Direito Constitucional

A Constituição invadida ou o neoconstitucionalismo contemporâneo

 

A teoria do direito tem sido afastada da prática jurídica não por culpa dos operadores ativos, mas devida sua fundamentação teórica distante de um direito útil que alimente enfim uma cidadania ativa.

E o presente neoconstitucionalismo requer uma correspondente teoria do direito com um novo redimensionamento da estrutura de poder e do Estado.

A prática neoconstitucional é pluridisciplinar tanto no direito civil como no direito constitucional seja pela eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, como na verificação do garantismo, no controle das políticas públicas e ainda do controle de controle de constitucionalidade visto como preservação e aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito.

Porém convém ressaltar que o neoconstitucionalismo busca unir a base dogmática à base teórica promovendo uma ponte integrativa dentro do contexto brasileiro. Propõe a teoria do direito com vistas uma nova teoria da interpretação (denominada sobreinterpretação) e, também propõe uma nova teoria da norma moldada após o uso da ponderação.

Sendo necessária uma nova teoria das fontes capaz de englobar as práticas contemporâneas [1] do Direito. É verdade que o termo “neoconstitucionalismo” traz certa desconfiança e auspiciosa filosofia do Direito aplicada.

O neoconstitucionalismo é a teoria que explica o pensamento jurídico contemporâneo, firmando novo paradigma do Direito, enxergando a ciência jurídica como esta pode ser num viés transformador e galgando a superação de metodologia jurídica peculiar ao Estado Liberal.

Transcendendo o debate entre juspositivistas e jusnaturalistas propondo uma teoria do Direito cujo ponto central é a Constituição Federal que é a sede dos valores fundamentais.

Enfim passamos de um direito em que as normas ditam o que fazer para um direito em que os princípios indicam o que se pode fazer. O panprincipiologismo que fora denunciado por Lênio Streck [2] .

A inescapável superestrutura globalizada, as questões conceituais e métodos de agir público sobre o papel do direito e a função da justiça.

As referências do neoconstitucionalismo afetam tanto o modelo estatal como as escolhas públicas e privadas e o direito valorativo baseado na ética axiológica de cunho construtivista, racional, ponderadora e argumentativa.

A essência do neoconstitucionalismo é voltada para a teoria do Direito preocupada em transformar o que não deve ser e com a pretensão de corrigir aquilo que racionalmente pode ser aperfeiçoado (a ideia do “pode ser”).

Propõe a reaproximação do direito com a racionalidade prática, com seu conteúdo extraído dos princípios constitucionais impulsionam a correção. Solidifica-se que devemos cumprir os direitos fundamentais da melhor maneira possível, o que Alexy denominou de mandado otimização.

O neoconstitucionalismo é fruto da convergência de duas tradições constitucionais distintas: a alemã e a norte-americana que resulta num constitucionalismo garantidor ao denso conteúdo material de suas normas constitucionais.··.

A complexidade teórica onde a sociedade plural e global, com ética construtivista com base racional e pretensão de correção, o Estado Constitucional que foca no poder constituinte e constituído, nas reformas constitucionais e especial atenção ao papel desempenhado pelo Tribunal Constitucional.

Traz a primazia da constituição e da jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão; a primazia dos princípios colmatados pela argumentação jurídica.

Discordo quando afirmam que o neoconstitucionalismo não guarda relação com a pós-modernidade (identificada como movimento) onde se dá a perda de certezas e o aumento do relativismo dos saberes, vividos desde o final do século XX, produto de certo ceticismo filosófico que resultou no desconstrutivismo.

A readequação do Estado Moderno promoveu a transformação do Estado de Direito para o Estado Constitucional e a forte influência das ideias de Dworkin, Hart e ainda Alexy marcada pela matriz nietzschiana, ou pela teoria sistêmico-funcionalista.

Os autores pós-modernos divergem sobre os pressupostos teóricos básicos deste. Os pós-modernos não acreditam na racionalidade prática que é imprescindível ao pós-positivismo que expõe nova forma de compreensão do fenômeno jurídico [3] .

A doutrina contemporânea [4] diverge sobre a abrangência do neoconstitucionalismo, gerando uma acepção plural e que traduz a superação dos positivismos normativista e do historicista apesar da grande ambiguidade.

O direito constitucional pode ser compreendido pela história e pela cultura, e sua evolução pode revelar-nos a formação do neoconstitucionalismo.

