica deve preservar a integridade do sistema. Isso significa que o intérprete deve ter compromisso com a unidade, com a continuidade e com a coerência da ordem jurídica.

Suas decisões, portanto, não devem ser casuísticas ou idiossincráticas, mas universalizáveis a todos os casos em que estejam presentes as mesmas circunstâncias, bem como inspiradas pela razão pública.

Além disso, o intérprete deve procurar observar os preceden­tes e impedir variações não fundamentadas de entendimento.

De fato, o respeito à jurisprudência é uma forma de promover segurança jurídica e de resguardar a isonomia. O juiz não pode ignorar a história, as sinalizações pretéritas e as expectativas legítimas dos jurisdicionados.

Na boa imagem de Ronald Dworkin, a prática judicial é como um “romance em cadeia”, escrito em vários capítulos, em épocas diferentes. É possível exercer a própria criatividade, mas sem romper com a integridade do Direito. Guinadas no enredo serão sempre possíveis – para fazer frente a novas realidades ou mesmo para corrigir um juízo anterior que se reputa equivocado -, mas deverão ser cuidadosamente justificadas e poderão ter seus efeitos limitados ou adiados para evitar injustiças flagrantes.

Não resta dúvida de que ocorreu fracasso e a dita superação da metodologia tradicional de interpretação jurídica utilizada pelo positivismo jurídico, isso porque linguagem do Direito não é e nunca poderá ser cientifica ou metodológica. Posto que seja condição da possibilidade do discurso humano.

Com base na doutrina de George Marmelstein, Luis Roberto Cardoso defende a existência de uma nova hermenêutica constitucional, pelo fato de ser a metodologia tradicional insuficiente para solucionar os casos que reclamam a aplicação de princípios e não somente de regras, o chamado hard case.

Diferentemente dos casos ditos como fáceis em que construídas/encontradas as premissas, o julgador, por meio de dedução silogística, pode chegar a uma solução satisfatória e facilmente aceitável, os hard cases se configuram quando i) dentro do ordenamento jurídico, não se encontra norma aplicável, há mais de uma norma aplicável ao caso sub judice) “quando a solução encontrada causa extrema estranheza aos costumes e à coletividade”.

Diante de tal situação e impulsionado pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição – expresso no artigo 140 do atual Código de Processo Civil[9], in verbis: o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.

O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei – O julgador vê-se obrigado a encontrar uma solução ao caso concreto em questão e aqui se inicia interessante questão acerca do modo pelo qual tal solução é edificada.

Os hard cases são considerados complexos, pois se faz necessário levar em consideração um enorme leque de fatores e em decorrência disso é preciso ir além do texto positivado e pôr na balança princípios jurídicos capazes de fundamentar a decisão a ser tomada.

Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como hard case (caso difícil), não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio.

O pedido de fornecimento do medicamento à menor (direito a prestações estatais stricto sensu direitos sociais fundamentais) traduz-se, in casu, no conflito de princípios: de um lado, os da dignidade humana, de proteção ao menor, do direito à saúde, da assistência social e da solidariedade e, de outro, os princípios democrático e da separação dos Poderes.

A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta, norma jurídica – que, por sua vez, será um resultado intermediário em direção à norma decisão (resultado final da concretização). (J. J Gomes Canotilho e F. Müller).

Pelo modelo síntese de ponderação de princípios (Alexy), o extremo benefício que a determinação judicial para fornecimento do medicamento proporciona à menor faz com que os princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção à saúde e a criança prevaleçam em face dos princípios democráticos e da separação de poderes, minimamente atingidos no caso concreto.

Vê-se, acima, o STJ, na prática, frente um caso difícil, valer-se do princípio da proporcionalidade com o escopo de sopesar os princípios aparentemente conflitantes a fim de chegar a uma decisão judicial socialmente desejável.

Já Horbach[10] alega, contudo, que a nova hermenêutica é apenas um modismo da atualidade. Posto que não difira da hermenêutica tradicional presenta na doutrina constitucionalista brasileira.

Em razão do neoconstitucionalismo e de suas teses, o ato de interpretar não está mais atrelado aos métodos ou técnicas de enunciação de sentidos dos textos, galgando uma dimensão de universalidade, como parte integrante do processo de conhecimento e, como condição de possibilidade da compreensão.

Por consequência, a doutrina não mais ensina o como se deve interpretar, mas como de fato se interpreta, assenta-se uma mudança de foco. O problema de aplicação do direito, não está apenas em analiticamente separar as espécies normativas, mas também em minúcias o aplicador de critérios, intersubjetivamente aplicáveis que possam tornar efetivos os comandos normativos sem a incorporação do arbítrio.

