Apagão e Efeito Vinculante
Fernando Machado da Silva Lima*
10.09.2001
Toda a imprensa noticiou, e todos já sabem perfeitamente que o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional a Medida Provisória que instituiu o racionamento de energia elétrica. Por oito votos contra dois, em ação declaratória de constitucionalidade (ADC nº 9), movida pela Advocacia Geral da União, foi concedida liminar declarando constitucionais os artigos
O problema agora é saber se deve ou não ser respeitada e se o Prefeito pode se recusar a cumpri-la? Em Belém, a Prefeitura se recusa a colaborar, em especial no pertinente à iluminação pública. Na verdade, a Doutrina costuma aceitar como normal a recusa, entendendo que o Prefeito poderia deixar de cumprir uma lei, alegando sua inconstitucionalidade. Mas será que ainda é possível alegar a inconstitucionalidade da Medida Provisória que instituiu o plano de racionamento? Será possível alegar a inconstitucionalidade de uma decisão do STF?
O ilustre Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos, Dr. Egídio Sales Filho, em resposta a um leitor de O Liberal (leia a carta de Márcio Vasconcelos), que o havia criticado porque teria dito que a Prefeitura não seria obrigada a cumprir decisão do STF, esclareceu o seu ponto de vista, dizendo que:
1) o art. 102, § 2o da Constituição Federal determina que somente as decisões definitivas de mérito terão eficácia contra todos e efeito vinculante;
2) como se trata apenas de uma decisão liminar, a Prefeitura não lhe deve obediência, porque a liminar não tem efeito vinculante;
3) o leitor parece não ter notório saber jurídico, porque deixou de compreender que o cerne da questão é a violação da Constituição pelo próprio STF. (leia a carta do Dr. Egídio Sales)
Em abono de sua tese, o Secretário citou o constitucionalista Dalmo de Abreu Dallari, que também entende que a liminar do STF sobre o “apagão” não tem efeito vinculante. (Suprema Indecisão, Revista Consultor Jurídico, 15.07.2001) (leia o texto do Dr. Dalmo Dallari)
Juridicamente, a questão não é nova, porque no julgamento da ADC nº4, ao apreciar a constitucionalidade da Lei 9494/97, que disciplina a antecipação dos efeitos da tutela contra a Fazenda Pública, o STF também decidiu, em 11.02.1998, a partir do efeito vinculante de sua futura decisão de mérito, suspender liminarmente a prolação de qualquer decisão antecipatória contra a Fazenda Pública, o que tem prevalecido até esta data, apesar das inúmeras críticas doutrinárias.
Na minha opinião, se o STF é o guardião da Constituição, se a sua palavra é definitiva, e se o controle abstrato de constitucionalidade visa sobretudo a defesa da Constituição, não se pode compreender, evidentemente, que ele esteja impedido de conceder uma liminar, antecipando os efeitos da decisão definitiva. Afinal de contas, é para isso mesmo que servem as liminares. Entender o contrário, com uma exegese apenas literal da Constituição, seria retirar do Supremo o seu poder acautelatório e permitir que a lei inconstitucional continuasse sendo aplicada, até a decisão de mérito. E exatamente porque, em certos casos, a decisão de mérito pode chegar tarde, é que existe a possibilidade de concessão da medida cautelar, provisória, que valerá até a decisão definitiva.
Para Canotilho,
“É do conhecimento generalizado que a superlegalidade formal, tanto quanto a parametricidade material das normas constitucionais, conduz à exigência da conformidade substancial de todos os actos do Estado e dos Poderes Públicos com as normas e princípios hierarquicamente superiores da Constituição.” ( Gomes Canotilho, J. J. – Direito Constitucional, 6ª ed., Lisboa, Livraria Almedina, 1993, pág. 956).
Pessoalmente, também não acredito no efeito vinculante, mas a verdade é que ele existe, porque o próprio STF já decidiu pela sua constitucionalidade. Assim, não tem cabimento dizer, como os ilustres juristas acima referidos, que o STF violou a Constituição. Isso é impossível, porque ele é o seu intérprete máximo. A Constituição é aquilo que o STF disser. Tudo o mais, será apenas a desobediência civil.
O Supremo foi muito claro, quando apreciou a ADC nº 9 e concedeu a liminar:
“O Tribunal, preliminarmente e a uma só voz, admitiu a Ação Declaratória de Constitucionalidade. O Tribunal, por maioria de votos, deferiu a cautelar, para suspender, com eficácia ex tunc e com efeito vinculante, até final julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade dos artigos
Ou seja, o STF decidiu aplicar o efeito vinculante, para proibir qualquer decisão contrária ao “apagão”. As liminares que já haviam sido concedidas contra o plano de racionamento terão sua eficácia suspensa até o julgamento do mérito da Ação Declaratória de Constitucionalidade. Na minha opinião, a crítica doutrinária é válida, mas não a desobediência, porque atenta contra as instituições. A autoridade não se pode negar a cumprir a lei ou a Constituição, e nem mesmo uma decisão judicial. Muito menos, quando essa decisão é do Supremo Tribunal Federal. Aliás, constitui crime de responsabilidade do Prefeito Municipal, nos termos do inciso XIV do art. 1o do Decreto-lei nº 201/67,
“negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente”.
* Professor de Direito Constitucional
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