Após a Segunda Guerra Mundial muitas foram as teorias desenvolvidas como a tópica [5] , a argumentação jurídica [6] e a hermenêutica constitucional. Nesse contexto histórico, algumas Constituições europeias em particular a alemã de 1949, a chamada Lei Fundamental de Bonn [7] e a italiana pós 1956 que lideraram os avanços em matéria constitucional, justificável pela reação ao período vivido por esses países.

A partir de então, a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão e as contribuições de alguns teóricos influenciou autores e cortes constitucionais no mundo todo.

O desenvolvimento teórico como a concretização da Constituição. A sobreinterpretação e a eficácia horizontal dos direitos fundamentais que já fora debatida entre 1950 e 1960. Mas numa comparação estrutural dos textos constitucionais das décadas de 40, 50 e 60 não exibiam o mesmo rol de direitos fundamentais [8] e, em particular as Constituições como a portuguesa (de 1976), a espanhola (de 1978) e a brasileira de 1988 que apresentam em comum a afirmação de uma nascente democracia após longo e penoso período de ditadura, funcionando como a “saída da crise”.

Já no período da Guerra Fria vigeu a dicotomia e a presença de forte combate ao pensamento do inimigo e sob tais influências foi elaborada e promulgada a Constituição brasileira de 1988 almejando ser democrática, socializante, capitalista, intervencionista, dirigente e abrangente aos problemas nacionais.

Evidentemente, apesar de ser um documento maior a Constituição não é isenta politicamente e fez claras opções pela democracia, pelo capitalismo, pelo intervencionismo na economia, pela preocupação com o social e pelos objetivos que impõe para a sociedade sempre em dinâmica transformação.

Salientou Luís Roberto Barroso que o modelo que explicava formalmente o positivismo sofre abalo irrecuperável com a crise do direito do pós-guerra (em particular a segunda guerra mundial), marcada pela incapacidade do direito em realizar a paz e organizar as sociedades. Com esse esvaziamento da força jurídica, cresceram teorias foram desenvolvidas entre estas, a tópica e argumentação jurídica e a hermenêutica constitucional.

Mas Barroso apontou que a CF de 1988 tem propiciado o mais longo período de estabilidade institucional da história republicana do país. E que resistiu durante a sua vigência a um impeachment do Presidente da República, ao escândalo dos “anões do Orçamento” da Câmara dos Deputados tendo resultado no afastamento dos Senadores importantes, e havendo a eleição do presidente de oposição e do Partido dos Trabalhadores.

E, recentemente nos escândalos sobre o esquema de financiamento de campanha resultou no afamado julgamento do mensalão [9] , que resultou em vinte e seis condenados, entre eles, um dos ministros de Estado e figuras importantes do partido político no governo brasileiro.

E apesar de tanta turbulência não se abalou a legalidade constitucional. Os direitos humanos foram concebidos como reação a um período de mais de trinta anos de guerras (que se arrastaram desde a primeira grande guerra mundial no período de 1914-1945) e sua afirmação foi construída nos anos que se seguiram (1945-1990) quando o constitucionalismo se expandiu até conceber uma revolução material a partir dos direitos fundamentais com forte carga axiológica.

A Constituição ganhou novo status no cenário mundial tanto que a União Europeia tentou aprovar uma constituição continental. Enfim o direito constitucional promovendo a judicialização dos povos e suas culturas.

As práticas constitucionais dos países democráticos forneceram um sistema de garantias, controle e supremacia, densificado pela materialidade dos direitos fundamentais.

A uniformização e a reforma das Constituições são peças centrais no mundo globalizado. E, no Brasil, após os anos noventa a Constituição ganhou força expansiva, invadindo os todos os campos jurídicos, forçando uma compatibilização, uma modernização a ponto de o debate do que é constitucional ou inconstitucional instaurando uma reavaliação legislativa. Atualmente pode-se afirmar que toda interpretação é interpretação constitucional.

O que justificou a natural e crescente constitucionalização do direito, o que propõe a crescente adequação aos princípios e objetivos constitucionais.

A referida constitucionalização é trifásica abrangendo o legislativo, o judicial e o nível político-social (nível ainda não alcançado no Brasil). O neoconstitucionalismo, por sua vez recebe críticas da ala de direita conservadora pois alerta para os perigos da teoria preocupada com poder ser (facilmente confundida com o dever ser) e também é criticado pela ala de extrema esquerda que aponta o excesso de concentração de poder no Judiciário e ainda apostou no desenvolvimento democrático e na participação política semidireta e direta e pelo exercício do Tribunal Constitucional.

