Direito Constitucional

A problemática da judicialização do direito à saúde em conflito com a questão orçamentária

Jullyany Carvalho Ewerton[1]

RESUMO

A judicialização de políticas públicas no Brasil tem evoluído no ordenamento jurídico e encontrado espaço, pois, adendo a falta de resoluções concretas de situações que pairam os direitos fundamentais, o Estado tem se mostrado ineficiente em cumpri-las. Por outro lado, são tracejados ideais de limitação do poder judiciário, pois condena-se o gerenciamento por parte do mesmo naquilo que reflete a competência em extrair direitos. Ademais, discute-se se a consequência da inoperância da Administração Pública resulta no próprio fenômeno, visto que a concretização de atos idôneos e probos têm sido palpavelmente observados enquanto a Constituição é incisiva naquilo que determina como fundamental e primordial em detrimento do coletivo, e até mesmo ao que tange os direitos individuais, visando alcançar uma sociedade justa e democrática.

Palavras-chave: Direitos Sociais. Políticas Públicas. Constituição. Celeridade.

INTRODUÇÃO

O direito à saúde está previsto na Constituição, em seu artigo 196, aparecendo como direito fundamental e universal, no tocante de que qualquer brasileiro ou estrangeiro possa ter acesso. Mais precisamente, na medida em que a saúde é um direito de todos, ou seja, é direito de 190 milhões de brasileiros, surgem desafios e questões sobre como tornar este direito alcançável e exercido por todos de forma capilar, ou, mais propriamente, como constituir um arranjo de recursos e investimentos que torne as ações de saúde uma prerrogativa efetiva para todos.

Art. 196, CF. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A complexidade da matéria evolui na medida em que, no Brasil, a efetivação da saúde é de competência concorrencial, constituindo simultaneamente como um dever dos Municípios, dos Estados e da União, tornando o imbróglio dos repasses financeiros e investimentos algo muito mais delicado, em razão das questões orçamentárias de cada ente.[2]

Para além do ideal financeiro, a ampliação da atuação do sistema de justiça no acesso à assistência à saúde estabelece repercussões sobre a gestão, influenciando na tomada de decisão dos profissionais envolvidos, e que, ao menos em parte, decorre das deficiências da própria administração pública. Assim, a relação estabelecida entre acesso à justiça e à saúde induz uma ideia de “um efeito benéfico na responsabilização do Estado em desenvolver procedimentos adequados de incorporação, compra e distribuição de procedimentos terapêuticos pela rede pública” (BAPTISTA, 2009, p. 829). Entretanto, os efeitos negativos desta atuação são inferidos e atrelados à alta e persistente demanda judicial, combinada com respostas automáticas e insatisfatórias sem uma devida e cuidadosa análise crítica da demanda pelos atores envolvidos. A combinação desses elementos pode causar um tipo de “disfunção nos sistemas” (BARROSO, 2009), com “o risco de se desenvolver a via judicial como principal meio para se garantir o acesso ao medicamento” (BAPTISTA, 2009, p. 836) e, nesse sentido, causar prejuízos significativos à efetividade (individual e coletiva) do direito à saúde, com violação de princípios éticos e legais importantes, como o acesso igualitário e a integridade física e saúde do demandante.

Inicialmente, o presente texto visa pontuar a atuação do Poder Judiciário nessa matéria, inferindo a sua necessidade em interpelar pelas razões dos direitos sociais falharem diante do pressuposto na Constituição. Depois, fundamenta o que representa a compreensão da principiologia (neoconstitucionalismo) do Estado de Direito na nossa sociedade, tecendo as críticas em relação ao fenômeno da judicialização, ressalvando suas peculiaridades e equívocos. Na terceira parte, a questão orçamentária é corroborada, fazendo mister salientar que as abrangências pricipiológicas e conflituais de competência não solucionam aquilo que têm sido refutado sobre as lacunas no acometimento da realização dos direitos sociais, no caso e em pauta, a saúde. Em suma, os pedidos de acometimentos de responsabilidade ao que se refere à saúde, cuja propósito ilustra a dignidade humana, merecem uma humanização para adentrarem na esfera de elementos concretizados da Constituição, sendo assim possível mediante as ações judiciais e sua respectiva celeridade.

A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

No Poder Judiciário, o princípio da inércia atribui a máxima de “não há juiz sem autor”. Assim, o Judiciário somente pode agir para concretização de direitos mediante provocação de alguém que se sentir lesado por ação ou omissão de terceiro, resultando assim numa postura estática por parte do ordenamento jurídico enquanto não for chamado à litígio. Como define Barroso:

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo (…). Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro”.

