Direito Constitucional

A Defesa do Estado e das Instituições Democráticas no Âmbito da Constituição Federal de 1988

A Defesa do Estado e das Instituições Democráticas no Âmbito da Constituição Federal de 1988

 

 

Rodrigo Eduardo Rocha Cardoso*

 

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Democracia Como Direito Fundamental De Quarta Geração; 3. O Princípio Democrático; 4. Da Defesa Do Estado E Das Instituições Democráticas; 4.1 Estado De Defesa; 4.2 Estado De Sítio; 4.3 Das Forças Armadas; 4.4 A Segurança Pública; 5. Conclusão; 6. Referências.

 

1. Introdução

 

Este artigo discute a questão da defesa do Estado e das Instituições Democráticas, através da observância do que diz a Constituição Federal de 1988 sobre esta temática.

 

De início, é interessante destacar que a República Federativa do Brasil, sendo Estado Democrático de Direito, prima então por respeitar os direitos e garantias fundamentais e os valores sociais e humanos, de modo que os mecanismos de defesa do Estado que serão abordados no enredo deste artigo não podem violar os valores e princípios constitucionais.

 

Primeiramente, teceram-se breves anotações acerca do princípio democrático, para assim ter base acerca da estrutura política o Estado e desse modo adentrar nos instrumentos de defesa do Estado.

 

Posteriormente, analisou-se o que se entende por Mecanismos Defesa do Estado Democrático de Direito, dissertando-se sobre o Estado de Defesa, Estado de Sítio, Forças Armadas e Segurança Públicas.

 

Assim, ao final deste enredo alvitra-se construir pontuações coerentes e elucidativas a respeito do que vem a ser a defesa do Estado e das instituições democráticas em seus procedimentos e conceituações.

 

2. Democracia Como Direito Fundamental De Quarta Geração

 

Observando o ensinamento do professor Paulo Bonavides (2007, p. 571), tem-se que a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração dos direitos fundamentais. Segundo ele, os direitos da quarta geração consistem no direito à democracia, direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a materialização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo quedar-se no plano de todas as afinidades e relações de coexistência.

 

Enquanto direito de quarta geração, a democracia positivada há de ser, necessariamente, uma democracia direta, que se torna a cada dia mais possível, graças aos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, e sustentada legitimamente pela informação correta e aberturas pluralistas do sistema. É de se lembrar, também, que deve ser uma democracia isenta, livre das contaminações, vícios e perversões da mórbida mídia manipuladora.

 

No que se refere à terminologia – alvo de discussão quando cuidamos das dimensões dos direitos, salienta Bonavides (2007, p. 571-572)que

Força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo ‘dimensão’ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, forma a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo. Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem – sem, todavia, removê-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos de primeira geração”. E continua dizendo que “tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico.

 

Conforme enfatiza o douto professor Paulo Bonavides (2007, p. 572), “os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política”.

 

A Constituição de 1988 proclamou no seu preâmbulo e no artigo 1º, no Título I, na seara dos Princípios Fundamentais a efetivação da democracia como instrumento do Estado que convencionou dizer: Estado Democrático de Direito.

 

Dallari (2005, p. 151), ensina que os Estados que passam com exigências da democracia, possuem três pontos fundamentais:

A supremacia da vontade popular, que colocou o problema da participação popular no governo, suscitando acesas controvérsias e dando margem às mais variadas, experiências, tanto no tocante à representatividade, quanto à extensão do direito de sufrágio e aos sistemas eleitorais e partidários.

 

A preservação da liberdade, entendida sobretudo como o poder de fazer tudo o que não incomodasse como poder de fazer tudo que não incomodasse o próximo e como o poder de dispor de sua pessoa e de seus bens, sem qualquer interferência do Estado.

 

A igualdade de direitos, entendida como a proibição de distinções no gozo dos direitos, sobretudo por motivos econômicos ou de discriminação entre classes sociais.