O neoconstitucionalismo é uma teoria que se enquadra em um Estado em busca de efetividade e transformação (a ideologia, é progressista, com caráter otimista), por meios racionais de correção, e em torno de uma identidade própria da Constituição.

O marco histórico é o pós-segunda guerra mundial que trouxe a necessidade de impedir a todo custo o retrocesso nem mesmo para combater as guerras.

Exigindo-se princípios e instrumentos de garantias da cidadania e da dignidade humana, muitas vezes baseadas em cláusulas gerais [10] de autoridade. Diferentemente das teorias positivistas são teorias gerais do Direito posto que pretendam abordar todos os sistemas jurídicos. É difícil aceitar a moral como elemento jurídico principalmente por conter conteúdo diverso nas diferentes nações do mundo. E, por essa razão fora extirpada do âmbito jurídico e da teoria geral do direito positivista.

Por outro lado, nas teorias particulares de direito, ainda que abrangentes aos países democráticos e com constituições avançadas produz-se um modelo mais concreto e mais próximo da realidade tal como os contemporâneos textos constitucionais que dispõem de catálogo vinculativo de direitos fundamentais irretroatível e dotado de pretensão de correção.

O Estado constitucional democrático é conciliador pois oferece um modelo de direito que admite a sua coexistência com outros modelos encontrados em Estados com organizações diversas.

No constitucionalismo social ou as constituições sociais que ora adotava o positivismo jurídico, ora adotava uma vertente do realismo jurídico, que se traduz em duas palavras, pela dimensão sociológica e empírica do direito.

O Constitucionalismo do pós-guerra mundial que apostou muito nas constituições democráticas que foram elaboradas como um feixe de normas constitucionais principiológicas e a defesa em torno de uma jurisdição constitucional.

Bastante expressivo foi Ricardo Guastini quando apontou a expressão “constituição invasora, intrometida” [11] o que passou a ser repetida pela doutrina [12] constitucionalista quando aduziu que a Constituição é capaz de condicionar tanto a legislação como a jurisprudência.

Nesse meio século as variações da teoria do direito adotadas passaram por um positivismo exclusivo, por diversas manifestações do positivismo inclusivo até chegar a um neoconstitucionalismo pautado nas transformações ocorridas por conta da constitucionalização do Direito. Há a ênfase no Estado ponderador [13] , e não no Estado polarizado.

Já o neoconstitucionalismo total estabelece um novo paradigma sendo teoria e filosofia do direito simultaneamente com nova acepção da interpretação, da teoria da norma, dá teoria das fontes, do sistema corretivo e maximizador do rol de direitos fundamentais.

Muito oportuno discorrer sobre a distinção entre a teoria do Direito e a metodologia do Direito em particular para bem caracterizar neoconstitucionalismo. Teoria do Direito refere-se ao fundamento abstrato, trata da estrutura e das condições jurídicas gerais que exercem influência sobre a aplicação do Direito, sobre os princípios e a ideologia que regem a sistemática jurídica, expondo os elementos suficientes para atestar sua confirmação.··.

O neoconstitucionalismo teórico se origina da Constituição e, é concebido preocupado com a eficácia jurídica sendo por essa razão muito próxima do plano pragmático.

A metodologia jurídica deve ser entendida como o conjunto de procedimentos técnicos de verificação de uma disciplina jurídica. Visa garantir o direito ao uso de técnicas eficazes que alcancem o resultado desejado. Em síntese, a metodologia pode ser entendida como meios específicos que melhor averiguam a teoria do direito. É uma verdadeira “prova dos nove”.

Evidentemente que a metodologia utilizada resta contida na teoria do direito, portanto, toda teoria do direito emprega certa metodologia, ou até mais de uma, conforme a hermenêutica constitucional e a argumentação jurídica utilizada pelo neoconstitucionalismo.

No entanto, ao considerar as técnicas de direito constitucional apenas como um dos meios de verificação das bases de uma teoria do Direito seria reduzi-la à disciplina autônoma e pré-condicionada pela teoria do direito adotada. Vigeu esse pensamento por muito tempo.

Desta forma, o positivismo jurídico era a teoria do direito atuante e vigente dotada de metodologias jurídicas esparsas, afastadas das fontes do Direito e, ainda divorciada da filosofia do Direito.

Eis aí o ponto crucial do discurso teórico que pensa o Direito no sentido de testes e formulações e tem na metodologia a confirmação dos meios adequados que se preocupam em melhorar a prática jurídica, traduzindo a teoria para a prática forense.

Enfim, a interlocução do teórico com o mundo real deve adequar o discurso jurídico-teórico ao uso possível e adequado ao quadro de juristas-operadores [14] .

