Honorários advocatícios distribuídos aos integrantes da advocacia pública. Sua exclusão do teto de vencimentos
Kiyoshi Harada*
Pacificou-se a jurisprudência dos tribunais do País, na esteira do entendimento consagrado pelo Colendo STF, de que as vantagens de ordem pessoal do servidor público devem ser excluídas para o efeito do teto de vencimentos, pela aplicação conjugada do art. 37, XI e § 1º do art. 39 da Constituição da Republica (RREE 164.573, 160.860 e 141.788).
Entretanto, aquela Alta Corte de Justiça não definiu exatamente o que sejam “vantagens pessoais”. Porém, vem incluindo ou excluindo determinadas verbas na composição da remuneração máxima, através do exame de cada caso concreto à luz da legislação, da doutrina e da inteligência e criatividade de seus ilustres julgadores.
Uma questão bastante controvertida, ainda, não apreciada diretamente pela Corte Suprema diz respeito aos honorários advocatícios, resultantes da sucumbência, que são distribuídos pelo Poder Público a seus Procuradores. Devem tais verbas serem incluídas no teto de que cuida o art. 37, XI da Carta Política? É o que veremos à luz da legislação, doutrina e jurisprudência aplicável à espécie.
Com fundamentos em leis federais (Leis ns. 4.215/63, 4.632/65 e 8.904/94) esse direito à verba honorária foi sendo normatizado pelo Direito Administrativo das entidades políticas periféricas ( Estados e Municípios) de modo a propiciar a separação pela Administração Pública, através das normas de Contabilidade Pública, do que é seu (dívida ativa, juros, correção monetária, custas, emolumentos, etc.) daquilo que não lhe pertence (verba honorária, salários periciais etc).
No Estado de São Paulo a Lei de nº 10.168/68, pelo seu art. 21, determinou a entrega dessa verba a seus legítimos donos, os Procuradores do Estado. A Lei Complementar nº 93/74 – 1ª Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado – dispôs sobre o assunto em seu art. 55, que foi mantido pelo art. 97 da atual Lei Orgânica, Lei Complementar nº 478/86.
Hoje, a quase totalidade dos Estados membros destinam, legalmente, os honorários advocatícios resultantes da sucumbência aos integrantes do quadro de Procuradores. Muitos Municípios, a exemplo do Município de São Paulo, também, seguiram a orientação legislativa dos Estados. A matéria aqui versada será analisada à luz da legislação paulistana, por ser a mais abrangente.
Com efeito, a Lei municipal de nº 9.402/81 disciplina exaustivamente o assunto desde a composição dos honorários até os critérios de sua distribuição, mês a mês, aos Procuradores e destinação de uma parte para o aprimoramento dos integrantes da carreira.
É, pois, desse texto legal, objetivamente considerado, que compete extrair a natureza jurídica dos honorários em tela, o conceito respectivo e a forma pela qual integram o patrimônio individual de seus destinatários.
Um exame do texto logo indicará que se cuida de um incentivo ou prêmio de produtividade. O raciocínio se dá logicamente, até pela exclusão de outros conceitos, pois a verba honorária não integra os vencimentos dos Procuradores, nem se relaciona com o exercício de determinados cargos, sejam ou não privativos da respectiva carreira.
O fato de figurarem os honorários nos holerites ou demonstrativos de pagamentos é mera questão de conveniência de procedimento administrativo.
Com efeito, a lei é expressa ao colocar os honorários à disposição da Secretaria dos Negócios Jurídicos para efeito de sua distribuição, segundo os critérios estabelecidos (arts. 1º e 2º).
De outra parte, a distribuição dos honorários, como objetivamente previsto na lei, independe de se encontar o destinatário no início ou no fim da carreira, no exercício de cargos de base, ou de postos mais elevados de direção, assistência ou assessoramento (art. 5º).
A distribuição é equânime, apenas com um plus para os integrantes do Departamento que mais produziu (art. 4º) , mas, aí também, sem distinção de posto ou antiguidade.
Note-se, mais, que uma parcela dos mesmos honorários é obrigatoriamente destinada ao aprimoramento dos integrates da carreira, com a realização de cursos, aquisição de livros, periódicos, etc (art. 1º, II).
Afigura-se claro, assim, que não se trata de vencimento ou vantagem deste ou daquele cargo ou função. Os honorários são pagos juntamente com os vencimentos apenas para aproveitar os meios de processamento de que dispõem as Secretarias das Finanças e da Administração.
