Prescrição no cheque pré-datado
Allan Arakaki*
INTRUDUÇÃO
O presente ensaio tem por fim delinear as principais questões atinentes ao cheque pré-datado frente à Lei do Cheque; focando, sobretudo, o que concerne ao “tormentoso” conflito sobre a partir de quando se inicia a contagem do lapso prescricional do cheque pré-datado, por meio da doutrina e da jurisprudência.
Palavras Chaves: Cheque, pré-datado, prescrição, prazo.
CHEQUE PRÉ-DATADO
Apesar de o cheque, em sua definição, ser uma ordem de pagamento à vista, na qual o sacador (emitente) ordena ao sacado (banco ou uma instituição financeira) que efetue o pagamento de determinada quantia ao beneficiário ou credor; apresenta-se com muita frequência no meio social a figura do cheque pré-datado. Neste, o sacado, baseado num prévio acordo entre as partes, emite o cheque em uma data, mas, insere no próprio título uma data futura e artificial, a partir da qual o cheque deverá se depositado.
Sob a égide dessa linha de raciocínio, percebe-se que o cheque pré-datado contraria, a priori, a própria definição de cheque, visto que enquanto neste a ordem de pagamento é à vista, naquele a ordem de pagamento, de acordo com o desejo e a vontade do emitente, é que seja feita na data futura, pactuada pelas partes. No entanto, à luz da Lei do Cheque (Lei nº 7.357, de 2-9-1985), verifica-se que não há em tal caso nenhum problema, pois, o artigo 32 é suficientemente claro ao arrematar que o cheque é pagável à vista, sendo considerada como não-escrita qualquer menção ao contrário. Nesse contexto, inegável observar que se trata de uma norma eminentemente cogente, não admitindo que as partes, por acordo de vontades, deliberem o contrário. Destarte, o cheque pré-datado, conforma a Lei do Cheque, continua a ser considerado uma ordem de pagamento à vista e; por conseguinte, caso seja apresentado antes da data futura inserida no título, a instituição financeira ou o banco é obrigado a descontá-lo ou devolvê-lo com o carimbo de insuficiência de fundos. Obviamente, caso o cheque seja apresentado em data diferente do acordado entre as partes e expressa na cártula, caberá indenização frente àquele que promeveu o desconto antecipado do cheque, o beneficiário ou o portador; preenchidos, em todo caso, os requisitos das ações de indenização, como comprovar com clarividência o prejuízo sofrido pelo emitente, o ato ilícito e o nexo causal entre ato e dano.
Já, perscrutando a natureza do cheque pré-datado, inevitável se esbarrar na idéia de costume contra legem. Este é a melhor definição de sua natureza jurídica, levando-se em conta, principalmente, o fato de que a colocação de uma data futura e artificial no cheque, processou-se por uma necessidade nos âmbitos social e econômico. Não é rara, principalmente no campo empresarial, a conclusão de um negócio, em que uma das partes se propõe a emitir um cheque a ser descontado futuramente pelo beneficiário; insere-se o cheque, então, usado como garantia de um pagamento futuro. Porém, insta ponderar que os costumes contra legem não possuem o condão de revogar lei, portanto, o cheque pré-datado trata-se de um produto da necessidade social, porém, não há lei que guarneça sua juridicidade. Assim sendo, o fato da existência, no cheque, de uma data discrepante da sua data de emissão não destoa sua natureza como título de crédito. Nesse sentido, transcreve-se a seguinte fundamentação do voto, da ministra Nancy Andrighi:
“ O cheque mantém todas as características cambiais, não se convertendo em uma nota promissória ou qualquer outra modalidade de promessa de adimplemento”
(STJ- Rel. Ministra Nancy Andrighi. Resp 612423 2003/0212425-9. DJ 26-06-06)(1).
PRESCRIÇÃO
Feitas as primeiras ponderações acerca do cheque pré-datado, releva discorrer sobre a prescrição cambial. Esta se refere à prescrição em face da ação cambial, isto é, perante à ação de execução. Assim sendo, prescrito o cheque, em se tratando de prescrição cambial, poderá ele ser cobrado por via ou da ação monitória ou pela via de cobrança pelo rito ordinário; não há de se confundir, portanto, com a decadência.