A teoria perde adeptos da prática quando não vem acompanhada pelos que detêm conhecimentos jurídicos operacionais, o que a torna pouco aplicada.

A verdade é que a teoria do direito se preocupa com o sistema jurídico ao passo que a metodologia do Direito se ocupa com seus diferentes graus, métodos e meios de aplicação. A metodologia será essencialmente teórica quando se ativer aos pesquisadores e aos professores. É o debate para poucos apesar de possuir altíssimo grau de sofisticação.

Atualmente, muitos renomados doutrinadores formulam teoria do direito que abarcam a base abstrata de suas condições políticas, como Habermas e outros que preferem trabalhar a filosofia do Direito como o espírito do Direito.

Porém, há outros que fazem do Direito um estudo político, de feição autêntica ligada à filosofia do Estado, conforme realizou John Rawls.

O neoconstitucionalismo é teoria agregadora de muitos autores e não apenas o produto de um só pensamento. Percebem-se os avanços da teoria do direito com a evolução do direito constitucional que propiciou a Bobbio a estudar o ordenamento jurídico (pelo viés teórico, metodológico e filosófico) e, é seguida por muitos filósofos que discutem sobre os marcos do neoconstitucionalismo.

O neoconstitucionalismo afeta o estudo da teoria da interpretação jurídica, ao elevar a interpretação constitucional brasileira a ser exercida por todos os juízos de qualquer natureza (havendo não apenas o controle difuso), mas pela interpretação de princípios, pelo exercício da ponderação, pela fundamentação com dispositivos constitucionais e, por todos os possíveis enquadramentos buscados na Constituição Federal. Há um especial destaque quanto ao papel exercido pela doutrina apesar de ser fonte de direito controvertida, mas foi decisiva na guinada constitucional brasileira.

Concretiza-se a interpretação do Direito no final do século XX com privilegiado assento na interpretação constitucional e elevando os princípios constitucionais como fontes primárias do Direito.

Se para o constitucionalismo clássico [15] a limitação dos poderes era pressuposto, já para o neoconstitucionalismo, o pressuposto corresponde à disposição e defesa de um catálogo de direitos fundamentais, conduzido por princípios que são seus pressupostos.

O desenvolvimento atestou que a teoria não é mais tão descritiva e, sim prática, real e útil sendo dotada de cabal concretude preocupada com a eficácia verificável exposta pela prática, isto é, a decidibilidade constitucional.

O Direito peculiar ao Estado Constitucional é formado sobretudo por princípios pois que a rígida aplicação do método juspositivista acabaria por desatender as exigências de justiça.

O Direito por princípio é, em suma, invasor e flexível que precisa da técnica ponderativa conectada a uma razoabilidade prática e ainda de instrumentos equitativos.

Há uma metodologia dirigida à ponderação ou ao balanceamento dos princípios e de valores em jogos, em cada situação, transportados ao caso concreto, que permitiria ter em conta as exigências de justiça que, cada caso, justamente leva consigo.

A Constituição reflete a situação real do direito, sendo modelo axiológico e aberto de normas, deixando as anteriores investigações centrais, como a das modalidades de norma entre as prescritivas e descritivas numa segunda instância de importância.

Conclui-se que o neoconstitucionalismo tem como formação uma teoria do direito eminentemente voltada para o Estado Constitucional de Direito e que analisa o direito como pode ser e não apenas como ele é, e muito menos como este deveria ser.

A falácia do jusnaturalismo em defender o direito pelo dever-ser, por um estado ideal que nos remete às subjetividades e até planos distintos do direito.

Por outro lado, a falácia do positivismo [16] é defender o direito somente como ele é, além de isolar o direito de respostas sociais, afasta o estímulo pela transformação.

O neoconstitucionalismo defende o poder ser orientado dentro do sistema conduzindo às respostas práticas. O momento da ponderação é de particular interesse para poder ser, posto que se aproxime do estado de transformação que pode ser promovido pelo princípio constitucional prevalecente ou dominante.

O papel redimensionado do contista do Direito ressaltou Ronald Dworkin passa por ampliação da discricionariedade. Aliás, Dworkin considerada num mundo contemporâneo de hiperespecialização, o juiz deve ser também filósofo.

É verdade que os efeitos de discricionariedade diminuem com a fundamentação judicial e a manifestação dos participantes da sociedade. Há a necessidade ainda de ser redimensionada, a perspectiva da separação de poderes que na era contemporânea precisa ser diferente da prevista por Montesquieu.