 

Estes ideais de liberdade e abertura para participação popular podem sofrer restrições em situações de crise e ameaça ao estado e as instituições democráticas.

 

3. O Princípio Democrático

 

O Princípio Democrático constitui um dos traços fundantes e como um dos princípios mais importantes e reveladores do Estado. Enquanto positivado, o princípio democrático é uma norma jurídica constitucionalmente consagrada, e vai além da simples classificação de dispositivo que permite aos governados escolherem os governantes, pois como princípio normativo, considerado nos seus vários aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais, ele acaba sendo o azimute de uma sociedade com o mínimo de ordem política e jurídica.

 

O princípio democrático que norteia o Estado, por sua vez, é parte dessa deste mesmo Estado, tendo em vista que tem como postulados, conforme o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal de 1988,  a prerrogativa de que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Tem-se aí a idéia de democracia representativa e participativa. Estes institutos põem nas mãos dos cidadãos uma espécie de catálogo democrático, dando a estes a possibilidade de se envolver nas questões políticas, participar dos processos de decisão, exercer manifestação crítica na divergência de opiniões, entre outros.

 

De modo complementar, o princípio democrático deve institucionalizar a prática democrática da política, como meio de regulação e de limitação ou controle do poder e dos que têm seu exercício como profissão voltada ao domínio. Nesse passo, cumpre destacar que o princípio democrático pode ser visto como princípio de organização da titularidade e exercício do poder. É o princípio democrático que permite organizar o domínio político segundo o programa de autodeterminação e auto-governo: o poder político é constituído, legitimado e controlado por cidadãos (povo), igualmente legitimados para participarem no processo de organizar da forma de Estado e de governo.

 

Salientando os ensinamentos de Canotilho citado por Martinez (2007), o princípio democrático deverá, outrossim, pautar-se pelos direitos fundamentais:

Tal como são um elemento constitutivo do Estado de Direito, os direitos fundamentais são o elemento básico para a realização do princípio democrático. Mais concretamente: os direitos fundamentais têm uma função democrática dado que o exercício democrático do poder: 1) significa a contribuição de todos os cidadãos (…) para o seu exercício (princípio-direito da igualdade e da participação política); 2) implica participação livre assente em importantes garantias para a liberdade desse exercício (o direito de associação, de formação de partidos, de liberdade de expressão, são, por exemplo, direitos constitutivos do próprio princípio democrático); 3) co-envolve a abertura do processo político no sentido da criação de direitos sociais, econômicos e culturais, constitutivos de uma democracia econômica, social e cultural.

 

Por fim, como ainda salienta Canotilho citado por Martinez (2007), o princípio democrático também será um meio/instrumento do direito constitucional (se institucionalizado, positivado) de modo a atuar com um caráter funcional, regulador e que possa dimensionar as funções essenciais à democracia:

Realce-se esta dinâmica dialética entre os direitos fundamentais e o princípio democrático. Ao pressupor a participação igual dos cidadãos, o princípio democrático entrelaça-se com os direitos subjetivos de participação e associação, que se tornam, assim, fundamentos funcionais da democracia. Por sua vez, os direitos fundamentais, como direitos subjetivos da liberdade criam um espaço pessoal contra o exercício de poder antidemocrático, e, como direitos legitimadores de um domínio democrático, asseguram o exercício da democracia mediante a exigência de garantias de organização e de processos com transparência democrática (princípio majoritário, publicidade crítica, direito eleitoral). Por fim, como direitos subjetivos a prestações sociais, econômicas e culturais, direitos fundamentais constituem dimensões impositivas para o preenchimento intrínseco, através do legislador democrático, desses direitos.