Provavelmente, seja essa grande preocupação dos estudiosos e operadores do Direito, ou seja, compatibilizar a aplicação de valores, princípios e conceitos jurídicos indeterminados e previstos na Constituição com a autonomia de relações privadas e do estatuto epistemológico do Direito Civil.

O neoconstitucionalismo como modelo teórico propôs uma interpretação adequada do Estatuto da Pessoa com Deficiência principalmente na defesa da dignidade da pessoa humana.

Faz-se necessário discorrer sobre a evolução histórica dos diversos constitucionalismos até culminar nos neoconstitucionalismo. Importante sublinhar o fato de que o constitucionalismo não ser o movimento exclusivo e típico da modernidade.

Sendo possível cogitar numa acepção histórica descritiva de um constitucionalismo antigo, o clássico, o moderno e o contemporâneo. Todos esses dotados de mesmos objetivos, ou seja, a limitação dos poderes garantísticos[11].

E, nesse sentido é o entendimento de J.J. Canotilho[12] para quem o constitucionalismo moderno representa uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos.

O doutrinador português explica que os vários constitucionalismos em dois períodos históricos bem definidos, cada um com características próprias, de modo que se mostra possível cogitar em um constitucionalismo antigo e um outro moderno.

E, segundo Novelino que de forma didática explicou que o constitucionalismo antigo que se manifestou entre a Antiguidade e o fim do século XVIII e fora vivenciado pelo Estado hebreu, Grécia, Roma e Inglaterra.

As características principais dessa fase inicial do constitucionalismo são, a saber: a) prevalência da supremacia do Parlamento; b) a inexistência de constituições escritas; c) a possibilidade de modificação das proclamações constitucionais por atos legislativos ordinários; d) a irresponsabilidade governamental dos detentores do poder.

O constitucionalismo clássico coincide com o surgimento do Estado Liberal do fim do século XVII e início do século XVIII e tem como referencial jurídico e político a Petition of Rights, o Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rights de 1689 e como referencial teórico de John Locke, Montesquieu, Rousseau e Kant que foram pensadores contrários aos governos absolutistas, instituindo a batalha das luzes contra as trevas, ou seja, o Iluminismo contra a Idade Medieval que tanto alimentou e justificou as revoluções liberais.

Nesse período histórico, surgiram os direitos de primeira dimensão que são verdadeiras garantias subjetivas do indivíduo oponíveis ao Estado e, são tão relevantes que já se considera como sendo a projeção da universalidade formal, não existindo uma Constituição realmente digna que não reconheça esses direitos em toda sua extensão.

Ao cogitar sobre o constitucionalismo norte-americano que alcançou seu ápice com a promulgação da Constituição que fora aprovada na Convenção da Filadélfia em 17 de setembro de 1787 e sobre o constitucionalismo francês, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, seguida da Constituição de 03 de setembro de 1791.

O constitucionalismo clássico foi marcado por uma ortodoxa separação dos poderes da república, e da sociedade e do Estado, com a previsão e direitos e garantias fundamentais e a ideia de um Estado mínimo[13] no domínio econômico.

Porém, o que bem caracteriza o Estado Liberal nos modelos que derivavam do sistema civil law francês (pós-revolucionário) é a necessidade de proteger o direito de todo o subjetivismo que pudesse pôr em risco a segurança jurídica ou possibilitar o abuso do poder.

É característico do Estado Liberal o destaque ao papel da lei como fonte hegemônica do direito e o exercício de um papel meramente formal à Constituição.

É justamente nesse período histórico que se registrou o aparecimento das Constituições escritas e rígidas[14] dotadas de supremacia e ainda lastreadas em referencial teórico técnico-científico, baseadas na razão humana[15] e não mais na divindade.

Enfim, a fórmula ou esquema para a racionalização e legitimação do poder pelo Iluminismo era a Constituição, lei escrita e superior às demais normas, que deveria estabelecer a separação de poderes para contê-los, consagrando a máxima le pouvoir arrête le pouvoir[16] conforme afirmou Montesquieu e garantir os direitos do cidadão oponíveis em face do Estado.

O que restou bem delineado no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 porquanto a qual “toda a sociedade, na qual a garantia dos direitos não é assegurada e nem a separação de poderes determinada, não tem constituição”.

É cediço que o constitucionalismo moderno que se desenvolveu entre as revoluções burguesas[17] do século XVIII e a promulgação das constituições do pós-guerras, a partir da segunda metade do século XX, ensejando o surgimento do constitucionalismo social com o intuito de combater justamente os exageros do liberalismo econômico do século XIII. Estruturado no princípio laissez faire, laisser passer, le monde va de lui même.