A maior presença judicial no cenário contemporâneo em lugar da autonomia do legislador ordinário, leva em conta não só juízes, mas promotores de justiça, defensores, advogados e demais operadores jurídicos que influenciam a tomada de decisão.

Enfim e o neoconstitucionalismo adota uma técnica em que quase não há lacunas em que quase não há lacunas pois o sistema é constantemente complementados por princípios, direitos fundamentais, não podemos mais cogitar em lacunas, já que tudo é, em tese, preenchível pelos mandamentos constitucionais maiores.

Pela ponderação também não se deve cogitar tanto em antinomias havendo a maior presença judicial em lugar da autonomia da legislação ordinário.

A operação de ponderação é uma justificativa por um direito fundamental em detrimento de outro portanto, reveste-se também no bojo da técnica de uma operação argumentativa [17] .

Enfim, o neoconstitucionalismo é uma aposta em princípios onde nos retorna a questão de como valorá-los pelos discursos, argumento, convencimento onde o juiz-Estado faz a intermediação sobre a discussão de valores.

A mudança de paradigma traz importantes consequências primárias:

a) todos os poderes estão submetidos à Constituição, não só os poderes públicos, mas também os poderes privados. Destaque especial para a teoria da função social da propriedade que é constitucionalmente vinculado aos poderes privados e principalmente a aplicação direta dos direitos fundamentais, o que muda o tratamento judicial das causas cíveis, empresariais e trabalhistas. A tendência é a transposição das figuras jurídicas privadas em direção ao tratamento público.

b) Todos os direitos possíveis ganham em efetividade, os direitos sociais e os direitos prestacionais como um todo, antes relegados a um segundo plano, preteridos no discurso dos custos orçamentários e das normas de eficácia limitada dos direitos de primeira geração [18] . O que não mais atualmente se sustenta.

Basta ver o resultado da ponderação em que o direito à saúde é efetivado, ao prevalecer em confronto com o regime da previsão orçamentária. Ocorrerá a superação da problemática orçamentário-judicial em favor da temática de políticas públicas e da tutela judicial.

Todos os planos, ultrapassando as fronteiras do nacional-estatais e levando-se em conta ainda o plano internacional e as propostas de constituições continentais que afetam a superestrutura jurídica, em especial as noções clássicas como o poder constituinte e a soberania constitucional que passam a ser reconfiguradas.

Enfim, podemos resumidamente caracterizar o neoconstitucionalismo desta forma:

a) presença invasora e predominante da Constituição, em todas as causas relevantes, em todos os campos jurídicos e nos diversos planos estatal-nacionais; a teoria geral do direito neoconstitucional deve considerar os sistemas interligados e a sobreestrutura, se houver;

b) maior presença judicial no lugar da autonomia do legislador como consequência do vínculo entre o direito real e pragmático com o novo paradigma apresentado pelo neoconstitucionalismo teórico;

c) revisão ampla das teorias da interpretação da norma das fontes onde se lançava mão das antigas técnicas para ampliar a função da hermenêutica constitucional e da argumentação jurídica;

d) ênfase nos princípios e nos direitos fundamentais, diminuindo a força das regras que passam a ser consideradas conjuntamente com os princípios e em conformidade com o texto constitucional.

Assim perdem a importância as lacunas que cada vez estão mais raras, alterando a estrutura da teoria do direito;

e) ênfase a ponderação perante o conflito de direitos fundamentais presente nas decisões judiciais.

Com isso, a possibilidade de enfrentarmos nos casos concretos pela ponderação, afastando o uso de técnicas para resolver as antinomias, ou seja, mais uma mudança na teoria do direito, agora diante do Estado ponderador das preferências constitucionais;

f) importante percepção de pensar o direito fora do âmbito de aplicação judicial, onde o raciocínio jurídico se efetuava com quase exclusividade para considerar também o momento de formação do direito, de elaboração das leis e de suas resultantes jurídicas – momento batizado de fundamentação.

O neoconstitucionalismo traça essa posição claramente, pois influencia diretamente (as opções legislativas), limitadas pela Constituição, controladas pelo Poder Judiciário e exercidas de forma coerente com os objetivos constitucionais exigindo-se comportamento positivo do legislador; as políticas públicas, entendidas como vinculadas aos dizeres e preferências constitucionais e que também podem ser passíveis de controle judicial, elemento tipicamente neoconstitucionalista.

Referências

MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo. A Invasão da Constituição. (Coleção Professor Gilmar Mendes, v.7). São Paulo: Editora Método, 2008.

