Vinícius Oliveira
A Constituição Federal de 1988 fixou para o Estado brasileiro diversas obrigações e competências relacionadas com a satisfação do bem-estar social dos cidadãos. A despeito de qualquer opinião ideológica a respeito do conjunto de atribuições que devem ser desempenhadas por um ente estatal, é fato incontroverso que vivemos sob a égide de um Estado que, por força da Constituição Federal, está obrigado a entregar inúmeras prestações materiais aos seus cidadãos.
São objetivos e pressupostos fundamentais de nossa república, que envolvem, por exemplo, desde o dever de promoção da segurança pública, da educação e da saúde, abrangendo questões mais específicas, como a obrigação de emitir moeda e de prestar serviços públicos, a exemplo do saneamento básico.
Para o atingimento desses múltiplos objetivos, em cumprimento das obrigações estabelecidas pela Constituição, o Estado brasileiro necessita de auxílio de particulares. São pessoas que, no exercício da livre iniciativa, optam por contratar com o Estado, no interesse deste, para viabilizar, justamente, o efetivo desempenho de suas competências.
Os exemplos estão em nosso cotidiano e são inúmeros.
São empresas particulares que constroem as escolas e fornecem o material didático da rede pública de ensino. São empresas particulares que produzem e entregam as merendas escolares e os uniformes dos estudantes. São empresas particulares que constroem os hospitais e fornecem os medicamentos e demais insumos do Sistema Único de Saúde. São empresas particulares que realizam a manutenção, a limpeza e a vigilância dos prédios públicos, assim como fornecem o mobiliário. São empresas particulares que constroem os aeroportos, as rodovias, as ferrovias, as linhas metroviárias. São empresas particulares que fazem a manutenção dos sistemas de mobilidade urbana, que fornecem tecnologia para os sistemas do Poder Público e que constroem desde estações de tratamento de água e esgoto, até refinarias e hidrelétricas.
Tudo isso é feito por meio do que se conhece por contratação pública, a qual, em regra, tem como parte fundamental um processo prévio de competição entre particulares interessados: alicitação pública.
Mas, afinal, o que significa licitar?
Etimologicamente, o vocábulo “licitar” advém do latim licitare, que significa pôr em leilão. Pela etimologia do termo, a ação de licitar, a “licitação”, significaria o ato de pôr ou de ofertar algo em disputa entre proponentes.[1]
Em complemento a essa acepção clássica, a compreensão jurídica moderna é a de que a licitação é um processo administrativo competitivo, vinculante e em regra obrigatório, por meio do qual este se propõe a adquirir um bem ou contratar um serviço, a realizar uma obra ou a delegar a prestação de serviço público. É, em suma, uma competição entre particulares para que se identifique quem contratará alguma coisa determinada com o Estado brasileiro, no qual deve ser garantida a igualdade e o cumprimento das regras estabelecidas, em processo justo e auditável.
Percebe-se que existe, nesta relação, uma harmonia entre o interesse público, tipicamente estatal, e o interesse privado, típico do livre mercado. De um lado, temos o Estado brasileiro com o objetivo de adquirir um bem ou serviço, de realizar uma obra ou de delegar a prestação de serviço público para satisfazer as competências estatais programáticas e de políticas públicas fixadas pela própria Constituição Federal. De outro lado, temos o particular, geralmente pessoa jurídica, com o interesse de satisfazer o objeto da licitação realizada pela Administração Pública e de auferir lucro por meio do contrato administrativo a ser firmado caso vença a licitação.
Qual é o fundamento constitucional das licitações e das contratações públicas no Brasil?
Se por um lado, como visto anteriormente, a Constituição Federal atribui um conjunto imenso de obrigações ao Estado brasileiro, por outro também indica que empresas particulares poderão ser contratadas para auxiliá-lo, determinando que essa contratação será precedida, em regra, por meio de licitação pública.
Há alguns dispositivos sobre licitações públicas na Constituição Federal, que serão tratados detalhadamente ao longo deste módulo.
Materialmente, porém, o fundamento constitucional de maior importância no que diz respeito a esta temática é a previsão do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, que carrega a seguinte redação:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Este dispositivo traz a regra geral aplicável à seleção do particular que celebrará o contrato administrativo com o Estado brasileiro: esta seleção deve ocorrer por intermédio de um processo licitatório, exceto se o caso se enquadrar em alguma exceção prevista na lei.
Por ora, é suficiente conhecer a existência deste dispositivo, que representa o fundamento constitucional das licitações públicas no Brasil. A sua análise detalhada será realizada mais adiante.
Qual é o propósito das licitações e das contratações públicas no Brasil?
A partir dos esclarecimentos acima, é possível concluir que as contratações públicas, viabilizadas em regra pelo processo de licitação pública, têm um duplo propósito.
Pelo prisma do Estado brasileiro, a contratação pública é o meio devido pelo qual as competências atribuídas a si pela Constituição Federal podem ser efetivadas quando houver a necessidade de auxílio da iniciativa privada para tanto. O propósito da contratação pública e da licitação, por este ângulo, é o de que a Administração obtenha a maior vantagem econômica, com segurança jurídica, no que tange à execução de contrato que tenha por objeto a satisfação de uma ou mais de suas competências constitucionalmente fixadas. Busca-se, com a licitação, a melhor contratação possível, para que a Administração obtenha adequadamente o objeto contratual, com a qualidade esperada e por um preço justo.
É importante mencionar que, em algumas situações, em razão de objetivos igualmente relevantes estabelecidos pela Constituição Federal, o Estado brasileiro poderá buscar a promoção do desenvolvimento sustentável por intermédio de suas licitações públicas, conferindo benefícios competitivos, por exemplo, a determinada categoria de particulares, como as microempresas e empresas de pequeno porte (MEs e EPPs). Ou seja, interessa ao Estado brasileiro que as MEs e EPPs se desenvolvam e, por isso, elas recebem vantagens e benefícios nas licitações públicas.
Pelo prisma do livre mercado e da iniciativa privada, o propósito da contratação pública e da licitação é o de conferir segurança jurídica ao particular que queira participar do certame e seja qualificado para tanto, promovendo e assegurando que a contratação pública, ressalvadas as hipóteses previstas em lei, ocorra por meio de um processo que respeite a isonomia e possibilite as mesmas oportunidades aos participantes, interessados em oferecer bens, serviços ou obras ao Poder Público, ou ainda aos que tenham a pretensão de adquirir bens deste.
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Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/contratacoes-publicas/
[1] FERRAZ, Luciano de Araújo. Comentário ao artigo 37, XXI. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.