E são exemplos de Constituições desse período a do México de 1917, a da Alemanha de Weimar de 1919, a austríaca de 1920 e a brasileira de 1934[18]. A partir das resoluções liberais evidenciam-se os direitos de segunda dimensão[19] realizados nos direitos sociais, culturais e econômicos.

Assim, da mesma que os direitos de primeira geração, esses direitos foram inicialmente objeto de uma formulação especulativa em esferas filosóficas e políticas de acentuado vertente ideológica, uma vez proclamada nas Declarações internacionais solenes e das constituições marxistas e também a maneira clássica do constitucionalismo da social-democracia (principalmente a de Weimar) dominaram inteiramente as Constituições do pós-segunda guerra mundial.

Tais direitos estão longe de apenas se situarem no campo de abstração e contarem com efetivação garantida pelo Estado posto que exijam a pronta intervenção ativa do Estado, ou seja, saindo da fase de declaração puramente positivista e verbal indo até a proteção efetiva.

Nesse sentido, cumpre frisar que não bastam as previsões contidas no Estatuto da Pessoa com Deficiência, mas também, deve existir para garantir sua efetividade, toda uma infraestrutura capaz de dar concretude aos direitos e deveres do cidadão sob o prisma da defesa e prevalência da dignidade humana.

Por derradeiro, o constitucionalismo contemporâneo que se iniciou logo após o fim da Segunda Guerra Mundial que muito se identificou com as diversas acepções e dimensões dos neoconstitucionalismos, provocando intensas mudanças no Estado Democrático de Direito, ao ponto de ser sustentada a superação do Estado Legislativo de Direito pelo Estado Constitucional de Direito sendo uma consequência direta do pensamento neopositivista[20].

Infelizmente não há na doutrina pátria consenso sobre o que se entende exatamente por neoconstitucionalismo tampouco um conceito preciso e bem definido para tal termo.

Aliás, Streck prefere mesmo utilizar a expressão “constitucionalismo contemporâneo” ao se referir ao neoconstitucionalismo, por entender que esse fenômeno em nada difere do constitucionalismo contemporâneo e nos termos que vêm sendo utilizados e ainda representa uma nítida contradição já que não apresenta algo que não tenha sido analisado pelo constitucionalismo ou mesmo pela Teoria do Direito.

No Brasil, o Ministro Barroso do STF também não se dispôs a conceituar o que entende por esse movimento, mas cuidou de traçar as consequências ocorridas no Estado Constitucional de Direito e na Teoria do Direito logo após a Segunda Guerra Mundial em face dos marcos históricos, teóricos e filosóficos.

O neoconstitucionalismo sintetiza como uma Teoria de Direito lida a partir do Direito Constitucional e que foi maximizada por elementos da filosofia do direito e da filosofia política que permitem repensar os alicerces jurídicos, a saber: a teoria da norma, a teoria da interpretação, a teoria das fontes e, por derradeiro, as transformações ocorridas nos diversos campos jurídicos.

O neoconstitucionalismo revisa a teoria da norma, a da interpretação e a das fontes para percorrer todas as transformações teóricas e práticas que ocorrem em toda Ciência Jurídica integrando-as aos seus diferentes campos para erigir uma base útil e transformadora.

O Direito brasileiro vem sofrendo profundas mudanças provocadas por força da Constituição brasileira de 1988, em razão de novo paradigma que pode ser sintetizado: a) a força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; b) rejeição ao formalismo e recurso mais frequente aos métodos ou estilos mais abertos de raciocínio jurídico; c) com irradiação de normas e valores constitucionais, sobretudo os referentes aos direitos fundamentais para todos os ramos do ordenamento jurídico; d) reaproximação entre o Direito e a Moral, ou entre, o Direito e a Ética com penetração cada vez maior e incisiva da Filosofia nos debates jurídicos; e) judicialização da política e das relações sociais, com um significativo deslocamento de poder de esfera do legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário;

Pontual é frisar que a primordial fonte da doutrina pátria que escreve sobre o neoconstitucionalismo corresponde à coletânea de artigos jurídicos organizada por Carbunell intitulada “Neoconstitucionalismo” publicada pela Editora Irotta em 2009.

Pode-se explicar que o neoconstitucionalismo apresenta ao menos três acepções, a saber: a) a de certo tipo de Estado de Direito, confirmando um modelo de organização política; b) de uma Teoria do Direito voltada à explicação das características desse modelo; c) de uma ideologia justificadora e defensora desse modelo.

Pozzolo denunciou o constitucionalismo ambíguo posto que pregue uma interpretação moral da Constituição Federal e, simultaneamente se, mostra tão avessa à conexão necessária entre o Direito e a Moral, além de oferecer-se a favor da tese da separação conceitual e visceral entre o Direito e a Moral, além de defender o positivismo metodológico[21].