Assim, o cerne da judicialização respalda no esclarecimento da utilização do poder judiciário de algo, a priori coletivo, em detrimento de um determinado indivíduo, resultando na deliberação de um direito que figura numa possível transgressão de competência do juiz.

Em uma pesquisa encomendada pelo CNJ e pelo Poder Judiciário[3], fora apontada que problemas com os convênios reportam a maior causa (30,3%) dos pedidos de processos relacionados ao assunto no país. Outros assuntos levados ao Judiciário nessa última década foram os pedidos de seguro em saúde (21,1%), saúde pública (11,7%), o tratamento médico-hospitalar ou fornecimento de medicamentos (7,8%) e fornecimento de medicamentos (5,6%). Na segunda instância, planos de saúde respondem por 38,4% e seguro, por 24,7%. Na primeira instância, são saúde pública (23%), planos de saúde (22,8%) e seguro (14%). Mister salientar que o cerne da questão pauta-se no drama de tentar evitar a morte ou prejudicar determinadas pessoas que se encontram vulneráveis aos cuidados emergenciais das instituições públicas e privadas. Enquanto as vias administrativas contentam um aspecto moroso e insensível às necessidades individuais, a justiça compacta com a celeridade.

A judicialização tem sido crescente, mas ainda assim as ações judiciais não conseguem derrubar determinadas barreiras assistenciais estruturais: a garantia de ações essenciais para manutenção da vida requer suficiência e boa gestão de recursos físicos, humanos e financeiros que não se encontram disponíveis. Contudo, faz-se necessário destacar que as mesmas não se caracterizam como punição, apenas como solução administrativa para agravos e doenças, pois não buscam o pagamento pecuniário dos danos. A elevação da carga tributária nos últimos anos não resultou em mais investimentos à saúde pública e, sendo assim, nos debruçamos diante uma realidade de maior arrecadação de impostos onde, ao mesmo tempo, obtemos serviços públicos de má qualidade[4], atentando para um circuito que estabelece a desqualificação dos fundamentos da justiça e da democracia.

O DIREITO À SAÚDE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO

Na Constituição Federal, em seu artigo 6, está positivada a saúde como direito social. Elencada no roll de direitos fundamentais na categoria dos chamados direitos de titularidade coletiva, assim como classificada em segunda geração, reclama ao Estado o dever de proporcionar condições mínimas de dignidade, buscando dirimir as desigualdades sociais (e por consequência zelar pela proteção aos mais fracos) de modo universal, sendo operado sob a égide do Welfare State[5]. Sobre a matéria, o artigo 196 da Carta Magna dispõe:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Criou-se então, no Brasil, o que se comumente denomina litigância de interesse público, na medida em que não se comporta a ideia de que os direitos são restringidos às meras partes individuais, pois são de titularidade de grupos e coletividades. Destarte, a compreensão de um Estado Democrático de Direito, cuja atuação opera sob a ótica de atribuição do próprio à uma política ativa na comunidade, se justifica quando voltado à convivência: de tal modo, sua definição não existe para atender o indivíduo, e sim a comunidade. Em conflito com essa temática, Bonavides explica e orienta sobre a juridicização[6] (1985):

O problema da “juridicização” dos direitos sociais se tornou crucial para as Constituições do Estado Social. Cumpre, pois, na busca de uma solução, observar toda essa sequência: reconhecer a vinculação constitucional do legislador a tais direitos, admitir que se trata de direitos de eficácia imediata, instituir o controle judicial de constitucionalidade e, por fim, estabelecer mecanismos suficientes que funcionem como garantias efetivas de sua aplicabilidade (p. 347).

Ou seja, a partir do momento em que o Estado tornou-se detentor principal e regrador do direito à saúde, ele determinou os protagonistas que atuariam nessa dinâmica para sua concretização, consistindo em instituições públicas ou privadas, assim como o próprio ordenamento jurídico brasileiro delega a participação de alguns órgãos tais quais a Defensoria e o Ministério Público (ajuizar ação civil pública em face à ameaça de direitos coletivos), incluindo àquelas denominadas funções essenciais à justiça, ainda que por consequência transfira de certo modo ao juiz o poder de deliberar sobre a política pública de saúde.

