Nasce um novo (?) Código Civil
Maria Berenice Dias*
Todos os seres têm apenas uma razão de viver: o encontro da felicidade.
Ao Estado cabe organizar de tal forma a sociedade que, além de regular as relações das pessoas, precisa respeitar sua liberdade e garantir o direito à vida com dignidade. Para isso, é necessário o estabelecimento de regras de comportamento, que, para serem respeitadas, precisam ser dotadas de sanções. Nascem, assim, as normas jurídicas.
A sociedade evolui, transforma-se, rompe com tradições e amarras, o que implica na necessidade de constante atualização das leis. Mas a mais árdua tarefa é mudar as regras do Direito de Família, em face de seus reflexos comportamentais, pois dizem com as relações afetivas, os sentimentos, a alma do ser humano.
O Projeto original do Código Civil data de 1975, anterior, inclusive, à Lei do Divórcio, que é de 1977. Tramitou pelo Congresso Nacional antes da promulgação da Constituição Federal em 1988, que adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana. Daí o sem-número de emendas que sofreu e as críticas com que vem sendo bombardeado.
Mas mudar é preciso. Preferir que as coisas fiquem como estão – postura tipicamente humana, pelo medo do novo – é mais fácil. De outro lado, criticar sem nada acrescentar, é uma postura estéril, é adotar atitude detratora ou escatológica, que em nada contribui para que algo seja melhorado.
A legislação em vigor[1] regula a família do início do século passado, constituída unicamente pelo matrimônio, instituição matrimonializada, patrimonializada, patriarcal, hierarquizada e heterossexual. O surgimento de novos paradigmas, quer pela emancipação da mulher, quer pela descoberta dos métodos contraceptivos e a evolução da engenharia genética dissociaram os conceitos de casamento, sexo e reprodução. O moderno enfoque dado à família pelo Direito volta-se muito mais à identificação do vínculo afetivo que enlaça seus integrantes.
Portanto, não mais se justifica a permanência do instituto da separação. Quando, simplesmente findo o amor, possível deveria ser o divórcio. Será que o Estado tem o direito de impor que permaneçam unidas pessoas que não mais se amam?
A mesma perplexidade persiste em face da necessidade da identificação de um culpado para que se rompa o vínculo marital. Mas, como identificar o responsável pelo fim do amor? Como provar o carinho que não foi feito, as mágoas que se transformam em frustrações, brigas e até em agressões?
Ainda que tenha o Estado interesse na preservação da família, será que dispõe de legitimidade para invadir a auréola de privacidade e intimidade dos cônjuges, obrigando-os a revelar o comportamento do par? Onde andará as garantias tão preservadas pela nossa Constituição cidadã?
Esses questionamentos mostram que, embora bem-vinda, nos chega uma lei velha. Assim, imprescindível que os lidadores do Direito busquem aperfeiçoá-la, realizando algumas emendas retificativas, quem sabe até verdadeiras cirurgias plásticas, para que o Código Civil, que regula a vida de todos nós, adquira o viço que a sociedade merece.
[1] A referência é ao Código Civil de 1916.
* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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