Para a doutrinadora em comento o neoconstitucionalismo deve ser entendido como Teoria del Derecho del Estado Constitucional (página 187). Tem-se ainda neoconstitucionalismo teórico um viés ideológico e viés metodológico.

Conclui-se que o neoconstitucionalismo revelou-se como convicção filosófica o e politica sobre como deve ser o direito. Pode-se resumir tal ideologia nos seguintes pontos, a saber:

 a)     Existência de conexão necessária entre o direito e a moral como pretensão de superação do positivismo, incluindo certa contradição temporal e teórica imanente[22];

 b)     Preponderância de normas constitucionais sob a forma de princípios e a distinção destes para com as regras;

 c)     A centralidade do papel da argumentação jurídica, tendo como expressão máxima a ponderação entre princípios, mas não somente;

 d)     O intento indiscriminado a realização do caráter material da Constituição por um direito constitucional da efetividade e, por fim;

 e)     No ativismo judicial como “parte da solução” para os problemas de concretização da Constituição.

Percebe-se que o neoconstitucionalismo pode assumir feições similares de completamente diferes, a depender da abordagem teórica, ideológica ou metodológica que se realiza.

O fato é que o modelo jurídico do neoconstitucionalismo carrega em seu âmago uma diversidade de teorias, ideologias, pretensões ou simplesmente desejos que têm suscitado acirrados debates doutrinários, acadêmicos, e, por que não dizer, profundas mudanças na prática jurídica.

De qualquer modo, o neoconstitucionalismo contemporâneo no Brasil operou o reconhecimento da dignidade humanas para todos inclusive para as pessoas portadoras de necessidades especiais por isso, endosso a sabedoria popular presente nos versos do samba-enredo de 2020 da União da Tijuca (RJ) que entoa um belíssimo refrão: – Dignidade não é luxo e nem favor!”.

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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 16.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.



[1] Trata-se de um dos principais centros de pesquisa no continente europeu, centrando sua atuação na observação analítica da teoria do direito, filosofia analítica e direito positivo, democracia constitucional, direitos humanos, bioética, sociologia do direito e história da cultura jurídica europeia. Possui um corpo docente e uma rede de professores composto possivelmente pelos teóricos mais prestigiados da Europa em suas respectivas áreas, como Pierluigi Chiassoni, Robert Alexy, Roberto Gargarella, Ricardo Guastini, Paolo Comanducci, Susanna Pozzolo, entre outros. Embora seja um centro italiano, localizado na terra do famoso descobridor genovês Cristóvão Colombo, seus cursos são ministrados em espanhol e inglês, e há o estímulo para que os estudantes falem e pesquisem em sua língua materna, num estímulo ao enriquecimento acadêmico e à universalização do seu curso, facilitando o envio e o recebimento de alunos e professores de todo o mundo.

[2] O positivismo surgiu como resposta à abstração do Direito Natural e carregou em seu bojo formas rígida de interpretação jurídica. Foi a Escola da Exegese, junto ao Código de Napoleão que representou o auge dessa forma de enxerga o Direito, de forma literal, racional e gramatical. Ao juiz cabia somente à aplicação da lei, de forma superficial, sua vontade era a vontade do legislador. A Escola da Exegese surgiu como uma das consequências da criação do Código de Napoleão (1804), forma de interpretação que ocorria mediante privilégio dos aspectos gramaticais e lógicos. Com ela, tem-se o ápice do positivismo jurídico.

[3] Konrad Hesse (1919-2005) foi jurista alemão que, de 1975 até 1987, exerceu a função de Juiz do Tribunal Constitucional Federal alemão, localizado em Karlsruhe. A influência do pensamento de Konrad Hesse no Brasil é profunda e tal se deve, por meio indireto, à tradição do Direito Constitucional português, por efeito das obras de seu discípulo José Joaquim Gomes Canotilho. E, de modo direto, às traduções de seus livros no Brasil, especialmente A força normativa da constituição, por Gilmar Ferreira Mendes, e Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, por Luís Afonso Heck, ambos publicados por Sergio Antonio Fabris Editor. Mais recentemente, Otavio Luiz Rodrigues Junior traduziu Direito constitucional e direito privado, editado pela Forense Universitária. Os escritos de Hesse são até hoje muito citados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

[4] Essa unidade do método científico, conforme leciona Lenio Streck, adentra no juspositivismo como um ideal descritivista. Vide em: STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2017, p. 168. O Estado de Direito é fruto de grande transformação social iniciada com o fim da Idade Média e o fortalecimento das revoluções burguesas, tendo a lei posta pelo legislador uma posição de destaque, impondo barreiras as arbitrariedades do soberano e garantindo um vasto rol de liberdades dos indivíduos, que através de suas deliberações democráticas podem escolher os rumos políticos do seu país, mediante o exercício do voto.