Ora, ainda que haja pertinência da competência do juiz para tal ação, é importante ressaltar que a própria Constituição Federal determina, em seu artigo 5, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, resolvendo alocar para o Poder Judiciário a autoridade para decidir no tocante a lesão ou ameaça à qualquer direito:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]

 XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

A crítica à judicialização se perfaz quando essas deliberações têm demonstrado ser via de regra individual, concedendo para indivíduos direitos não plasmados nas políticas públicas de saúde. Isso faz com que o poder judiciário seja o responsável, de certa forma, por aplicar e direcionar para quem detêm o direito, ao invés do feito se consolidar de forma global para atender a maioria ou à todos que precisam, tendo em vista que tal atuação compromete a organização do sistema único de saúde e principalmente, a questão orçamentária (a alocação da verba de saúde encontra-se destinada em uma parte, por delegação de ordem judicial).

Uma primeira dificuldade ética na identificação da saúde como um bem a ser tutelado pelo Direito é estabelecer critérios universalizáveis para definir este bem, ou mesmo os benefícios ou as necessidades para determinada pessoa ou comunidade, considerando que dependem de uma valoração específica, nos diversos contextos morais e sociais, e, em especial, nas sociedades pluralistas (ENGELHARDT JR., 1998).

Em observância à essa crítica, alenta-se para fragilidade da sustentação das políticas públicas de saúde. O direcionamento orçamentário que visa calçar o sistema é deficiente e ainda encontra resistência no que tange a suficiência dessas garantias para a sua aplicabilidade, cuja base principiológica é refutada no direito brasileiro através de uma hermenêutica de diretriz financeira denominada Princípio da Reserva do Possível, do qual preza pela possibilidade da realização de suas prestações idealiza uma posição limítrofe do Estado àquilo que constitui os cofres públicos para à sua efetivação.

Em alusão a tal situação e em contraposição ao Princípio da Reserva do Possível, encontra-se a dignidade humana, cuja sua afirmação está atrelada ao direito à saúde, onde o Estado revela-se pautado na obrigação de prestar os serviços em sua dimensão objetiva, atentando-se o fato do cidadão possuir o pleno exercício de solicitar ao Estado-Juiz uma solução reparadora quanto à violação do direito fundamental no seu caráter subjetivo.

Reputa-se que apesar da saúde não configurar como direito absoluto, assim como nenhum outro direito fundamental o conforma[7], e até mesmo o direito à vida ter na Constituição uma correlação dotada de avaliação (a pena de morte se encontra positivada na Carta Magna em hipótese de guerra declarada), prega-se o princípio da proporcionalidade para decisões que visam definir o aspecto primordial do caso concreto, pois os princípios constitucionais não são dotados de completa hierarquização e soberania, o que faz necessária a ressalva à ponderação, deslocando a questão da análise do “tudo ou nada”. Nas palavras do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso:

“A colisão de princípios, portanto, não é só possível, como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. Por isso a sua incidência não pode ser posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. (…) A aplicação dos princípios se dá, preponderantemente, mediante ponderação”. 

Considerando a ponderação e tendo em vista o direito à vida (dignidade humana) em oposição à questão financeira do Estado, a observação primordial revela-se na moralidade, cuja fator enquadra-se em um dos pilares para a construção normativa no Brasil, visto que Miguel Reale sustenta sua base na teoria tridimensional do direito: fato, valor e norma, salientando:

“É necessário aprofundar o estudo dessa “experiência normativa”, para não nos perdemos em cogitações abstratas, julgando erroneamente que a vida do Direito possa ser reduzida a uma simples inferência de Lógica formal, como a um silogismo, cuja conclusão resulta da simples posição das duas premissas. Nada mais ilusório do que reduzir o Direito a uma geometria de axiomas, teoremas e postulados normativos, perdendo-se de vista os valores que determinam os preceitos jurídicos e os fatos que os condicionam, tanto na sua gênese como na sua ulterior aplicação.”

Ademais, o ideal da universalidade instituído pelo SUS, reforça o caráter de direito fundamental da saúde assim como a garantia do mesmo como individual de todo e qualquer cidadão: explana-se a ideia do Estado ser obrigado a garantir os devidos meios necessários para que os cidadãos possam exercer plenamente esse direito, sob pena de não estar cumprindo ou restringindo a sua função.

