Direito de Família: Por uma Justiça Mais Humana e Leis Menos ”Capengas”
Claudia Zardo *
Entre outras controvérsias, a atecnia da redação e a real efetividade na aplicação em casos concretos da lei que versa sobre alimentos gravídicos , o comportamento conhecido como Síndrome da Alienação Parental , a busca por saídas criativas para tomar as relações conjugais e afetivas mais justas são alguns temas que suscitam debates calorosos e observações pedagógicas no atual momento do Direito de Família. E é neles que vamos mergulhar a seguir no sentido de fomentar as reflexões dos que militam na área e até mesmo deixar sugestões e soluções para os que quiserem abraçá-las.
A começar pelos alimentos gravídicos, críticas pertinentes são levantadas pelo professor universitário, advogado especializado em Direito de Família e Conselheiro Seccional da OAB/MG, Nacib Rachid Silva. Enquanto advogado, Rachid atua na área há mais de 13 anos ; conhece, pois, na práxis a diferença entre o direito posto e o direito praticável , leia-se, na realidade.
Com estilo de quem consegue tratar de forma leve e irônica um assunto que está mais para o trágico, Rachid aduz a discussão explicando que a lei nº 11.804 foi sancionada em 05 de novembro de 2008 e naquele momento parecia ser a tábua de salvação para suprir uma lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, a falta de regulamentação dos alimentos gravídicos.
Após seis meses atuando na lida diária da aplicação da lei, contudo, a suposta tábua de salvação tomou a forma de tábua de tiro ao alvo. Para ele e outros especialistas, além de ter mais vetos do que conteúdo útil, a lei está sob a mira dos aplicadores e operadores do direito e o alvo principal dos críticos é sua redação .
Se o conjunto da lei analisada for, os especialistas podem ser considerados contundentes. Basta ver que do total de 12 artigos da Lei a metade foi vetada. “ Se formos analisar bem só sobrou conceito na tal lei, e os artigos que sobraram não condizem com a realidade em que vivemos”, completa Rachid.
Quando Rachid diz que os artigos não condizem com a realidade enfrentada nas Varas de Família, pinça uma questão bastante controvertida. Ou seja, a Lei, em seu art. 2o orienta:
“Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes”.
Ele então questiona, “para comprovação de paternidade, é preciso inserir uma agulha até que atinja o líquido amniótico para coletar o material, o que pode causar sérios danos ao feto. Neste sentido optamos por não colocar a gestante em tamanho risco. Mas questiono: e se lá na frente ficar provado que o sujeito não era o suposto pai? Todos sabem que não há como haver ressarcimento dos alimentos já pagos e nesse caso não seria o mesmo que vestir um santo para desvestir outro?”.
O advogado não é o único a reclamar da péssima qualidade da redação. Além dos membros do Ministério Público e dos promotores de Justiça como Daniela Cristina Pedrosa Bittencourt Martinez, Marcia Pires da Mota e Henrique Otero Costa, os juízes das Varas de Família e Sucessões da Comarca de Uberlândia – Armando Rodrigues Ventura Júnior e
Sugestão
“ Às vezes eu acho que o legislador usa o escravigiário ( estagiário escravo) e diz: `Precisamos de uma lei, o povo está pedindo, escreve um dispositivo qualquer aí´. No caso específico da Lei de Alimentos Gravídicos, questiono: como eles têm coragem de sancionar uma lei daquele porte sem nem mesmo consultar os que dela dependem na defesa e aplicação direta do Direito, ou seja, nenhum membro do Ministério Público , advogados especializados e/ou juízes foi consultado na hora de se redigir aquela tragédia. Diante do problema, pois, deixo a minha sugestão aos legisladores: não é preciso nos pagar para fazer um trabalho mormente cidadão, basta requisitar e lá estaremos para ajudar na redação das leis “, diz e sugere .
Alienação parental
O Desembargador do TJMG, Alberto Aluízio Pacheco de Andrade também concorda com a baixa qualidade técnica da recente safra de leis e ainda completa: “ o Direito de Família não é campo unicamente de batalha dos legalistas, é preciso ter muita parcimônia, sabedoria e criatividade para enfrentar os dilemas dessa área”.