 

O Estado Democrático de Direito, existente no contexto da Constituição Federal de 1988, revela a concreção dos valores já abordados desde o século XVIII com o advento da Revolução Francesa, a saber, igualdade, liberdade e fraternidade. Tem o Estado Democrático de Direito, e o regime republicano, o forte traços de abertura e liberdade aos cidadãos, tendo estes, direitos individuais, proteção destes direitos, possibilidade ativa de participar das decisões políticas e mecanismos jurídicos que asseguram a titularidade e tutela dos direitos que possuem. No entanto, o Estado possui mecanismo de proteção e defesa em determinadas situações, dentre elas: grave perturbação da ordem pública, ameaça às instituições democráticas ou ofensa a soberania nacional. Nesse sentido, o Estado em situações de anormalidades pode inclusive restringir determinados direitos, é o que se convém chamar de defesa do Estado e das instituições democráticas.

 

4. Da Defesa Do Estado E Das Instituições Democráticas

 

Na realidade social, por vezes, determinadas situações são capazes de romper ou ameaçar a normalidade constitucional o qual, se não for devidamente administrado, poderá gerar um grave risco às instituições democráticas.

 

A constituição federal prevê a aplicação de duas medidas excepcionais para restauração da ordem em momentos de crise e anormalidades, a saber: o Estado de Defesa e o Estado de Sítio. Estas medidas são capazes até de suspender determinadas garantias constitucionais, em lugar específico e por certo tempo, possibilitando inclusive ampliação do poder de repressão estatal, que se justifica pela gravidade da perturbação da ordem vigente.

 

O tema em tela consta no Título V da Constituição Federal, “Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas”, e aborda os seguintes capítulos: do estado de defesa e do estado de sítio; das forças armadas; e, da segurança pública.

 

José Afonso da Silva (2005, p. 760) faz uma correlação entre as temáticas dos capítulos supracitados, revelando que o interesse maior é promover a ordem e a estruturação estatal, afirmando que,

Correlacionando a defesa das instituições democráticas e Forças armadas é forçoso convir que estas ficaram, nas perspectiva constitucional, como instituições comprometidas com o regime democrático inscrito na Constituição de 1988, o que torna mais grave qualquer desvio, ainda que circunstancial, que envolva desrespeito aos direitos fundamentais do homem, incluindo os individuais, os sociais (aí o direito de sindicalização e de greve), os políticos e de nacionalidade. Nesse mesmo compromisso ficam envolvidos os órgãos de segurança pública. 

 

Nesse concatenar, a defesa do Estado compreende proteger o território contra invasões estrangeiras (conforme art. 34, II e o art. 137, II), defender a soberania nacional (art. 91), defender a pátria (art. 142), e segundo José Afonso da Silva (2005, p. 760-761), “não é mais defesa deste ou daquele regime político ou de uma particular ideologia ou de um grupo detentor do poder”.

 

Assim, sabe que existe um equilíbrio e padrão de normalidade existente na ordem constitucional e no regime político democrático, no entanto, qualquer atuação insubordinada e destoante dos procedimentos constitucionais acaba por gerar uma crise, e não sendo esta controlada, administrada e governada, poderão oferecer risco as instituições democráticas. Os grupos políticos, por exemplo, tem liberdade para se manifestarem, protestarem, e discordarem do governo ou das medidas tomadas, porém, não poder agir de maneira que destoem os ditames constitucionais.

 

Quando uma situação dessas se instaura é que se manifesta a função do chamado sistema constitucional das crises, considerado por Abrisse Moacyr Amaral Santos citado por José Afonso da Silva (2005, p. 761) “como o conjunto ordenado de normas constitucionais, que, informadas pelos princípios da necessidade e da temporariedade, tem por objeto as situações de crises e por finalidade a mantença ou restabelecimento da normalidade constitucional”.

 

As medidas de defesa do Estado e das instituições democráticas, devem estar circundada e pautada nos princípios da necessidade, da temporariedade e da proporcionalidade.

A necessidade, segundo Bezerra (2007, p. 291),

Evidencia o atendimento rigoroso ao pressuposto material para a decretação do estado de defesa ou para a solicitação ao Congresso Nacional para a decretação do estado de sítio, e nesse passo, onde não residir a absoluta necessidade para a adoção de medida extrema, não se cogitará de conformidade da iniciativa do Presidente da República à Constituição.

