Direito Ambiental

Reserva legal?

por Robson
Zanetti*

Promover
o desenvolvimento sustentado, garantia de qualidade de vida para os brasileiros
desta e das novas gerações, é dever de Estado, garantindo os direitos de todos
os cidadãos. Para desenvolver-se o País precisa ter condições de competir nos
mercados globais. Um dos direitos fundamentais é a saúde.

A
reserva legal, no Brasil, foi instituída pelo código florestal de 1965, no seu
artigo 1.º. Naquela época, a intenção clara era a de prover a indústria com
reservas de madeira suficiente, tendo em vista a substituição crescente, nas
propriedades rurais, de florestas por outros usos da terra.

Essa
estratégia foi ampliada, na MP 2166-67, aonde lê-se que Reserva Legal é: área
localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de
preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à
conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da
biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.

É importante
verificar que a instrumentação necessária para garantir estoques de madeira e
conservação da natureza inexistia, quando da redação do Código Florestal que,
por isso mesmo, obrigava os proprietários rurais a conciliarem o
desenvolvimento com a demanda da sociedade em torno das florestas. Tudo isso
mudou com os novos dispositivos legais.

O PNF
Programa Nacional de Florestas, é a instituição governamental responsável pela
garantia do fornecimento de madeira para a indústria, tanto de plantações como
de florestas nativas, tendo diferentes programas voltados para esse fim.

Quanto
ao segundo aspecto, incorporado pela MP 2166-67, vê-se coberto por diferentes
instrumentos legais, destacando-se, sobremaneira, o SNUC Sistema Nacional de
Unidades de Conservação e os projetos de Corredores Ecológicos.

Hoje o
Brasil tem mais Unidades de Conservação que qualquer outro país do mundo e as
plantações florestais brasileiras são campeãs planetárias de produtividade. O
que sem dúvida é muito bom para o País, que concilia uma vasta rede de unidades
de conservação com um poderoso setor florestal industrial.

Contudo,
a resistência em se abdicar de uma restrição ao uso da terra brasileira, tem
imposto sérias e crescentes sanções a capacidade competitiva do País no terreno
internacional. Tanto que, em relatório preparado pelo governo dos EUA, para
reunião com o G-8 neste ano de 2005, a respeito da proposta do grupo, de
boicote à madeira ilegal, aparece claramente demonstrado que os produtores
daquele país, se estivessem na Amazônia Brasileira, seriam todos
“ilegais”.

Não
somente isso, mas a Irlanda, fazendo eco às discussões européias sobre o
agronegócio, incitou seus pares a realizar um boicote a carne brasileira, tendo
em vista os níveis de desmatamento no Brasil. O mesmo procedimento tem sido
promovido em diferentes organizações, principalmente com o apoio de ONGs
ambientalistas de larga infiltração, sugerindo a adoção de barreiras
não-tarifárias para a soja brasileira.

Não
existe, no Primeiro Mundo, conceito equivalente à Reserva Legal brasileira;
isso, sem dúvida, coloca em cheque essa estratégia de restrição ao uso das
propriedades brasileiras, já que elas passam a arcar com um ônus que não se
aplica aos produtores dos demais países.

Mas
também não param por ai os prejuízos da Reserva Legal para os produtores
brasileiros. Com 1/5 da propriedade inutilizada, os proprietários ficam com uma
reserva que não serve apenas as espécies de fauna e flora ameaçadas, mas também
a biodiversidade que ameaça. Inúmeros trabalhos científicos já evidenciaram a
alta incidência de ratos, baratas, gambás, lagartas e diversos outros
componentes da fauna que utilizam fragmentos florestais como lar. Nesses
locais, eles reproduzem-se livremente e multiplicam as chances de atingirem a
população de humanos.

Com 4/5
das propriedades esse perigo aumenta a níveis inadmissíveis. É cotidiano o
ataque de plantações e animais por indivíduos oriundos de áreas de Reserva
Legal. Na Amazônia, existem estimados 15 milhões de diferentes espécies de
insetos. A Febre aftosa, que causa prejuízos imensos a pecuária nacional, migra
das criações vacinadas para os animais selvagens, retornando para atingir os
animais domésticos em um período posterior.

Na
década de 70 ocorreram, na Amazônia, 5 epidemias oriundas de doenças que se
multiplicam nas áreas de florestas nativas. Nos anos 80 foram 6 e na de 90 elas
chegaram a 13. A OMS Organização Mundial de Saúde, abriu a reunião de 2005
trazendo à tona a questão das doenças tropicais, que flagelam 500 milhões de
pessoas no mundo. O caso da mutação do vírus da SARS, que se originou de
florestas tropicais, é um dos mais graves do planeta hoje.

Morcegos
já mataram 15 pessoas de raiva, este ano, no Pará. A doença de Chagas atingiu
as populações do Sul do Brasil. Roraima bateu recordes de infestação com dengue
e o Acre tem recordes mundiais de casos de malária.

quantidade
e o perigo de propagação das doenças que elas continham, e viabilizavam, só era
conhecido localmente. Com a globalização não somente essa realidade passou a
ser cotidiana, como também passou a ameaçar toda a população.

Em uma
sociedade sem fronteiras, a facilidade do espalhamento de epidemias é gigante.
Os prejuízos causados pela ocorrência da Sars na Ásia, em termos econômicos e
sociais, tornaram-se de conhecimento geral, principalmente com o isolamento
promovido para assegurar que o mal não se espalhasse pelo mundo.

É
preciso garantir a segurança da população e a competitividade brasileira. A
responsabilidade pela conservação da natureza e manutenção de estoques florestais
não é mais dos proprietários rurais, ela foi assumida por toda a sociedade. Já
existem mecanismos legais e instituições encarregadas desse trabalho.

Para
competir internacionalmente, é preciso que as regras válidas para os produtores
brasileiros, sejam as mesmas aplicadas aos demais proprietários rurais pelo
mundo.

A
reserva legal já teve seus objetivos e aplicabilidade superados pela legislação
nacional, que cobrem não somente os aspectos de conservação da biodiversidade,
mas também os de pesquisa, desenvolvimento econômico e social. Não se justifica
diminuir a produtividade rural por conta desses objetivos.

Por
outro lado, a crescente ocorrência de danos à saúde da população, decorrentes
da multiplicação e mutação dos microorganismos nas áreas com florestas nativas,
principalmente tropicais, justificam ações no sentido de garantir a seguridade
social, ameaçada pelas áreas de reserva legal.

Utilizar
o termo reserva legal, para definir porções das propriedades rurais, destinadas
a diminuir a competitividade dos produtores brasileiros, e ameaçar a saúde de
nossa população, é sem dúvida, um contra-senso.

* Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1
Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto
Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 100
artigos e das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do
Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi e  A prevenção de
Dificuldades e Recuperação de Empresas. É também árbitro e palestrante

Este artigo contou com a
participação de Ederson Augusto Zanetti.
Engenheiro
florestal, mestre em engenharia florestal Universität Albert Ludwig Alemanha,
doutorando UnB -Conservação da Natureza, professor Visiting Harper e City Lake
College Chicago/USA

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Como citar e referenciar este artigo:
ZANETTI, Robson. Reserva legal?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/reserva-legal/ Acesso em: 06 out. 2024