De tal modo, a verdadeira conclusão é que os honorários, como objetivamente disciplinados pela Lei nº 9.402/81 constituem um prêmio de incentivo ao trabalho dos Procuradores.
Os valores da verba honorária variam mês a mês segundo as vitórias efetivamente obtidas em juízo, na medida em que fazem crescer a arrecadação dos créditos da Fazenda Municipal.
Ou seja, a Fazenda, desejando melhor arrecadar, promete e paga um prêmio definido em lei, na busca de efetivos resultados para o erário.
A conclusão se aclara, mais, quando a lei, não satisfeita com os valores da sucumbência propriamente dita, determina acréscimos proporcionais no intuito de oferecer um incentivo ainda maior, que realmente se reflita na arrecadação (art.2º, incisos I, II e III).
Efetivamente, esses acréscimos não são fixos, mas variam na exata proporção em que variam mensalmente os valores originários da sucumbência.
Configura-se, portanto, o pro labore facto, que a doutrina conceitua como recompensa ou paga por um trabalho já feito e, consequentemente, já incorporado ao patrimônio individual de quem o realizou sob as condições preestabelecidas.
Ou seja, no caso em exame, os honorários são devidos em razão de um trabalho já feito e consubstanciado com efetivo resultado, que se incorporou, no mês de competência, ao patrimônio pecuniário e individual dos Procuradores, como um prêmio por desempenho em equipe, repartido entre seus componentes que, cada um em sua função, contribuiram para o esforço de arrecadação desejado pela Fazenda Pública.
Mas é evidente que a equipe, aí, não tem personalidade própria, de modo que o prêmio, de direito e de fato, se destina aos seus integrantes, individualmente. A lei assim determina, claramente, em seu art. 1º.
‘De se observar, aqui, que a lei não distingue as parcelas que compõem os honorários (sucumbência e acréscimos). Ao contrário, determina a distribuição do total apurado, de modo que é esse o prêmio a título de honorários, independentemente de sua composição.
Visto, assim, que os honorários advocatícios, por expressa disposição legal, se constituem como prêmio de produtividade, fora dos vencimentos ou da remuneração a qualquer título devida pelo exercício do cargo de Procurador, em qualquer nível, ou em razão do tempo de serviço, surge clara a conclusão de que dita figura não está compreendida na remuneração sujeita a limites de que trata o art. 37, XI, da Constituição Federal.
A lei não prevê, em nenhum ponto, a integração ou incoporação dos honorários aos vencimentos ou proventos da aposentadoria. Ao contrário, os aposentados os percebem diretamente, sem incorporação prévia, juntamente com os Procuradores em atividade (art. 3º).
A abrangência dos aposentados, diretamente, é bem indicativa de que não se cuida de vantagem do cargo, a qualquer título, mas de um incentivo a parte, estabelecido de forma apta a realmente interessar os seus destinatários, inclusive pela continuidade de sua percepção na aposentadoria.
A linha de argumentação retro foi integralmente acolhida pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, em duas oportunidades assim se expressou:
“Consoante dispõe a legislação aplicável à espécie – leis Municipais ns. 8.778/78 e 9.401/81 -, a instituição da verba honorária visou a melhorar a eficiência dos procuradores, incentivando-os com o pagamento da sucumbência, estejam eles aposentados ou em atividade.
Tal incentivo constitui vantagem de ordem pessoal do Procurador Municipal e, como tal, não computável para o efeito de teto de vencimentos a que alude o inciso XI, do artigo 37 da Constituição Federal”.
A verba em questão afigura-se entre as chamdas “gratificações pessoais (propter personam), por representar mensalmente o quantum arrecadado pela Procuradoria Geral do Muncípio a título de verbas sucumbenciais e repassado para o Procurador” (Mandados de Segurança ns. 18.366-0/6 e 24.525-0/1 relatados, respectivamente pelos eminentes Desembargadores Cunha Bueno e Oetterer Guedes).
Entretanto, esse entendimento manifestado pelo Plenário do E. Tribunal de Justiça não vem sendo aceito por algumas das Câmaras que compõem o Secção de Direito Público, sob os mais diversos fundamentos. Analisaremos aqui apenas os de natureza jurídica:
(a) o art. 37, XI da CF ao se referir à remuneração “a qualquer título” inclui a verba honorária na remuneração paga aos Procuradores;
(b) a verba honorária é destinada indistintamente a todos os integrantes da carreira de Procurador, em atividade ou nela aposentados, pelo que não se trata de vantagem pessoal;
(c) parte da doutrina especializada só considera “vantagem pessoal” aquela que o servidor percebe em razão de uma circunstância ligada à sua própria situação individual… de sorte a abranger apenas aquela que, para percebê-la, “tenha que concorrer alguma circunstância ou incidente associável aos particulares eventos da vida funcional do agente”;
(d) existem os acréscimos que são pagos pelos cofres públicos e não apenas pelas partes vencidas em juízo.