TAVARES, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. (Coleção Professor Gilmar Mendes, v.1) São Paulo: Editora Método, 2007.

DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico. (Coleção Gilmar Mendes, v.2). São Paulo: Editora Método, 2008.

CHINELATTO, Thiago. Aspectos gerais sobre o constitucionalismo. (Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/thiagochinellato/2013/07/22/aspectos-gerais-sobre-o-constitucionalismo/ acesso em 17/12/2013).



[1] Principalmente as súmulas vinculantes e os enunciados do Conselho de Justiça Federal.

[2] Fez ácidas críticas ao art. 4º da LINDB pois a norma recomenda ao juiz em face da inexistência da norma jurídica para o caso concreto na impossibilidade de analogia, deve-se recorrer primeiro aos constumes e, depois a doutrina e a jurisprudência como fonte e, por fim, aos princípios gerais do direito (tido como salvaguarda para colmatar as lacunas).

[3] O objetivo da regra jurídica é a manutenção da situação social existente e, nas obrigações extracontratuais e nas ex delicto ressalta-se a destinação da lei, principalmente no neminem laedere, como no suum cuique tribuere que asseguram a ordem necessária ao natural progresso da sociedade. Evidentemente as circunstâncias variam e influem nas normas jurídicas, não permanecendo inalterado e perpétuo o direito, indiferente às transformações e diversidades étnicas, geográficas, culturais, individuais e, etc. Quanto ao Direito, o mesmo acontece, desde os tempos mais remotos até aos mais próximos, o Direito mais subordinado ou mais livre dos outros elementos da vida social (religião, moral, economia, etc). É incontestável a objetividade do Direito, apesar disso o fenômeno jurídico possui índole material e imaterial simultaneamente.

[4] Tradicionalmente, o direito tem sido analisado pelo ângulo da sua legitimidade. Busca-se sempre ressaltar a autoridade que o direito tenha para impor à sociedade seu conjunto de regras e princípios. O jurista geralmente é ensinado desde cedo a procurar as fontes de legitimação da ordem jurídica.

[5] A teoria tópica se destina a examinar o momento que antecede a formação da vontade decisória, a busca e o manejo das premissas decisórias. E tais premissas não são necessariamente as regras do sistema normativo, mas valores, opções éticas, princípios, topoi, uma lógica material que é mais vinculada aos fatos, aos problemas concretos do que aos conceitos dogmáticos do sistema normativo. Também trata da necessidade da argumentação racional no Direito e de substituir a lógica formal impessoal pela lógica do razoável que se baseia na intersubjetividade humana e na justiça que há de guiar toda alteridade buscada soluciona os problemas da convivência social.

[6] A teoria da argumentação jurídica é interdisciplinar pois analisa como conclusões podem ser alcançadas através do raciocínio lógico, através das regras de inferência, da lógica e das regras de procedimento, tantos em cenários artificiais como no mundo real. A argumentação inclui o debate e a negociação, das quais possuem interesse de se atingir conclusões mutuamente aceitáveis. Englobando o diálogo erístico, que é ramo do debate social em que a vitória sobre um oponente é o principal objetivo. Esta arte e ciência representam o meio pelo qual algumas pessoas protegem suas crenças ou seus interesses num diálogo racional e durante o processo de defesa de suas ideias. É usada na advocacia notadamente perante os tribunais para provar ou refutar a validade de certos tipos de evidências. Os estudiosos da teoria da argumentação estudam as razões post hoc (após o ato concluído) mediante as quais um indivíduo pode justificar decisões que originalmente poderiam ter sido realizadas de forma irracional.

[7] Promulgada em 23 de maio de 1949 e foi autorizada pelos três aliados ocidentais nos chamados “Documentos de Frankfurt”, em julho de 1948. Sua grande tarefa foi definir os três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário além definir todos os direitos civis e criassem os fundamentos jurídicos do país.

Antes da aprovação desta Lei, uma forte polêmica agitou os grandes partidos alemães, a União Democrata Cristã (CDU) e o Partido Social Democrata (SPD), relativa à igualdade entre homens e mulheres perante a lei. Somente sindicatos e associações feministas conseguiu garantir os mesmos direitos para os dois sexos. Vital Moreira destacou a importância das constituições alemãs no contexto mundial, destacando que enquanto a Constituição de Weimar de 1919 serviu de modelo para as constituições entre as duas guerras, a quem se deveu a constitucionalização dos direitos sociais e da economia, e mais tarde a tomada do poder por Adolf Hitler. Destacou que algumas das instituições da Lei fundamental de 1949 se basearam nos preceitos da Constituição de Weimar, é o caso da opção pelo parlamentarismo racionalizado, com a garantia de estabilidade governamental, sobretudo por meio da moção construtiva que só permite a derrubada do governo quando da aprovação simultânea de um governo alternativo.