[5] Num artigo de autoria de Lenio Luiz Streck aponta que em tempos pós-positivistas ou de fortes críticas aos diversos positivismos, é absolutamente relevante discutimos as condições de possibilidade que a teoria do direito passou para construir respostas aos grandes dilemas surgidos com o advento do, assim denominado neoconstitucionalismo. Confirma Streck que o termo neoconstitucionalismo incorpora em si uma plêiade de autores e posturas teóricas que nem sempre pode ser aglutinadas em um mesmo sentido. A ciência norte-americana, por exemplo, chama de new constitucionalism os processos de redemocratização que tiveram lugar em vários países da chamada modernidade periférico nas últimas décadas. Entre esses países é possível citar o Brasil, a Argentina, a Colômbia, o Equador, a Bolívia, os países do leste europeu, a África do Sul, entre outros. Já no caso da teoria do direito, é possível elencar uma série de autores, espanhóis e italianos principalmente, que procuram enquadrar a produção intelectual sobre o direito a partir do segundo pós-guerra como neoconstitucionalismo, para se referir modelo de direito que já não professa mais as mesmas perspectivas sobre a fundamentação do direito, sobre sua interpretação e sua aplicação, no modo como eram pensadas no contexto do primeiro constitucionalismo e do positivismo predominante até então. Assim, jusfilósofos como Ronald Dworkin e Robert Alexy (entre outros) representariam, na sua melhor luz, a grande viragem teórica operada pelo neoconstitucionalismo. (In: STRECK, L.L. Contra o Neoconstitucionalismo. Disponível em:  http://wwww.abdconst.com.br/revista5/Streck.pdf Acesso em 23.10.2019).

[6] A argumentação jurídica é a grande ferramenta do neoconstitucionalismo. Tal interpretação constitucional se inspira numa concepção pós-positivista do direito. Tem como base e fundamento qualificação das regras, e a distinção com relação aos princípios. O direito não pode ser estudado apenas como um produto acabado, criado por uma ação legislativa, mas como processo no qual se analisa como se chega à decisão judicial. O processo de decisão precisa ser fundado em uma ótica racional do conjunto de ideias que o compõe para oferecer respostas aos operadores do Direito. A Teoria da Argumentação Jurídica, para a solução dos casos difíceis, utiliza a técnica da ponderação, quanto houver choques de princípios fundamentais. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal incorporou essa técnica à rotina de seus pronunciamentos. O intérprete deverá fazer concessões recíprocas entre os valores e interesses em disputa, preservando o máximo pos­sível de cada um deles. Situações haverá, no entanto, em que será impossível a compatibilização. Nesses casos, o intérprete precisará fazer escolhas, determinando, in concreto, o princípio ou direito que irá prevalecer. Para tanto, utilizando-se das técnicas da Teoria da Argumentação Jurídica, entraremos resultados satisfatórios, condizentes com o Estado Democrático de Direito.

[7] Subsunção é a ação ou efeito de subsumir, ou seja, de incluir alguma coisa em algo maior e mais amplo.

Como definição jurídica, configura-se a subsunção quando o caso concreto se enquadra à norma legal em abstrato. É a adequação de uma conduta ou fato concreto (norma-fato) à norma jurídica (norma-tipo). A subsunção deve ser entendida no contexto paradigmático da relação sujeito – objeto, portanto nos marcos da filosofia da consciência, em que o sujeito é encarregado de fazer essa operação mental entre a subjetividade e a coisa […] mesmo na ponderação – compreendida nos marcos em que vem sendo apresentada pela(s) teoria(s) da argumentação jurídica -, por mais que se negue tal circunstância, ocorre a subsunção, quando se busca “subsumir” o geral (norma ou hierarquias prima facie) ao caso concreto (ou vice-versa) […] Desse modo, pautas gerais (conceitualizações, etc.) sob pretexto do “esclarecimento” dos significados de cláusulas abertas, princípios e/ou conceitos indeterminados (ou, ainda, textos vagos e ambíguos), podem, sob o jugo do paradigma epistemológico da filosofia da consciência, servir a esse desiderato […] (STRECK, 2011, p. 282-283) STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 10ª. ed. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2011. ______. Verdade e consenso: constituição hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. Saraiva: São Paulo, 2011).

[8] Em terceiro lugar, o intérprete constitucional não pode perder-se no mundo jurídico, desconectando-se da realidade e das consequências práticas de sua atuação. Sua atividade envolverá um equilíbrio entre a prescrição normativa (deontologia), os valores em jogo (filosofia moral) e os efeitos sobre a realida­de (consequencialismo). Por certo, juízes e tribunais não podem lançar mão de uma argumentação inspirada exclusivamente pelas consequências práticas de suas decisões. Pelo contrário, devem ser fiéis, acima de tudo, aos valores e princípios constitucionais que lhes cabe concretizar. Nada obstante isso, o juiz constitucional não pode ser indiferente à repercussão de sua atuação sobre o mundo real, sobre a vida das instituições, do Estado e das pessoas.

