Direito Constitucional

Em nome do pai

Em nome do pai

 

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

A família é a base da sociedade. É o que diz a Constituição Federal.

 

É também a Constituição que atribui ao homem e à mulher o exercício, em igualdade de condições, dos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal. Ao consagrar a paternidade responsável, admitir o planejamento familiar, assegurando ao casal a liberdade de decidir sobre a eventualidade da prole, a Constituição estabelece o princípio isonômico também no seio da família.

 

No entanto, as questões relativas à filiação são tidas como algo que só diz respeito à mulher. Alavancada pelo movimento feminista, a procriação é vista como um direito feminino, e a livre decisão sobre a mantença ou não da gestação é a bandeira que leva às últimas conseqüências a emancipação feminina. Mas, se é conferida ao casal a decisão do planejamento familiar, qual o papel do pai? Em que medida poderá o homem influir, tanto sobre o uso dos métodos contraceptivos como sobre a possibilidade de a mulher interromper a gravidez?

 

Mesmo que não se negue que a mulher suporta a gravidez e todos os seus transtornos, será que a função parental só surge com o nascimento? Antes disso, nenhuma influência, nenhum significado, ou ainda nenhum direito é reconhecido ou assegurado ao pai?

 

Para alimentar o debate, talvez caiba lembrar que, decidindo a mulher levar adiante a gravidez, nenhuma relevância tem a vontade do genitor. Se ele não aceitar a gestação, eventual tentativa sua de persuadir a mulher a interrompê-la é tida como gesto hediondo e desumano. Mesmo que não se trate de um filho desejado pelo pai, a paternidade lhe é impingida, ainda mais no atual estágio da engenharia genética, em que a identificação do vínculo biológico é praticamente certa. Assim, além da paternidade, também é imposta ao pai a obrigação de mantença do filho, inclusive sob pena de prisão.

 

Cabe figurar a hipótese de, após um longo e doloroso tratamento, conseguir um homem engravidar uma mulher. Se ela, por mero capricho, por birra talvez, quiser interromper a gestação, é de questionar: será que o genitor, sabendo que não mais poderá ter filhos, tem legitimidade para tentar impedir o abortamento? Poderá buscar, na via judicial, obstaculizar que tal prática se consuma? Mais: poderá assumir de forma válida a paternidade, comprometendo-se a ficar com a guarda do filho?

 

Não dá para, singelamente, nessa hipótese, invocar o direito do nascituro antes do nascimento, pois esse é um direito que a lei assegura ao feto, e não a quem o concebeu.

 

É certo que não se pode considerar a mulher como mero instrumento reprodutor, mas, como se está vivendo na era dos direitos humanos, em que vicejam e se desdobram como verdadeiros ícones a igualdade e a liberdade, não há como deixar de atentar em que existem não só deveres e obrigações do pai, há também o direito do pai, o direito de ser pai.

 

 

* Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões. Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS. Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

 

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. Em nome do pai. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/em-nome-do-pai/ Acesso em: 26 jul. 2024