[8] A tendência pós-moderna na doutrina constitucional brasileira não se limita à mera proteção aos direitos humanos fundamentais mas também àqueles que acabaram por ter previsão no texto normativo. O texto constitucional deve ser o único e exclusivo ponto de partida de todo e qualquer aplicação de Direito uma vez que seu foco principal é a proteção integral do ser humano, buscando-o além dos limites formais traçados pela norma jurídica.

[9] O julgamento do mensalão colocou em avaliação o modelo democrático adotado e vigente no Brasil.

[10] Os conceitos legais indeterminados são palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão vagos. Já as cláusulas gerais são normas jurídicas orientadoras, sob forma de diretrizes indeterminadas, cabendo ao juiz criar ou concretizar a solução adequada ante o caso concreto. Como exemplo temos a previsão do art. 421 do C.C.

[11] Esse processo de conformação política da constituição é bastante vista nos Estados democráticos e pluralistas e requer a compreensão de que dentro do texto constitucional há espaços para se ocupar de diferentes formas, o que requer a atuação dos mais variados atores, não se limitando à chamada política constitucional à atuação do legislador, dos órgãos do executivo ou do judiciário. Carbonell apoiado na lição de Guastini apontando um ordenamento jurídico constitucionalizado se caracteriza por uma Constituição extremamente invasora, intrometida, capaz de condicionar tanto a legislação como a jurisprudência e o estilo doutrinário, a ação dos atores políticos, assim como as relações sociais, e convencido de que a abertura constitucional daí decorrente não enfraquece a força normativa da constituição.

[12] Como fonte formal do direito e sua natureza jurídica não pode ser classificada como costume, método de integração ou interpretação. Mas em foco o art. 4º LINDB traz rol meramente exemplificativo pois muitas vezes o legislador se vale do ensinamento do doutor para o estabelecimento da lei. É certo que o papel da doutrina como fonte está muito mais enraizado no sistema romano-canônico do que como no common law. Na tradição romano-canônica há o protagonismo de certo tipo de fonte, a lei embora não se possa deixar de reconhecer a relevância da doutrina em particular para o direito alemão que diante do BGB de 1900 o Código Civil fora produto pandectísitco onde se enxerga a doutrina o loxus de onde se retira a legitimação da autoridade da lei.

[13] O método de ponderação visa a garantir a convivência de antagônicos interesses constitucionalmente protegidos, utilizando-se a medida existente entre os mandamentos principiológicos analisados na prática. A lei da ponderação pode ser expressa assim: quanto maior é o grau da não-satisfação ou afetação de um princípio, tanto maior tem que ser a importância da satisfação do outro.

[14] Teoria significa o oposto da prática, ou seja, um conhecimento puro. Trata-se ainda, de um conjunto de hipóteses que tem por fim a elucidação, explicação ou interpretação de determinado conhecimento. Em suma, a teoria é aquilo que explica a prática. Bem esclareceu Wolkmer em sua obra “Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico”, nenhum saber é totalmente absoluto, uniforme e inesgotável: nenhum modelo de verdade expressa, de modo permanente e contínuo, as respostas a todas as necessidades, incertezas e aspirações humanas em tempo e espaço distintos. Há de se encarar, como fenômeno natural, na complexidade da vida social e na estrutura do próprio saber humano, a relatividade e ambivalência das formas de “verdades”. Atualmente chama-se de operador do direito o profissional graduado em Direito. E, nesse item já se apresenta grande problema nesta qualificação, pois como se sabe, o mero bacharel em Direito, só pode efetivamente ingressar na carreira jurídica quando se torna advogado, ou seja, precisa ser aprovado em exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Mas há quem entenda que o dito operador seria no sentido de poder aplicar, ou compreender o direito. Outros profissionais atuantes na seara jurídica existem tais como promotores de justiça, defensores públicos, juízes, delegados, conciliadores todos situados na perspectiva primeira no esquema acadêmico-bacharel-advogado. No entanto, o profissional que se insurge contra a projeção unilateral do Direito, visto como finalidade última em sua própria profundeza não merece ser designado de operador de direito, posto que natural, o Direito enquanto ciência social aplicada conglomera tantos outros domínios científicos tais como a Sociologia, a História, a Antropologia, a Filosofia e até a Psicologia, sendo válido afirmar que a válida operação do Direito incide na complementaridade desta ciência com as demais para revelar e disciplinar o progresso social humano. A superação do aforismo “operador do Direito” se faz importante na medida em que se procura atingir a conscientização da população sobre as leis vigentes, direitos e prerrogativas que cabem aos sujeitos de direitos e, na justa satisfação dos litigantes durante o processo onde se materialize a medida razoável de aplicação da justiça ao direito.