FALTA DE INVESTIMENTO E INFRAESTRUTURA DO SUS

No debate jurídico atual, há três posições sobre a eficácia do direito à saúde que se desdobram em análises acerca das possibilidades de atuação do Judiciário na determinação de prestações a serem cumpridas pelo SUS: 1) uma primeira posição entende que a eficácia desse direito deve ser restrita aos serviços e insumos disponíveis do SUS, determinados pelo gestor público; 2) Uma segunda compreende que o direito à saúde implica garantia do direito à vida e integridade física do indivíduo, devendo o Judiciário considerar a autoridade absoluta do médico que assiste ao autor da ação judicial, obrigando o SUS a fornecer o tratamento indicado; 3) Uma terceira posição defende que a eficácia do direito à saúde necessita ser a mais ampla possível, devendo o Judiciário, na análise do caso concreto, ponderar direitos, bens e interesses em jogo, para fixar o conteúdo da prestação devida pelo Estado. A terceira posição é a que se revela mais adequada à compreensão da sinergia entre saúde e direito, na garantia do cidadão ao acesso à justiça e acesso à saúde (LEIVAS, 2006).

Entretanto, na saúde pública brasileira existe carência de recurso, seja financeira, de infraestrutura ou natural[8]. A partir do orçamento da seguridade social e com base na lei de diretrizes orçamentárias, destina-se ao Sistema Único de Saúde, o SUS, os recursos necessários para o cumprimento de suas finalidades. Pautado em um modelo descentralizado, o governo federal fica responsável por distribuir a maior parte dos recursos aos Estados, Municípios e Distrito Federal, sendo o valor dos repasses definidos de acordo com as condições de gestão, certificação, qualificação nos programas do Ministério da saúde e teto financeiro.

A Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, define os percentuais de investimento financeiro de cada um no SUS. Municípios e o Distrito Federal devem aplicar no mínimo 15% da arrecadação de imposto em ações e serviços públicos de saúde por ano. O Estado, 12%. Para a União, destina-se que o total aplicado deva corresponder ao valor comprometido no exercício financeiro antecedente, adicionado do percentual relativo à variação do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior ao da lei orçamentária anual.

A implementação da lei resultou numa redução do investimento do governo federal na saúde, e instituições organizadas proclamam que seja destinado pelo menos 10% das receitas correntes brutas para a saúde pública. Devido ao baixo crescimento do PIB no cenário atual, o financiamento da União que antes bancava 60% do total do investimento do SUS, hoje recai em 40%, 20% a menos em relação ao início da última década. Em 2014, último ano disponível em contabilidade pela OMS, o investimento em saúde alcançou 6,8%. Através de uma perspectiva global, os gastos públicos com saúde são menores (8,3% do PIB) do que a média mundial (9,9% do PIB). Nos Estados Unidos, 21,3% do orçamento nacional vai para a saúde contra 22% na Suíça, 23% na Nova Zelândia e 20% no Japão. Em alguns países em desenvolvimento, o índice também é elevado. No Uruguai, ele chega a 20%, contra 23% na Costa Rica ou 24% na Nicarágua. Tal números acabam por refletir na infraestrutura do SUS.

Dados da OMS também revelam que, apesar de certos avanços, mais da metade dos gastos de um paciente com a saúde sai de suas próprias economias, seja pelo pagamento de planos privados ou arcando com consultas e operações. No total, 53,9% dos gastos com a saúde no Brasil vêm da renda dos cidadãos. Em 2000, essa taxa chegava a quase 60%. A média mundial é de 39%.

“Os recursos para cuidados de saúde têm de ser alocados em um sistema de saúde no contexto de escassez e incerteza. Recursos para a saúde são alocados através de decisões profissionais e econômicas, mas os resultados gerados por esses mecanismos muitas vezes originam litígios”. (Amaral, 2010, p. 78)

Por essa vertente, a economia cuja o Estado acredita estar alimentando, seja através de princípios ou seja enfatizando a minimização da necessidade do estado de bem estar social, na verdade resulta numa disseminação de oportunidades de litigar onerando ainda mais a situação para a Administração Pública.

CONCLUSÃO

A tensão no cerne dos direitos sociais e, particularmente, ao direito à saúde, consiste na dicotomia existente entre os direitos garantidos formalmente e os conflitos implícitos à sua efetivação no cotidiano das práticas dos atores sociais. Isso permite a inserção das instituições jurídicas nesse processo, seja na judicialização, seja na juridicização das relações sociais. Sendo assim, alegar que os direitos fundamentais perdem efetividade em virtude do seu próprio florescimento (dos direitos individuais aos direitos sociais) é superestimar questiúnculas jurídicas sem observar a realidade em que vivemos.