Andrade acumulou vasta experiência como juiz na Vara de Família de Belo Horizonte antes de se tornar um desembargador. Conhecedor profundo do espírito das leis, mas principalmente dos conflitos humanos , ele traz a lume outra questão que aflige os que militam na área, ou seja, a Síndrome da Alienação Parental (SAP)
“A alienação parental consiste no ato de um genitor que tem a guarda do filho e vale-se de manipulações, induzindo a criança, por meio de técnicas e processos, a criar uma má imagem do outro genitor (não guardião), e visando ‘puni-lo’ e expulsá-lo por completo da vida dos filhos. Com o tempo, o filho, consciente ou inconscientemente, passa a colaborar com essa finalidade, situação altamente destrutiva para ele e para o genitor alienado. Comportamento cada vez mais comum nas relações dos tempos modernos, segundo dados do IBGE (2002), cerca de 1/3 dos filhos de pais divorciados perdem contato com seus pais, sendo privados do afeto e convívio com o genitor ausente, o que tem consequências trágicas no seu desenvolvimento psicossocial”. [1]
Injustiça menos desumana
Diante de casos assim o Desembargador conta que enquanto exerceu o cargo de juiz da Vara de Família foi preciso encontrar soluções humanas e criativas e cita um caso específico e no mínimo curioso.
De acordo com o ele, após vários embates e diversas tentativas de conciliação, foi selado um acordo que dava o direito a um pai de visitar a filha regularmente, porém, o acordo não foi mantido pela outra parte.
“ Ainda que tivesse entrado em acordo e sido signatária , diante de testemunhas e autoridades, a parte contrária (a mãe) não o cumpriu; e o pai, já cansado de lutar por seus direitos e de litigar por longos dois anos, desistiu de reabrir o processo”, explica.
Para ilustrar as saídas que um juiz deve buscar nos confrontos que envolvem as relações conjugais e afetivas, além da sapiência que deve ter um magistrado da Vara de Família, o Desembargador, que então atuava como juiz , em sua consciência decidiu tirar a cópia de capa a capa do processo e a entregou de presente para o pai.
Diante do exposto, há quem vá questionar, “mas se havia um acordo lavrado em juízo, tal acordo deveria ter sido cumprido. Não cumprido, cabia ao Juiz determinar o cumprimento, pois acordo feito em Juízo vale como decisão a ser executada”.
E a resposta para tal indagação é simples, para exigir o cumprimento da decisão, a criança poderia sofrer outro trauma: o de ver a mãe sendo presa. Na Vara de Família todos devem primar pelo interesse da criança. Como não tem como estabelecer multa diária para o descumprimento, graças à falha na lei, a opção foi dada ao pai, ou seja, a reabertura do processo. Mas do ponto de vista psicológico e fazendo um exercício de empatia, quem poderia culpar , pela desistência , um pai que por dois anos lutou na justiça, seguiu os tramites da lei, lavrou acordo e ao final “ não levou”?
Adicionalmente, justifica o Desembargador dizendo ainda que a atitude foi uma forma de prevenção para que aquele pai pudesse na vida adulta da filha ter uma prova de que ele , embora tivesse perdido as forças para fazer prevalecer seus direitos, na mesma medida teve a iniciativa para que pudesse efetivar o direito de acompanhar o crescimento e a ela oferecer afeto. Além disso, explica o Desembargador que a solução encontrada por ele poderia servir de respaldo para caso a filha viesse a peticionar ação por abandono afetivo no futuro.
Justiça desejável
Por fim, o exemplo, por um lado pode parecer desanimador ou mesmo levar ao descrédito diante da fragilidade e da morosidade da Justiça brasileira; por outro lado, porém, bem representa o espírito que para o Desembargador deve reger o Direito de Família, ou seja, muito mais o exercício da sensibilidade diante dos conflitos travados do que propriamente uma aposta cega no que diz a fria, por vezes falha e desumana, letra da Lei.
Notas
[1] LEIRIA, Claudio da Silva. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL. Disponível em: http://www.pontojuridico.com/modules.php?name=News&file=article&sid=151. Acesso em 01/06/2009.
* Jornalista e acadêmica de Direito