[15] Há quem divida o constitucionalismo em cinco grandes fases, quais sejam o constitucionalismo antigo, o constitucionalismo clássico, o constitucionalismo moderno, constitucionalismo contemporâneo e o constitucionalismo do futuro. No modelo antigo algumas experiências são mais relevantes, como a do Estado hebreu onde tínhamos os Estados teocráticos, incluindo a experiência grega, uma forma avançada de governo onde tínhamos uma democracia constitucional. Já o constitucionalismo clássico que se inicia no fim do século XVIII, onde a característica marcante é o surgimento das primeiras constituições escritas. Dois destaques são importantes que é experiência americana que defendia a supremacia constitucional e garantia jurisdicional e a experiência francesa que destacava pela garantida de direito e separação de poderes. Já o modelo moderno inicia-se após a primeira grande guerra mundial, com o surgimento do constitucionalismo social e, o surgimento do Estado Social em reação ao Estado Liberal. Nesse contexto se destacam as constituição da democracia marxista e da democracia racionalizada de Kelsen e as constituições da Itália e Alemanha e o desenvolvimento das constituições em países subdesenvolvidos. Enfim, no modelo contemporâneo temos o neoconstitucionalismo ou pós-positivismo pautado basicamente na dignidade da pessoa humana, em decorrência das atrocidades praticadas na segunda grande guerra mundial, tendo o reconhecimento da normatividade da constituição e dos princípios, com o fortalecimento do poder judiciário marcado por uma maior e crescente judicialização da política e das relações sociais, a rematerialização das constituições e, consagração expressa do princípio da dignidade da pessoa humana. (In: Chinellato, Thiago. Aspectos gerais sobre o constitucionalismo. Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/thiagochinellato/2013/07/22/aspectos-gerais-sobre-o-constitucionalismo/ acesso em 17/12/2013).

[16] Na sociedade onde vivemos podemos identificar duas tendências gerais que coexistem, a saber: a cosmovisão positivista de teor racionalista e empiricista, traduzindo uma exacerbada confiança na ciência e na tecnologia e na capacidade da razão e da observação para determinarem a verdade e os valores; a cosmovisão pós-moderna que traz uma desconstrução da razão, da verdade e da ideia de correspondência entre pensamento e realidade, o que redunda num relativismo. Porém, há uma série de limitações intrínsecas que não permitem o ser humano através da razão e observação chegarem a verdade absoluta. Mesmo buscando ser imparcial, o que o ser humano naturalmente não é, pois não há como esvaziar a si mesmo. Ademais sua apreensão de dados e percepções são limitadas. O movimento pós-modernista reagiu bravamente contra a autoridade atribuída à razão e à observação que a visão positivista apaixonadamente defendia, pois percebia que esses instrumentos são frágeis e não hábeis a chegar a verdade. A injustiça presente tanto nos regimes capitalistas como nos socialistas estão patentes nas manchetes diárias. Por isso, se apontam as falácias do positivismo.

[17] O texto informativo-expositivo há a origem semântica e sua função é informar, a finalidade do expositivo-argumentativo é mais ambiciosa, posto que tencione persuadir e convencer o público-alvo quanto uma tese ou juízo. Para tanto, se expõem os argumentos de variados tipos, e recorre-se à exemplificação. Já o texto argumentativo-explicativo utiliza a dialética para fazer as demonstrações, apesar de ser menos objetivo, emprega instrumentos de retórica tais como deduções, induções e de outras técnicas potencialmente exatas para convencer.

[18] As dimensões dos direitos fundamentais foram estabelecidas como gerações de direitos humanos. Os de primeira geração ou dimensão são classificados como os direitos civis e políticos considerados como negativos porque exigem do Estado sua abstenção, foi universalizada através da Revolução Francesa e encontram-se atualmente, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos aprovado em 16/12/1966. Trata-se das chamadas liberdades públicas que tendem a evitar a demasiada intervenção estatal no âmbito da liberdade individual.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. A Constituição invadida ou o neoconstitucionalismo contemporâneo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-constituicao-invadida-ou-o-neoconstitucionalismo-contemporaneo/ Acesso em: 08 set. 2024