Na perspectiva dos direitos fundamentais, é bastante controverso aquilo que tange à sua limitação. Os conflitos entre as garantias constitucionais são frequentes, e por isso ensejam, com parcimônia e adequação à situação, a sua análise. Contudo, assim como a Defensoria, o Ministério Público, entre outros membros da constituição processual brasileira possuem legitimidade para interpor ações que visam o acometimento de direitos, tal qual a ação civil pública, o Judiciário se apresenta apenas como outro mero ator para a resolução da lide no que tange a garantia de direito fundamental.

É inegável que o Brasil não conseguiu até hoje fornecer a todos os cidadãos uma condição de vida digna, mormente em saúde. Cabe dessa forma ao Judiciário, como guardião do ordenamento jurídico brasileiro, quando concitado a fazê-lo, zelar para que esses direitos não fiquem esquecidos. Contudo, faz se observância que essa intervenção não pode ser feita sem critérios pois deve assistir às necessidades básicas do ser humano, sem afetação do conteúdo mínimo, mas também sem dilatar desnecessariamente o previsto nas normas. Ademais, é necessário seguir os regramentos do Sistema Único de Saúde, cabendo salientar o que a doutrina e a jurisprudência vislumbram sobre esse âmbito.

REFERÊNCIAS

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BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. In Thesis, Rio de Janeiro, vol.5, nº 1, 2012.

CHADE, Jamil. Orçamento para saúde no Brasil fica abaixo da média mundial, diz OMS, mai 2017. Disponível em <http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,orcamento-para-saude-no-brasil-fica-abaixo-da-media-mundial,70001788024> . Acesso em mai. 2017.

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FERNANDES, Bernado Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2014, vol. 2, p. 1233-1248.

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NETO, Francisco da Cunha e Silva. A Teoria Tridimensional do Direito em Miguel Reale. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 09 de nov. de 2005.
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SCHULZE, Clenio Jair. Análise Econômica do Direito na Judicialização da Saúde. In: Empório do Direito, mar 2017. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/analise-economica-do-direito-na-judicializacao-da-saude>. Acesso em maio 2017.

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[1] Estudante do curso de Direito na Universidade Estadual do Maranhão.

[2] Relatório sobre a judicialização na saúde aponta crescimento de aproximadamente 130% nas demandas de primeira instância entre 2008 e 2017. A pesquisa foi encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Poder Judiciário, apresentada no dia 18/03/2019 em São Paulo .

[3] http://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2019-03/judicializacao-na-saude-cresce-130-no-pais-mostra-estudo – Acesso em 20/06/2019

[4] Em pesquisa realizada peloDatafolhaa pedido doConselho Federal de Medicina(CFM) e divulgada em 19 de agosto de 2014, 54% dos entrevistados avaliaram o atendimento em saúde prestado pelo SUS com nota de 0 a 4, 33% com nota entre 5 e 7 e 13% com nota entre 8 e 10.Este fato foi interpretado pelo CFM (e reforçado pela grande mídia) como 87% de reprovação do SUS pelos entrevistados.

[5] O Estado é o agente regulamentador de toda a vida e saúde social, política e econômica do país, em parceria comsindicatoseempresas privadas, em níveis diferentes de acordo com o país. Cabe, ao Estado do bem-estar social, portanto, garantirserviços públicose proteção à população.

[6] Discussão da matéria sob ponto de vista jurídico.

[7] Quanto ao princípio da dignidade humana e sua possibilidade de caráter absoluto, o Ministro do STF Gilmar Mendes lembra o que Robert Alexy prepondera sobre a questão:  “em palavras do próprio Alexy, o princípio da dignidade da pessoa comporta graus de realização, e o fato de que, sob determinadas condições, com um alto grau de certeza, preceda a todos os outros princípios, isso não lhe confere caráter absoluto, significando apenas que quase não existem razões jurídico-constitucionais que não se deixem de comover para uma relação de preferência em favor da dignidade da pessoa sob determinadas condições”. 

[8] Podemos citar as filas de doação de órgãos onde tal problemática refoge à judicialização, pois fica a cargo da administração pública estabelecer os critérios de fila e, é o próprio médico à quem fica defeso estabelecer as prioridades pré-médicas, sendo configurada uma questão de saúde, não judiciária, pois caso contrário haveria uma implicação de situação de privilégio, alocando um em detrimento de outro.

Como citar e referenciar este artigo:
EWERTON, Jullyany Carvalho. A problemática da judicialização do direito à saúde em conflito com a questão orçamentária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-problematica-da-judicializacao-do-direito-a-saude-em-conflito-com-a-questao-orcamentaria/ Acesso em: 06 dez. 2024