A Lei do Cheque, em seu artigo 59, reza que prescreve-se em 6 meses, contados do prazo de apresentação, a ação de execução. O prazo para apresentação, por sua vez, segundo o artigo 33 da mesma lei, é de 30 dias, se se tratar de cheque da mesma praça, isto é, caso o local de emissão do cheque coincida com o do banco pagador, ou de 60 dias, em se tratando de cheque de praça diferente.
Supedaneado por tais normas, nos casos de cheques simples, que não sejam pré-datados, não há nenhum mistério na contagem do lapso prescricional. Cite-se, por exemplo, um caso no qual o emitente emitiu um cheque da mesma praça, em 04/07/07. Considerados, nesse exemplo, todos os dias como úteis, o fim do prazo de apresentação seria em 03/08/07 e, por conseguinte, a prescrição ocorreria em 03/02/08.
Na realidade, o grande busílis reside em relação à contagem de a partir de que data fluirá o lapso de apresentação, influenciando, por conseguinte, na prescrição da ação cambial em face do cheque pré-datado. O operador do direito, em tal caso, depara-se com a seguinte questão: “ Conta-se o prazo de apresentação do cheque pré-datado tendo por base sua data de emissão ou se conta de acordo com a data artificialmente nele posta ?
De fato, não há nenhuma resposta uníssona e conclusiva; aliás, leia-se que a jurisprudência nacional é bem fecunda e polarizada a esse respeito. Observam-se, de um lado, julgados consignando que o lapso prescricional flui a partir da data artificialmente posta no título. Nessa esteira, colhem-se as seguintes ementas:
“ EMBARGOS À EXECUÇÃO – CHEQUE PRÉ-DATADO – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – ALEGAÇÃO DA DEFESA NÃO PROVADA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO – DECISÃO UNÂNIME. A prática comercial de emissão de cheque com data futura de apresentação, popularmente conhecida como cheque “pré-datado”, não desnatura a sua qualidade cambiariforme, representando garantia de dívida com a conseqüência de ampliar o prazo de apresentação. Provado a data em que deveria ser apresentado para desconto, desse tempo inicia-se a contagem do lapso prescricional para a ação de execução. Tratando-se os embargos de verdadeira ação, cumpre ao embargante demonstrar os fatos constitutivos de seu direito com a demonstração das provas que deseja produzir. Nada provado autoriza a rejeição da defesa”(2).
(TJMT- Des. Carlos Alberto Alves da Rocha. Proc. 28345/03.12/22/03)
“COMERCIAL E PROCESSO CIVIL. Cheque Pré-Datado. Prescrição. O cheque emitido com data futura não se sujeita a prescrição com base na data de emissão. O prazo prescricional deve ser contado, se não houver apresentação anterior, a partir de 30 dias da data nele consignado como sendo de cobrança”(3)
(STJ- REsp 620218/GO. 2003/0229391-7. Rel. Min. Castro Filho. DJ. 27.06.05 p. 376).
No lado oposto, pugna-se pela outra posição: o termo a quo do lapso prescricional do cheque pré-datado é da sua data de emissão; consideração essa que, com a devida vênia dos adeptos da vertente anterior, parece-me ser a mais lógica e clara.
Ora, se o cheque, conforme o artigo 32, da Lei do Cheque, é pagável à vista, não sendo considerada cláusula que estabeleça o contrário; não há nenhum óbice jurídico para que o prazo de apresentação e, por conseguinte, o de prescrição sejam computados a partir de sua data de emissão. Nesse sentido, observa-se a valiosa lição de Fábio Ulhoa Coelho: “O cheque é uma ordem de pagamento à vista, sacada contra um banco e com base em suficiente provisão de fundos depositados pelo sacador em mãos do sacado e decorrente de contrato de abertura de crédito entre ambos. O elemento essencial do conceito do cheque é a sua natureza de ordem à vista, que não pode ser descaracterizada por acordo entre as partes. Qualquer cláusula inserida no cheque com o objetivo de alterar esta sua essencial característica é considerada não escrita e, portanto, ineficaz (Lei n. 7.357, de 1985 Lei do Cheque, art. 32). Desta forma, a emissão de cheque com data futura, a pós-datação, não produz nenhum efeito cambial, posto que, pelo contrário, importaria em tratamento do cheque como um título de crédito a prazo. Um cheque pós-datado é pagável em sua apresentação, à vista, mesmo que esta se dê em data anterior àquela indicada como a de sua emissão (art. 32, parágrafo único). (4)”.