 

No tocante ao princípio da temporariedade, Bezerra (2007) destaca que estas medidas devem estar submetidas a uma duração determinada, não sendo possível extrapolar o prazo constitucional estabelecido. Para o estado de defesa (conforme art. 136, § 2º), “o tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação”. Já o estado de sítio tem seu limite temporal resguardado no art. 138, § 1º e possui duas hipóteses: no caso de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa, o tempo não poderá ser decretado por mais de trinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior. Já no caso de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira, o estado de sítio poderá ser decretado por todo o tempo que perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira.

 

E, o princípio da proporcionalidade, de acordo com Bezerra (2007), é um postulado de interpretação constitucional, que se aplica perfeitamente tanto ao estado de defesa quanto ao estado de sítio, entendendo que devem ser tomadas apenas as medidas que estritamente bastem para solucionar as situações fáticas que autorizam estas medidas extremas. Significa dizer que, deve existir uma dose de medida de defesa proporcional ao dano ou crise existente.

Jose Afonso da Silva (2005, p. 762) esclarece que, “sem que se verifique a necessidade, o estado de exceção configurará puro golpe de estado, simples arbítrio; sem a atenção ao princípio da temporariedade, sem que se fixe o tempo limitado para vigência da legalidade extraordinária, o estado de exceção não passará de ditadura”.

 

E a história do Brasil é marcada por momentos de tremenda austeridade e abuso de poder nesse sentido. Nesse passo, José Afonso da Silva (2007, p. 762) comenta,

No Brasil, isso aconteceu várias vezes no passado, com decretação de estado de sítio mais com o intuito de reprimir simples divergências político-partidárias que defesa constitucional. A constituição de 1937, implantando o regime ditatorial de Vargas, fê-lo declarando, ‘em todo o país o estado de emergência’ (art. 186). O Brasil viveu de 1964 a 1978 num permanente regime de exceção, sob a normatividade excepcional instrumentada por Atos Institucionais. O AI 5 de 13.12.1968, foi o instrumento mais arbitrário, mais ditatorial, que o país já conheceu. Com base nessa chamada legalidade extraordinária, formada sem necessidade, por que voltada apenas para coibir adversários políticos e sustentar os detentores do poder e os interesses das classes dominantes aliadas às oligarquias nacionais, e destinada a viger enquanto esses detentores quisessem e pudessem (portanto, sem atender o princípio da temporariedade), tudo se podia fazer: fechar Casas Legislativas, cassar mandatos populares, demitir funcionários, suspender direitos políticos, aposentar e punir magistrados, militares etc.

 

Cabe então, após esta abordagem estrutural acerca das medidas de defesa do Estado e das instituições democráticas, delinear sobre cada uma delas em separado.

 

4.1 Estado de defesa

 

Seguindo os ditames constitucionais, o Presidente da República, pode após ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar o estado de defesa, com o escopo de preservar ou restabelecer a ordem pública e a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou em casos de calamidades de grandes proporções na natureza.

 

Existem para tanto, pressupostos formais e materiais para instauração do estado de defesa, para que assim tenham legitimidade e tenham também proteção legal.

 

No que atine aos pressupostos formais cabe destacar:

 

a) Prévia manifestação dos Conselhos da República e Conselho de Defesa Nacional (a manifestação não vincula o ato Presidencial, pois os Conselhos são meros órgãos consultivos, visto que o caput do art. 136 afirma que o Presidente pode decretar estado de defesa, após ouvir o Conselho de Defesa e o Conselho da República). As disposições sobre o Conselho da República e o Conselho de Defesa, constam nos artigos, 89, 90 e 91 da Constituição Federal.

 

b) Decretação do ato pelo Presidente da República, após audiência com os dois conselhos.

 

c) Determinação, no decreto, do prazo de duração da medida, que não poderá ser superior a 30 dias, podendo ser prorrogado apenas uma vez, haja vista que um de seus pressupostos é a temporariedade da medida. (conforme, art. 136, §2º).

