União Homoafetiva
Ravênia Márcia de Oliveira Leite *
Segundo Luiz Roberto Barroso “as uniões afetivas entre pessoas do mesmo sexo são uma conseqüência direta e inevitável da existência de uma orientação homossexual. Por isso mesmo, também são um fato da vida, que não é interditado pelo Direito e diz respeito ao espaço privado da existência de cada um. As relações homoafetivas existem e continuarão a existir, independentemente do reconhecimento jurídico positivo do Estado. Se o direito se mantém indiferente, de tal atitude emergirá uma indesejada situação de insegurança. As uniões homoafetivas são fatos lícitos e relativos à vida privada de cada um. O papel do Estado e do Direito, em relação a elas como a tudo mais, é o de respeitar a diversidade, fomentar a tolerância e contribuir para superação do preconceito e da discriminação”.
Barroso ainda continua “a Constituição de 1988 não contém regra expressa acerca de orientação sexual ou de relações homoafetivas. A regra do art. 226, § 3º da Constituição, que se refere ao reconhecimento da união estável entre homem e mulher, representou a superação da distinção que se fazia anteriormente entre o casamento e as relações de companheirismo. Trata-se de norma inclusiva, de inspiração anti-discriminatória,. que não deve ser interpretada como norma excludente e discriminatória, voltada a impedir a aplicação do regime da união estável às relações homoafetivas”.
Deve-se ressaltar, ainda, que a OITAVA CÂMARA CÍVEL do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, em julgamento do dia 01/03/00 julgou ser juridicamente possível o pedido de reconhecimento de união estável entre homossexuais “…ANTE PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS INSCULPIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL QUE VEDAM QUALQUER DISCRIMINAÇÃO, INCLUSIVE QUANTO AO SEXO, SENDO DESCABIDA DISCRIMINAÇÃO QUANTO A UNIÃO HOMOSSEXUAL […] UMA ONDA RENOVADORA SE ESTENDE PELO MUNDO, COM REFLEXOS ACENTUADOS
Justamente ao contrário, os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da liberdade impõem a extensão do regime jurídico da união estável às uniões homoafetivas. Igualdade importa em política de reconhecimento; dignidade em respeito ao desenvolvimento da personalidade de cada um; e liberdade no oferecimento de condições objetivas que permitam as escolhas legítimas. Ademais, o princípio da segurança jurídica,
como vetor interpretativo, indica como compreensão mais adequada do Direito aquela capaz de propiciar previsibilidade nas condutas e estabilidade das relações.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, DJU 10 ago.
“A exclusão dos benefícios previdenciários, em razão da orientação sexual, além de discriminatória, retira da proteção estatal pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam encontrar-se por ela abrangidas. Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém, em função de sua orientação
sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal (na qual, sem sombra de dúvida, se inclui a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana. As noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo contornos e formas de manifestação e institucionalização plurívocos e multifacetados, que num movimento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas possibilidades de materialização das trocas afetivas e sexuais. A aceitação das uniões homossexuais é um fenômeno mundial – em alguns países de forma mais implícita – com o alargamento da compreensão do conceito de família dentro das regras já existentes; em outros de maneira explícita, com a modificação do ordenamento jurídico feita de modo a abarcar legalmente a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo. O Poder Judiciário não pode se fechar às transformações sociais, que, pela sua própria dinâmica, muitas vezes se antecipam às modificações legislativas. Uma vez reconhecida, numa interpretação dos princípios norteadores da constituição pátria, a união entre homossexuais como possível de ser abarcada dentro do conceito de entidade familiar e afastados quaisquer impedimentos de natureza atuarial, deve a relação da Previdência para com os casais de mesmo sexo darse nos mesmos moldes das uniões estáveis entre heterossexuais, devendo ser exigido dos primeiros o mesmo que se exige dos segundos para fins de comprovação do vínculo afetivo e dependência econômica presumida entre os casais (art. 16, I, da Lei n.º 8.213/91), quando do processamento dos pedidos de pensão por morte e auxílio reclusão”.
Chiarini impõe a tese que “admitindo-se para argumentar, sem conceder, que a conclusão anterior não devesse prevalecer – isto é, que os princípios enunciados não incidissem diretamente, produzindo a solução indicada – ter-se-ia como conseqüência a existência de lacuna normativa, à vista do fato de que tampouco existe regra expressa sobre o ponto”.
E continua o autor “nesse caso, a forma adequada de integração da lacuna normativa seria a analogia. A situação mais próxima à da união estável entre pessoas do mesmo sexo é a da união estável entre homem e mulher, por terem ambas como características essenciais a afetividade e o projeto de vida comum. A figura da sociedade de fato não contém esses elementos e a opção por uma analogia mais remota seria contrária ao Direito”.
Os Tribunais sulistas são reconhecidos como os pioneiros no direito de família, servindo como referência para o restante do país. Atualmente, esses Tribunais tem ganho destaque por constituírem-se nos primeiros a reconhecerem a União Homoafetiva, como mostra a jurisprudência abaixo colacionada do Tribunal do Rio Grande do Sul:
EMENTA:APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente à união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo.
No mesmo sentido, temos:
EMENTA:UNIÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA. Observância dos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana. Pela dissolução da união havida, caberá a cada convivente a meação dos bens onerosamente amealhados durante a convivência. Falecendo a companheira sem deixar ascendentes ou descendentes caberá à sobrevivente a totalidade da herança. Aplicação analógica das leis nº 8.871/94 e 9.278/96. POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR.
“Por derradeiro, vale ressaltar a importância dessas decisões para o reconhecimento da União Homoafeitva, pois elas verificam a existência do requisito da possibilidade jurídica do pedido, ou seja, o Tribunal reconheceu que, mesmo ausente norma expressa sobre o tema no ordenamento, as leis vigentes nos dão meios para legitimar a união entre pessoas do mesmo sexo”.
Diante do exposto, verifica-se a necessidade da legalização da União Homoafetiva, tendo se em vista que tais relações geram patrimônio, e dele eventual direito sucessório, sendo que, em não contemplando a lei tal existência fática, várias pessoas vem se despidas de seus bens pelos familiares do companheiro, em caso de morte.
Ademais, vem se prejudicadas todas as questões da vida cotidiana das pessoas que tem direito de receber e o Estado obrigação de fornecer os meios para que as mesmas tenham seus direitos salvaguardados, por exemplo, em questão sucessórias, divisão de bens amealhados ao longo da convivência, previdência social, auxílio médico e questões fiscais.
Referências Bibliográficas:
1. CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A união homoafetiva no direito brasileiro contemporâneo . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 112, 24 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4210>. Acesso em: 04 jul. 2009.
2. FREITAS, Tiago Batista. União homoafetiva e regime de bens . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3441>. Acesso em: 04 jul. 2009
3. http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/2343/RECONHECIMENTO_DA_UNIAO_HOMOAFETIVA
4. Barroso, Luiz Roberto. O reconhecimento da união homoafetiva no Brasil. 2006.
* Delegada de Polícia Civil