Conquanto aparentemente corretas, tais argumentações não se sustentam, data venia, conforme demonstraremos a seguir.
É um grande equívoco tomar em sentido amplo a expressão remuneração “a qualquer título”, utilizada pelo art. 37, XI, da CF, para incluir a verba honorária no teto de vencimentos. Essa expressão “a qualquer título”, consignada no texto em exame, é voltada para os limites máximos à remuneração dos servidores, e não para a remuneração por estes percebida. Senão, também as vantagens individuais se sujeitariam ao teto, uma vez que, em sentido amplo, são também remuneração. E isso significaria uma contrariedade à jurisprudência que se firmou sobre o assunto, no sentido de que as vantagens pessoais (mesmo sendo remuneração), devem ser excluídas do teto salarial. Quanto a isso nenhuma divergência.
Não procede, também, o argumento de que os honorários não constituem vantagem pessoal porque destinados aos integrantes da carreira de Procurador, em atividade ou nela aposentados, e não em decorrência da situação individual de cada um.
Com efeito, não é a destinação que define a natureza de uma vantagem, mas o fato ou circunstância que a produziu. Do contrário, parte da verba honorária, destinada ao aprimoramento dos integrantes da carreira (cursos, congressos, aquisição de livros etc), também, passaria a integrar o vencimento-base.
A respeito, cabe invocar as decisões proferidas pelo STF na ADIN n° 14 (RTJ-129/1) e no RE em Mandado de Segurança n° 21.857 (RDA-201/100).
Neste último, o Relator, Min. Ilmar Galvão, se reporta a considerações tecidas pelo Min. Sepúlveda Pertence sobre o critério de classificação das diversas vantagens que compõem a remuneração do servidor público, nos seguintes termos:
“De fato. O critério de classificação das diversas parcelas componentes da remuneração do servidor público é a causa, o fato gerador do direito à sua percepção. Sob esse prisma, vencimento é a remuneração imputada exclusivamente ao exercício de determinado cargo. Ou, na definição legal vigente (L. 8.112/90, art. 40), “a retribuição pecuniária devida pelo exercício de cargo público, com valor fixado em lei”. Valor que, por imperativo constitucional (art. 39, § 1º), há que ser idêntico para cargos iguais, independentemente de quem seja o ocupante atual de cada um deles”. (Reprodução dos itens 40 e 41 do voto proferido pelo Min. Relator Sepúlveda Pertence nos autos do RE n. 141.788-CE, Tribunal Pleno,in RTJ-242/152).
Prosseguindo, a partir desse ponto, o Min. Ilmar Galvão adota a definição de Celso Antonio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 1.993, p. 130. Nota de rodapé nº 5), que assim diz:
“ Vantagem pessoal é aquela que o servidor percebe em razão de uma circunstância ligada à sua própria situação individual – e não ligada pura e simplesmente ao cargo… Contrapõem-se às vantagens pessoais as denominadas (ainda que inadequadamente) vantagens de carreira. Opostamente às anteriores, sua percepção corresponde a um acréscimo que está associado pura e simplesmente ao cargo ou à função. Qualquer que neles esteja preposto as receberá pelo fato de exercê-los, sem que para tanto tenha que ocorrer alguma circunstância ou incidente associável aos particulares eventos da vida funcional do agente …”
Pois bem, é dentro desse balizamento que se deve analisar a verba honorária, para verificar se decorre simplesmente do cargo ou função, ou se, em sentido oposto, tem conotação de vantagem pessoal a determinar a sua exclusão do teto salarial.
Assim, é de se ver desde logo que a causa, o fato gerador do direito à sua percepção não está no cargo ou na carreira, mas, na sucumbência, decorrente de vitórias concretamente obtidas em juízo.
Não basta estar na carreira, mas é preciso, além disso, gerar a sucumbência, sem o que não haverá honorários. Não basta sequer ingressar em juízo, mas é preciso vencer em juízo.