[9] Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

[10] (In: HORBACH, Carlos Bastide. A Nova Roupa do Direito Constitucional: Neo-Constitucionalismo, Pós-Positivismo e Outros Modismos. Disponível em:  http://www.direitocontemporaneo.com/wp-content/uploads/2018/03/HORBACH-A-nova-roupa-do-Direito-Constitucional.pdfAcesso em 23.10.2019.).

[11] No plano horizontal, a limitação do poder se faz fracionando-o. Afinal, pode-se perceber que dividir é controlar. De ordinário, o poder do Estado é trissegmentado nos subpoderes legislativo, judiciário e executivo: o primeiro ostentando a primazia da função jurislativa; o segundo, da função jurisdicional; o terceiro, da função administrativa: cogita-se aqui em primazia, não em monopólio). Note-se que a soma das três funções varre in totum o horizonte da atividade jurídica do Estado: jurislação que corresponde a criação do direito; jurisdição que, por sua vez implica na aplicação do direito por terceiro imparcial; administração e, por fim, determina a aplicação do direito por terceiro parcial ou pela própria parte. Contudo, à limitação do poder não basta triparti-lo. A tripartição é necessária, porém insuficiente. Pois um subpoder tende a subjugar o outro [abuso horizontal de poder]. Daí o necessário intercontrole trilateral: legislativo, judiciário e executivo controlando-se reciprocamente sob um modelo de «freios e contrapesos» [check and balances]: i) o legislativo controlando o judiciário [ex.: investigação do judiciário por comissão parlamentar de inquérito]; ii) o legislativo controlando o executivo [ex.: julgamento anual das contas presidenciais]; iii) o judiciário controlando o legislativo [ex.: controle de constitucionalidade das leis]; iv) o judiciário controlando o executivo [ex.: controle judicial dos atos administrativos]; v) o executivo controlando o legislativo [ex.: veto presidencial a projeto de lei de iniciativa do legislativo]; vi) o executivo controlando o judiciário [ex.: veto presidencial a projeto de lei de iniciativa do judiciário]. Já no plano vertical, a limitação do poder se faz outorgando-se garantias aos cidadãos. Afinal de contas, na relação Estado-cidadão, o exercício do poder pode dar-se de maneira excessiva, desviada ou arbitrária [abuso vertical de poder]. Quem é titular de poder sempre tende a deste abusar. Eis uma lei infalível da microfísica social. Nesse sentido, garantia é toda e qualquer situação jurídica ativa, simples ou complexa, atribuída aos cidadãos por norma constitucional, cujo exercício tende a prevenir ou eliminar os efeitos nocivos do abuso de poder cometido pelo Estado, ou por quem lhe faça às vezes. (grifo meu) Logo, a garantia faz contrastável o poder. Refreia-o. Republicaniza-o, em conclusão. Não por outra razão, o princípio republicano prescreve que «a cada poder deve corresponder uma garantia, que o limite». Onde há poder-do-Estado [+], ali deve haver o respectivo «contrapoder»-do-cidadão [-]. Logo, o duo poder-garantia é a pedra fundamental sobre a qual se edifica uma República. Sem ela, o indivíduo reduz-se a um mero titular passivo de estados de sujeição. É «cidadão sem cidadania», «pseudocidadão», «cidadão sob reserva», «modo privativo de cidadão». Ou seja, com garantias, o indivíduo eleva-se a cidadão; sem, rebaixa-se a súdito do lat.: subditus = sub-, «abaixo», + ditus, «colocado, reduzido a» = «submisso» = «subjugado» = «pessoa que deve obediência cega a uma autoridade soberana».

[12] José Gomes Canotilho é um grande e notável jurista notável e tem entre suas obras a intitulada “Constituição Brasileira de 1988”. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito a Universidade de Coimbra, onde é Professor Catedrático Jubilado, e da qual foi também vice-reitor e professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Macau Foi distinguido com o Prêmio Pessoa em 2003, feito Grande-Oficial da Ordem da Liberdade a 25 de abril de 2004 e agraciado com Grã-Cruz da ordem do Infante Dom Henrique a 09 de junho de 2005. É atualmente Administrador não Executivo da Fundação Calouste Gulbenkian e membro do Conselho Superior do Ministério Público.