Importante salientar também que a data de emissão é um dos requisitos essenciais do cheque, com supedâneo no artigo 1º, V, da mesma lei; e caso tal requisito elementar venha a faltar, não existirá cheque, mas, sim um documento apto a munir outra ação que não seja a de execução. Ora, nota-se que o legislador, ao inserir a data de emissão como requisito essencial, não o fez por mero deleite, mas, sim, pois, com base nela é que será contado o lapso de apresentação do cheque e a sua prescrição, inclusive no que tange aos cheques pré-datados. Nesse diapasão, não haveria o porquê de o legislador considerar a data de emissão como requisito necessário para a existência do cheque, caso não o fosse para a partir dela decorrer contagem de prazo; se assim não o fosse, pela inocuidade e prescindibilidade daquele requisito, correr-se-ia o risco de se estar perante a letra morta da lei, o que não é o caso.
Outrossim, no campo da jurisprudência dos tribunais brasileiros, para melhor compreensão, eis a transcrição de alguns votos, compactuando com a última tese:
“Ressalta-se, ainda, que à luz do art. 32, caput, da Lei n. 7.357/85, o cheque constitui ordem de pagamento à vista, motivo pelo qual, mesmo que pós-datado (ou pré-datado), a verificação da ocorrência de prescrição da ação de execução leva em conta o dia consignado na cártula como sendo o de sua emissão, e não aquele acordado entre as partes para a satisfação da importância nele expressa”. (5)
(TJSC – Rel. Des. Ricardo Fontes. Apelação Cível nº. 2005.002696-8. 31/03/05).
“E, discordamos da sentença quanto ao prazo que deu início à contagem a prescrição, esta que a nosso ver tem como marco inaugural a data de emissão do cheque, e não eventual data aprazada em apartado na cártula, eis que sendo o cheque um título para pagamento à vista, não existe em nosso ordenamento respaldo jurídico para a utilização do cheque pré-datado”. (6)
(TJSC – Rel. José Trindade dos Santos. Apelação cível n. 2004.007548-0. 30/06/05).
Conclusão
Diante de todo o exposto, por fim, conclui-se que o lapso de apresentação e a prescrição do cheque pré-datado contam-se de sua data de emissão e não da data pactuada entre as partes e nele artificialmente posta. Ademais, não se deve olvidar que a prescrição tratada pela Lei do Cheque é quanto à ação de execução e tão-somente a ela; destarte, ainda que o cheque esteja prescrito, poderá ele ser cobrado pelas ações idôneas do próprio diploma adjetivo, como a monitória e a ação de cobrança pelo rito ordinário.
Notas/ Referências bibliográficas:
1- STJ- Rel. Ministra Nancy Andrighi. REsp 612423 2003/0212425-9. DJ 26-06-06;
2 -TJMT- Des. Carlos Alberto Alves da Rocha. Proc. 28345/03.12/22/03;
3- STJ- REsp 620218/GO. 2003/0229391-7. Rel. Min. Castro Filho. DJ. 27.06.05 p. 376;
4- COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial, São Paulo: Saraiva, 1988, p. 220;
5- TJSC – Rel. Des. Ricardo Fontes. Apelação Cível nº 2005.002696-8. 31/03/05.
6- TJSC – Rel. José Trindade dos Santos. Apelação cível n. 2004.007548-0. 30/06/05.
* Acadêmico de Direito da UCDB e estagiário de gabinete da 8º Vara Cível do Fórum de Campo Grande (MS).
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