 

d) Especificação das áreas abrangidas;

 

e) Indicação das medidas coercitivas;

 

Analisando os pressupostos materiais, merecem relevância:

 

a) Existência de grave e iminente instabilidade institucional que ameace a ordem pública ou a paz social;

 

b) Manifestação de calamidade de grandes proporções na natureza que atinja a mesma ordem pública ou a paz social.

 

Ademais, o Estado de Defesa, produz alguns efeitos na ordem estatal, a começar pelo fato de instituir uma legalidade especial para enfrentar uma situação de anormalidade. Nesse momento, o decreto indica nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas que irão vigorar durante o Estado de Defesa, quais sejam (conforme, art. 136, § 1º e seus incisos e alienas):

 

I – restrições aos direitos de: a) reunião, ainda que exercida no seio das associações; b) sigilo de correspondência; c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;

II – ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

 

O Estado de Defesa tem o Presidente da República com titularidade para decretá-lo, devendo obedecer aos limites constitucionais, e se sujeita a dois tipos de controle: político e jurisdicional.

 

O Controle Político é exercido pelo Congresso Nacional, em dois momentos: primeiramente, quando aprecia o decreto de instauração e de prorrogação do estado de defesa, que o Presidente terá que submeter, dentro de 24 horas de sua edição, acompanhado da respectiva justificação, decidindo por maioria (conforme art. 136, § 4º), e apreciado em 10 dias contados do recebimento, devendo continuar em funcionamento enquanto vigorar o estado de defesa (art. 136, § 6º). E, se em recesso, será convocado em situação extraordinária, no prazo de cinco dias (art. 136, § 5º), sendo que a apreciação procedida pelo Congresso sobre a medida, concluirá pela sua aprovação ou rejeição, caso em que cessará imediatamente a medida (art. 136, § 7º); e, o segundo momento, atuando após o término do estado de defesa e a cessação de seus efeitos, nos termos do art. 141 da Constituição.

 

O controle jurisdicional está previsto no art. 136, § 3º, averbando que na vigência do estado de defesa a prisão por crime contra o estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultando ao preso requer exame de corpo de delito á autoridade policial; que a declaração será acompanhada de declaração pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação, e que essa prisão, de qualquer pessoa, não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário, vedada a incomunicabilidade do preso.

 

4.2 Estado de sítio

 

O Estado de Sítio certamente é uma modalidade de defesa mais incisiva que o Estado possui para preservar e restabelecer a ordem e a paz social. Nesta modalidade, o Presidente, a exemplo do estado de defesa, deve ouvir o conselho da República e o Conselho de Defesa antes de decretar a medida. A peculiaridade do Estado de Sítio diz respeito a fato de que antes de decretar a medida o presidente deve solicitar autorização do Congresso Nacional, só podendo decretar o estado de sítio se autorizado.

 

O estado de sítio deve estar circundado por pressupostos formais e materiais para ter validade e eficácia.

 

Os pressupostos formais, compreendem um série de requisitos indispensáveis para a existência do estado de sítio, a saber: a) Prévia manifestação dos Conselhos da República e Conselho de Defesa Nacional (a manifestação não vincula o ato Presidencial, pois os Conselhos são meros órgãos consultivos); b) Autorização do Congresso Nacional por maioria absoluta de seus membros; c) Decretação do ato pelo Presidente da República; d) Determinação, no decreto, do prazo de duração da medida, que não poderá ser superior a 30 dias, podendo ser prorrogado por mais trinta dias, de cada vez, ou seja, pode ser prorrogada mais de uma vez, nas hipóteses do art. 137, I e, no caso de guerra (conforme, art. 137, II) a duração será por todo o tempo que perdurar a guerra ou a comoção externa; e) Especificação das áreas abrangidas; f) Indicação das medidas coercitivas, dentre as previstas no art. 139 da Constituição Federal.