Aí já se vislumbra a “circunstância ou incidente” a que alude Celso Antonio para caracterizar as vantagens pessoais em oposição às vantagens da carreira. De fato, sem a “circunstância” da sucumbência não se produzem os honorários, de forma que, mesmo estando no cargo, o procurador nada perceberá a tal título.
Ademais, os honorários não têm “valor fixado em lei” consoante a definição legal citada pelo Min. Sepúlveda Pertence, mas valor variável, mês a mês, segundo o resultado da sucumbência (pro labore facto), o que está a indicar outra distinção entre essa verba e as vantagens da carreira ou do cargo. Aliás, a própria distribuição dessa verba é variável segundo a honorária efetivamente arrecadada em cada Departamento.
Sob outro ângulo, o próprio nome honorários de advogado está a definir o titular dessa remuneração, que só pode ser o advogado, na sua individualidade, com a exclusão de qualquer outro profissional. Mas, não bastasse o nome, a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) dispõe em seus artigos 22 e 23 que os honorários pertencem ao advogado, individualmente. E isso não se altera, evidentemente, pelo fato de se repartirem os honorários em face da atuação conjunta, direta ou indiretamente, de vários advogados, a exemplo do que ocorre nas Procuradorias do Poder Público, até por necessidade e conveniência dos serviços. Na hipótese, cada advogado terá direito à respectiva cota individual. E aqui é oportuno esclarecer que na advocacia pública, em decorrência de promoções, remoções etc., há uma constante rotatividade dos Procuradores que atuam nos processos judiciais, mas, cada um deles contribuindo para o sucesso das demandas. Daí a necessidade de prévia centralização das verbas sucumbenciais para ulterior rateio entre os mesmos.
Dessas considerações já se pode ver, data venia, que os honorários não constituem remuneração que provém do cargo, com valor fixado em lei, mas vantagem do advogado, no caso, do Procurador Municipal, gerada pela sucumbência das partes adversárias em juízo. Ou seja, cuida-se de remuneração autônoma por trabalho já feito (pro labore facto) e com efetivo resultado, segundo o incentivo legal.
Em outras palavras, não se trata de verba simplesmente destinada aos integrantes da carreira, independentemente da atuação que tenham, mas de valor atribuível a cada um deles, desde que produzido e na medida em que vençam as demandas postas em juízo. De se concluir, pois, que se cuida
de um prêmio a incentivar particularmente o trabalho dos Procuradores. Os valores da verba honorária variam segundo as vitórias efetivamente obtidas em juízo, na mesma medida em que fazem crescer a arrecadação dos créditos municipais.
Nessas condições, porque constituem paga por um trabalho já feito, a verba honorária se incorpora ao patrimônio individual de seu destinatário, pela respectiva cota parte. É o direito de perceber essa cota pro labore facto.
Com efeito, para Hely Lopes Meirelles, “Vantagens irretiráveis do servidor só são as que já foram adquiridas pelo desempenho efetivo da função (pro labore facto) ou pelo transcurso do tempo de serviço (ex facto temporis)” (Direito Administrativo Brasileiro, l989, pág. 396).
Por seu turno, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, após considerar natural que as vantagens pro labore faciendo sejam levadas em conta na estipulação do teto de vencimentos, assevera: “Seria absurdo que as vantagens pro labore facto fossem nisso abrangidas. De fato, elas recompensam um esforço já feito, de modo que não são remuneração do cargo num dado momento ocupado” (Comentários à Constituição Brasileira de l.988 – edição l990, págs. 252-253).
Afinal, se há promessa legal de pagamento, segundo o resultado, não é lícito à Administração frustrar o pagamento ou fazer incidir descontos sobre o pagamento, após obter o resultado.
O fato de serem os honorários distribuídos também aos aposentados não deve impressionar, mas ser tomado como um incentivo a mais, a motivar o Procurador, enquanto em atividade, pela perspectiva de perceber tal vantagem na aposentadoria.
Da mesma forma, os acréscimos que a lei determina não devem causar estranheza, pois significam simplesmente outro fator de incentivo. Esses acréscimos não têm origem própria, mas são valores acessórios, que variam segundo o principal, sem o qual não existem.
Por tudo isso parece-nos absolutamente correta a tese esposada pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça, nos dois Mandados de Segurança retro referidos, a qual se ajusta perfeitamente à linha de argumentação que a Suprema Corte vem desenvolvendo, a cada caso concreto, na conceituação do que seja verba de “vantagem pessoal”.
* Advogado e professor de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário, Diretor da Escola Paulista de Advocacia e Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica da
Procuradoria Geral do Município de São Paulo.
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