Direito Civil

O advogado na separação extrajudicial

O advogado na separação extrajudicial

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

07.03.07

 

Em artigo recentemente publicado, o Dr. Benedito Wilson, ilustre integrante do Ministério Público do Estado do Pará, comentou a recente lei nº 11.441, que dispensou o ajuizamento de ações para a homologação de separações e divórcios consensuais. A partir da vigência dessa lei, ficou facultada a via administrativa, sempre que o casal não tiver nenhuma discordância, quanto à divisão dos bens, nem filhos menores, para que seja definida a guarda.

 

O Dr. Benedito criticou, nesse artigo, a obrigatoriedade da assistência de advogado, que foi introduzida, na proposta original, por exigência da Ordem dos Advogados. Disse ele, então, que parece descabida essa obrigatoriedade, porque a nova lei cuida justamente de reduzir o excessivo formalismo, e a singeleza das hipóteses abarcadas por essa lei não permite maior campo para a assistência jurídica. Concordo inteiramente, mas gostaria de acrescentar algumas considerações.

 

Na minha opinião, se o casamento sempre foi feito em cartório, sem a participação de um juiz, de um promotor, e de um advogado, nunca houve razão, também, para que a separação e o divórcio consensuais não pudessem ser feitos da mesma forma. No entanto, exatamente como inúmeras outras dificuldades e exigências criadas pelo nosso ordenamento jurídico, com o seu excessivo formalismo e a negação do “jus postulandi”, tudo parece concorrer para dificultar a celeridade processual e para privilegiar outros interesses, que não o interesse público.

 

O projeto do senador César Borges (PFL/BA) pretendia, com muita propriedade, desonerar de custos advocatícios os casais que chegam a um acordo amigável. No entanto, devido à pressão da OAB, foi apresentado um substitutivo, incluindo a obrigatoriedade da participação de um advogado, até mesmo para esses processos consensuais, no âmbito dos cartórios. De acordo com o senador César Borges, “existe um corporativismo para não perder mercado. Alguns dizem que a presença de um profissional dá mais segurança ao ato, mas o problema é que continuará tendo custo. O que o advogado vai fazer não é nada que um tabelião não faça”.

 

Se fosse realmente necessária a presença de um advogado, apenas para assinar, em cartório, alguns documentos, para evitar qualquer prejuízo ao casal, por que não pensam os dirigentes da OAB em exigir, também, a presença de um advogado para a celebração do casamento? Talvez ele pudesse aconselhar o casal, evitando quaisquer problemas e, até mesmo, uma futura separação!

 

Se a nova lei dispensou as figuras do juiz e do promotor, qual seria o motivo para a obrigatoriedade da presença do advogado, a não ser a exigência da Ordem? Mas será que essa exigência atende, realmente, ao interesse público?

 

O Estado de São Paulo, em editorial publicado no dia 12.02.2007, sob o título “A Força do Cartorialismo”, afirmou, coerentemente, que essa obrigatoriedade, imposta pela OAB, “mostra o quanto o Brasil ainda continua contaminado pelo cartorialismo, que impõe uma série de intermediários compulsórios nas mais corriqueiras relações sociais, vendendo serviços desnecessários a alto preço”. Disse, ainda, que “a obrigatoriedade de se contratar serviços indesejados e desnecessários é um dos expedientes que a OAB desenvolveu para tentar ampliar o mercado de trabalho de seus filiados”.

 

No entanto, como seria de se esperar, alguns dirigentes da OAB discordam dessa interpretação. O Dr. Sérgio Couto, em artigo recentemente publicado, chegou ao exagero de dizer que acusar de corporativismo os advogados é o mesmo que defender o fim da OAB, nos moldes do que fez Napoleão, em França; ou Hitler, que proibiu os judeus de serem assistidos por advogados; ou Mussolini, que mandou incendiar escritórios de advocacia, e o Presidente Figueiredo, que queria mandar prender todos os advogados. Na minha opinião, o Dr. Sérgio acertou, apenas, quando disse que os advogados são indispensáveis à administração da Justiça.

 

Mas o problema é que isso não pode isentar a OAB do respeito aos princípios republicanos. O juiz, o promotor e o defensor público também são essenciais à administração da Justiça, e nem por isso acusá-los de corporativismo poderia significar, absurdamente, que estaríamos pretendendo fechar o Judiciário, o Ministério Público, ou as Defensorias. O argumento é inteiramente descabido.

 

Não é mais possível aceitar qualquer espécie de corporativismo. O que precisamos reformar, no Estado brasileiro, é exatamente a falta de respeito aos princípios republicanos, da igualdade e da prevalência do interesse comum. Precisamos começar a evitar, urgentemente, a existência dos inúmeros privilégios e discriminações, que se manifestam através da reserva de mercado, e da distribuição de empregos e benefícios para determinados grupos. A extrema desigualdade que nos caracteriza, e que parece estar na raiz de todos os nossos piores problemas, é o resultado das décadas de prevalência dessas práticas, de assalto ao interesse e aos recursos públicos.

 

Os dirigentes da OAB sabem disso, e sabem, também, que não é possível defender a advocacia (Estatuto, art. 44, II) sem defender, também, a Constituição (Estatuto, art. 44, I).

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. O advogado na separação extrajudicial. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/o-advogado-na-separacao-extrajudicial/ Acesso em: 04 mai. 2024