 

No que diz respeito aos pressupostos materiais, cabe citar: a) comoção grave de repercussão nacional (um estado de crise que seja de efetiva rebelião ou de revolução que ponha em perigo as instituições democráticas me a existência do governo fundado no consentimento popular); b) ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; c) declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

 

Vigora também no estado de sítio efeitos incomuns devido a própria situação de crise, a começar pela situação de legalidade extraordinária. As medidas coercitivas a serem tomadas, no caso do inciso I do artigo 137 (comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa), estão previstas no artigo 139 e seus incisos:

 

I – obrigação de permanência em localidade determinada;

II – detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;

III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;

IV – suspensão da liberdade de reunião;

V – busca e apreensão em domicílio;

VI – intervenção nas empresas de serviços públicos;

VII – requisição de bens.

 

Cabe dizer que cessando o estado de sítio cesarrão os seus efeitos sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes, que são, a legalidade extraordinária implantada com sua decretação e as providências de sua execução.

 No estado de sítio predomina também duas perspectivas de controle: o político e o jurisdicional.

 

Segundo José Afonso da Silva (2005, p. 769-770), o controle político realiza-se pelo Congresso Nacional em três momentos: a) um controle prévio, por que, a decretação o estado de sítio depende de sua prévia autorização; b) um controle concomitante, porque, nos termos do artigo 140, a Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, deverá designar Comissão composta de cinco de seus membros (seus da Mesa, ao que nos parece para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de sítio, tal como em relação ao estado de defesa, consoantes vimos; c) sucessivo, ou seja, após cessado o estado de sítio, as medias aplicadas em sua vigência serão relatadas serão pelo Presidente da República, em mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas.

 

No tocante ao controle jurisdicional, é também José Afonso da Silva (2005, p. 770) que bem reflete sobre os pressupostos,

O controle jurisdicional é amplo em relação aos limites e aplicação das restrições autorizadas. Se os executores ou agentes no Estado de sítio cometerem abuso ou excesso de poder durante sua execução, é lógico que seus atos ficam sujeitos a correção por via jurisdicional, quer por via de mandado de segurança, quer por habeas corpus, quer por outro meio judicial hábil. Mesmo depois e cessados o estado de sítio e seus efeitos, poderá ocorrer hipótese de responsabilização jurisdicional de seus executores ou agentes por atos ou condutas ilícitos cometidos durante a execução da medida, conforme estatui o artigo 141.

 

Ainda segundo José Afonso da Silva (2005, p. 770),

Mais uma vez se vê que o estado de sítio, como o estado e defesa, está subordinado a normas legais. Ele gera uma legalidade extraordinária, mas não pode arbitrariedade. Por isso, qualquer pessoa prejudicada por medidas ou providências o Presidente da República ou de seus delegados, executores ou agentes, com inobservância das prescrições constitucionais, não excepcionadas e das constantes do art. 139, tem o direito decorrer ao Poder Judiciário para responsabilizá-los e pedir a reparação do dano que lhe tenha sido causado.

 

Nesse sentido, observa-se que mesmo exigindo uma atuação excepcional do Estado, inclusive com limitação de direitos dos cidadãos e emprego de meios coercitivos, deve haver um respeito e uma dosagem da medida empregada, para que assim não haja ranhura aos ditames constitucionais acerca inclusive da dignidade da pessoa humana. Significa que a atuação do Estado não pode se manifestar de maneira a ir além das limitações constitucionais e do que está estabelecido.

 

4.3 Das forças armadas

 

O artigo 142 da Constituição Federal de 1988, faz menção as Forças Armadas, trazendo que estas compreendem o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, e, sã instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob autoridade suprema do Presidente da República, e se destinam à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Assim, nota-se que os objetivos maior das forças armadas referem-se a defesa da Pátria, garantia dos Poderes constitucionais e garantia da lei e da ordem.