[13] A expressão correspondente a “Estado mínimo” tem sua origem no neoliberalismo que é uma corrente ideológica surgida nos anos setenta e oitenta e que procurou reviver o capitalismo laissez-faire do liberalismo clássico dos séculos XVIII e XIX. Mesmo os defensores do Estado mínimo que pregam que a função do Estado é mesmo assegurar os direitos básicos da população. O que em nada, reduz as garantias e direitos além de obrigações cabíveis as Pessoas portadoras de deficiência ou de necessidades especiais. As únicas funções do Estado mínimo seriam a promoção da segurança pública, da justiça e do poder de polícia, além da criação de legislação necessária para assegurar o fiel cumprimento destas funções.

[14] A Constituição escrita é aquela consistente num código, num documento único sistematizado. É o sistema usual no continente europeu e, consequentemente, em toda a América Latina. São rígidas dá-se quando própria constituição estabelece um processo mais oneroso e solene, diferentemente da legislação ordinária para a sua reforma. Toda Constituição tem a pretensão de permanência, porquanto documento fundamental do sistema jurídico de um Estado, não pode estar sujeita a mutações ao sabor de dificuldades passageiras. Essa permanência, entretanto, não quer dizer imutabilidade. E, os próprios conceitos da ciência política estão sujeitos a um processo evolutivo. Tome-se o conceito de democracia. Atualmente, não se tem a mesma ideia a respeito daquela dos constituintes franceses de 1781, nem da revolução de 1789. Quando a revolução foi promovida pela burguesia, contra o clero e a nobreza. O só reconhecimento da qualidade de cidadãos realizava o então ideal democrático de igualdade e liberdade. A ideia evoluiu, de mo que hoje não se concebe a liberdade política, sem o devido atendimento de necessidades básicas e muito menos a igualdade forma tão somente. Cumpre, pois, ao Estado intervir na atividade econômica de modo a fazer a prevalecer a igualdade material. A Constituição brasileira é do modelo rígido, porquanto para a sua alteração demanda-se um processo bem diferente do adotado para a edição das leis. Esse processo de rigidez se apresenta quanto à iniciativa, ao procedimento e ao quorum. O art. 60, da CF, traz os requisitos para a alteração constitucional. A iniciativa da proposta precisa ser subscrita por um terço, pelo menos, de deputados ou senadores, pelo Presidente da República ou mais da metade das assembleias legislativas estaduais.

[15] Para a emenda constitucional é necessário que a proposta seja votada em cada uma das casas duas vezes, em dois turnos. Na aprovação da lei é necessária a maioria simples, exigindo-se maioria absoluta para as leis complementares. O quorum de votação, entretanto, da emenda constitucional é de 3/5 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Vide que a emenda constitucional é muito mais difícil de ser aprovada do que a lei ordinária e mesmo a complementar. A par da rigidez referente à iniciativa, ao processo e ao quorum, há outras limitações, como a do art. 60, § 1º, segundo o qual não poderá ser votada emenda durante estado de defesa, estado de sítio ou intervenção federal em algum Estado, pela União. São limitações circunstanciais à emenda constitucional.

[16] Afirmavam os franceses: “Le pouvoir arrête le pouvoir“, ou seja, um poder segura o outro poder, em um sistema de freios de contrapesos. Em verdade, o sistema democrático é um conjunto de mecanismos, princípios e diretrizes que garantem a participação do cidadão. E a democracia se revela e se apresenta, em cada nação, consoante um determinado figurino.

[17] As revoluções burguesas foram protagonizadas pela burguesia na defesa das suas aspirações econômicas e sociais em detrimento do absolutismo reinante da época. Tendo acontecido em diversas localidades e em períodos distintos, destacaram-se, todavia, a Revolução Puritana e a Revolução Gloriosa, na Inglaterra, no século XVII, bem como a Revolução Francesa, na França, no século XVIII.

[18] Foi uma consequência direta da Revolução Constitucionalista de 1932. Com o fim da Revolução, a questão do regime político veio à tona, forçando desta forma as eleições para a Assembleia Constituinte em maio de 1933, que aprovou a nova Constituição substituindo a Constituição de 1891. O objetivo desta era o de melhorar as condições de vida da grande maioria dos brasileiros, criando leis sobre educação, trabalho, saúde e cultura. Ampliando o direito de cidadania dos brasileiros, possibilitando a grande fatia da população, que até então era marginalizada do processo político do Brasil, participar então desse processo. A Constituição de 1934 na realidade trouxe, portanto, uma perspectiva de mudanças na vida de grande parte dos brasileiros. Enumero as seguintes características da Constituição de 1934: 1- A manutenção dos princípios básicos da carta anterior, ou seja, o Brasil continuava sendo uma república dentro dos princípios federativos, ainda que o grau de autonomia dos estados fosse reduzido; 2 – A dissociação dos poderes, com independência do executivo, legislativo e judiciário; além da eleição direta de todos os membros dos dois primeiros. O Código eleitoral formulado para a eleição da Constituinte foi incorporado à Constituição; 3 – A criação do Tribunal do Trabalho e respectiva legislação trabalhista, incluindo o direito à liberdade de organização sindical; 4- A possibilidade de nacionalizar empresas estrangeiras e de determinar o monopólio estatal sobre determinadas indústrias; 5- As disposições transitórias estabelecendo que o primeiro presidente da República fosse eleito pelo voto indireto da Assembleia Constituinte.