 

Fagundes citado por José Afonso da Silva (2005, p. 771) comenta que,

Constituem, assim, elemento fundamental da organização coercitiva a serviço do Direito e da paz social. Esta nelas repousa pela afirmação da ordem na órbita interna e do prestígio estatal na sociedade das nações. São portanto, os garantes materiais da subsistência do Estado e da perfeita realização de seus fins. Em função da consciência que tenham da sua missão está a tranqüilidade interna pela estabilidade das instituições. É em função do seu poderio que se afirmam, nos momentos críticos da vida internacional, o prestígio do Estado e a sua própria soberania.

 

Os artigos 142 e 143 da Constituição Federal trazem disposições acerca da estruturação e regimentos sobre as forças armadas, no entanto tais discussões não coadunam com o ideal do presente trabalho que é discorrer sobre a defesa do Estado e das instituições democráticas. Assim, interessante é destacar o importante papel das forças armadas tanto no plano interno quanto externo do Estado.

 

E, Ceneviva citado por Bezerra (2007, p. 294), traz uma abordagem por demais interessante,

Pertinente a observação de que um problema, de importância transcendental para o destino do País, não tem merecido tanto debate quanto convém. É o de que os militares integram a comunidade e devem vê-la e serem vistos por ela transparentemente, sem medo e sem desconfiança recíproca, desde que os dois lados respeitem a lei, dever preponderantemente pra quem detém a força. O militar e as Forças Armadas são parcelas essenciais da Nação para garantirem interna e externamente, se quando chamados pelo Executivo, pelo Legislativo e pelo Judiciário, para o cumprimento de tarefas bem caracterizadas pela Carta Magna.

 

 

4.4 A Segurança Pública

 

A segurança pública está regulamentada no artigo 144 da Constituição Federal de 1988. Nesse passo, consta que a Segurança Pública é dever do estado, direito e responsabilidade de todos, e é exercida com o intuito maior de preservar a ordem pública da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sem, contudo, reprimir-se abusiva e inconstitucionalmente a livre manifestação do pensamento.

 

Maria Zanella di Pietro citada por Pedro Lenza (2006, p. 483) comenta que, “o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefícios o interesse público”.

 

No que diz respeito a estruturação, a Segurança Pública é composta pelos seguintes órgãos:

 

a) Polícia Federal: instituída por lei, como órgão permanente, organizada e mantida pela União e estruturada em carreira. Possui as seguinte atribuições, conforme artigo 144, § 1º, e seus incisos:

 

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

 

b) Polícia Rodoviária Federal: também órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, mas com a destinação que lhe der a lei, no patrulhamento das rodovias federais;

 

c) Polícia Ferroviária Federal: que se distingue da anterior apenas pela destinação que lhe cabe, que é o patrulhamento ostensivo das ferrovias federais;

 

d) As Polícias civis: dirigidas por delegados de polícia e carreira, incumbidas das funções de polícia judiciária e apuração das infrações penais, exceto as militares e ressalvadas as de competência da União;

 

e) As Polícias militares, e os corpos de bombeiros militares: cabendo às primeiras a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública e, aos segundos, além das atribuições definidas em lei, a execução das atividades da defesa civil.

 

Bezerra (2007, 295) citando Zaniboni, traz a seguinte consideração acerca do papel da polícia,

A polícia é atividade da administração pública dirigida a concretizar, na esfera administrativa, independentemente de sanção penal, as limitações que são impostas pela lei à liberdade dos particulares ao interesse da conservação da ordem, da segurança geral, da paz social e de qualquer outro bem tutelado pelos dispositivos penais.

 

Mas José Afonso da Silva (2005, p. 779) adverte que,

A segurança pública não é só repressão e não é problema apenas de polícia, pois a Constituição, ao estabelecer que a segurança é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (art. 144), acolheu a concepção do Ciclo I de Estudos sobre Segurança, segundo a qual, é preciso que a questão da segurança seja discutida e assumida como tarefa e responsabilidade permanente de todos, Estado e população. Daí decorre também a aceitação de outras teses daquele certame, tal como a de que “se faz necessária uma nova concepção de que ordem pública, em que, a colaboração e a integração comunitária sejam os novos e importantes referenciais” e a de que, dada “a amplitude da missão de manutenção da ordem pública, o combate à criminalidade deve ser inserido no contexto mais abrangente e importante da proteção da população”, o que requer a adoção de outro princípio ali firmado de acordo com o qual é preciso “adequar a polícias as condições e exigências de uma sociedade democrática, aperfeiçoando a formação profissional e orientando-a para a obediência aos preceitos legais de respeito aos direitos do cidadão, independentemente de sua condição social”.

 

Desse modo observa-se que a atividade policial deve se moldar aos ditames constitucionais, respeitando os direitos dos cidadãos. E fica patente também a idéia de que a segurança pública não é só papel da polícia.

 

5. Conclusão

 

Cabe ao final deste estudar destacar que existe uma grande diferença entre o sistema previsto na Constituição atual e aquele descrito no ordenamento jurídico anterior, nos tempos do regime ditatorial. Nesse, o “estado de emergência” servia para defender a ideologia dominante da época, não permitindo insurreições contra o poder estabelecido. Hoje, o que se tem em mente é proteger a soberania do Estado e, em última análise, a paz social e as instituições democráticas.

 

Ademais, é certo que os estados de sítio e de defesa não podem ser decretados pelo Chefe do Poder Executivo Federal com total e irrestrita discricionariedade.

 

Nesse sentido, Canotilho citado por Silveira (2007) ensina que “O regime das situações de exceção não significa suspensão da constituição (exceção da constituição), mas sim um regime extraordinário incorporado na Constituição e válido para situações de anormalidade constitucional.”

 

Dessa forma, deve-se obedecer a princípios materiais que emanam da própria ordem constitucional. Ângelo Fernando Facciolli citado por Silveira (2007) sugere os seguintes: a) do respeito e da dignidade à pessoa humana; b) da prevalência dos direitos humanos; c) da obediência ao princípio máxime da legalidade; d) da proporcionalidade, quando da redução dos direitos e garantias fundamentais; e) da precariedade da vigência das medidas de exceção; f) da motivação-discricionária (arbítrio X necessidade) para decretação dos institutos; g) independente do “perigo” a ser enfrentado, adotar-se-á sempre a postura defensiva (animus defendi); h) os impactos causados devem buscar, em última instância, a ordem pública e a pacificação da sociedade.

 

Portanto, resta acrescentar que o presente estudo contribuiu para construção sólida de conhecimento acerca da defesa do Estado e das instituições democráticas no Estado Democrático de Direito, que prima pelos valores e princípios relacionados a dignidade da pessoa humana (visando protegê-lo) e busca também manter o equilíbrio e a ordem estatal, alvitrando cumprir e assegurar o cumprimento dos ditames constitucionais.

 

 

6. Referências

 

Acquaviva, Marcus Cláudio. Vademecum universitário de direito 2005. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2005.

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2007.

 

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

 

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional. 10. ed. rev., atual. e. ampl. São Paulo: Editora Método, 2006.

 

MARTINEZ, Vinício C.. Estado Democrático . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 384, 26 jul. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5497>. Acesso em: 11 ago. 2007.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

 

SILVEIRA, Maísa Cristina Dante da; SILVA, Sidinéa Faria Gonçalves da. Sistemas emergenciais: breve análise de alguns pontos controvertidos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 379, 21 jul. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5483>. Acesso em: 11 ago. 2007.

 

 

* Estudante do curso de Direito da Faculdade de Tecnologia e Ciências; Articulista; Membro do Periódico Universitário É Direito (www.periodicoedireito.com.br).

Como citar e referenciar este artigo:
CARDOSO, Rodrigo Eduardo Rocha. A Defesa do Estado e das Instituições Democráticas no Âmbito da Constituição Federal de 1988. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-defesa-do-estado-e-das-instituicoes-democraticas-no-ambito-da-constituicao-federal-de-1988/ Acesso em: 06 nov. 2024