[19] Os direitos fundamentais de primeira dimensão são os ligados ao valor liberdade, são os direitos civis e políticos. São direitos individuais com caráter negativo por exigirem diretamente uma abstenção do Estado, seu principal destinatário. Ligados ao valor igualdade, os direitos fundamentais de segunda dimensão são os direitos sociais, econômicos e culturais. São direitos de titularidade coletiva e com caráter positivo, pois exigem atuações do Estado. Os direitos fundamentais de terceira geração, ligados ao valor fraternidade ou solidariedade, são os relacionados ao desenvolvimento ou progresso, ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como ao direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e ao direito de comunicação. São direitos transindividuais, em rol exemplificativo, destinados à proteção do gênero humano. Por fim, introduzidos no âmbito jurídico pela globalização política, os direitos de quarta geração compreendem os direitos à democracia, informação e pluralismo. (In: NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Método, 2009, 3ª ed., 362/364).

[20] Diante da virada linguística exsurge a pretensão dos neopositivistas lógicos o de purificar ao máximo as proposições sob o crivo da linguagem e ainda analisar sua verificabilidade. Em verdade, no entanto, o enunciado linguístico que pode ser verificado logicamente. Há, pois, uma radicalização da pretensão de certeza do racionalismo iluminista. O principal eixo do pós-modernismo é relativo à linguagem, no início do século XX, com Ludwig Wittgenstein ocorreu o “linguistic turn” (giro linguístico). Esse giro significa que além de a linguagem ser importante nos processos cognitivos, ela é verdadeira condição de possibilidade para a constituição do conhecimento. (STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica em crise, p.144). Todo o conhecimento, que antes era determinado somente pela relação sujeito-objeto, agora passa a ser determinado pela linguagem.

[21] Brian Leiter, ao realizar sua abordagem sobre o “positivismo metodológico”, faz uma assertiva polêmica no sentido de que o debate sobre a metodologia não se encontra em mais nenhum lugar da filosofia, nem mesmo na filosofia prática. (In: LEITER, Brian. in: Beyond the Hart/Dworkin Debate: The Methodology Problem in Jurisprudence. (American Journal of Jurisprudence, vol. 48, 2003, p.30). Coleman defende que a valoração moral é desnecessária para uma teoria explanatório-descritiva do direito. O autor sustenta a possibilidade de se explicar a normatividade do direito sem lançar mão de um argumento normativo. Para tanto, Coleman adota como cerne do direito a derivação do dever (ought) diretamente do ser (is). Essa tentativa de Coleman preenche uma lacuna na discussão sobre a normatividade do direito e também permite a demonstração das deficiências do positivismo metodológico em explicar o fato (descritivo) de que determinada norma é um direito válido que fornece razões para ação. (In: COLEMAN, Jules. In: The Practice of Principle: In Defense of a Pragmatist Approach to Legal Theory. Oxford: Oxford University Press, 2001c, pp. 192-194. ).

[22] Afinal, uma razoável concepção das relações entre o direito e a moral deve considerar fenômenos sociais distintos, apesar da hipótese normativa prevista em um poder a repetir-se sem outros em certos casos concretos. A distinção havia entre moral e direito é um dos busilis mais complexos da filosofia política foi denominado por Ihering como Cabo Horn da Ciência do Direito, em face de ser questão de difícil navegação situado no ponto mais meridional da América do Sul, cuja travessia se fazia necessária para os navios que partiam do Atlântico ao Pacífico antes da abertura do Canal do Panamá. Convém salientar que é equívoco sustentar que a moral se ocupa apenas do foro interno (a retidão de intenções que não se traduza em ação ou que se manifeste em um comportamento perverso merecerá reprovação moral precisamente por tal inocorrência de sua dimensão externa. (In: LUÑO, Antonio-Enrique Peres et al. Teoria Del Derecho: uma concepión de la experiência jurídica. 8.ed., Madrid Editorial Technos, 2009; KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999).

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Neoconstitucionalismo & dogmática civil brasileira. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/neoconstitucionalismo-a-dogmatica-civil-brasileira/ Acesso em: 09 nov. 2024