Direito Administrativo

Pandemia de Coronavírus & Responsabilidade Civil do Estado

Resumo: A responsabilidade civil do Estado notoriamente guiada pela tese objetivista nos deixa a vislumbrar futuras demandas indenizatórias em face da má-gestão governamental diante da crise sanitária promovida pela pandemia de Covid-19.

Palavras-Chave: Responsabilidade Civil. Constituição Federal Brasileira de 1988. Dano Patrimonial. Dano Extrapatrimonial. Dano existencial. Perda de uma chance. Lucros Cessantes.

É provável que a responsabilidade civil seja um dos temas mais recorrentes no Poder Judiciário e, por isso, tanto a doutrina como a jurisprudência vêm preenchendo as lacunas principalmente em face de céleres mudanças na sociedade.

A globalização e intensa velocidade no tráfico de informação e, ainda, a democratização do acesso à justiça, bem como o incremento ao consumismo que traçou novo perfil social, o que trouxe maior complexidade para as relações sociais e às relações jurisdicionais, o que veio acarretar naturalmente maior volume de demandas, majorando ipso facto a possibilidade de erros judiciais[1].

A responsabilidade do Estado evoluiu da total irresponsabilidade até a responsabilidade objetiva, havendo até os dias presentes um dissenso quanto à sua aplicabilidade por danos causados pelo Estado.

Em tempos de pandemia de Covid-19 há possíveis danos em razão do deficiente atendimento da saúde pública, a falta de leitos em UTI com respiradores, bem como a falta de insumos como medicamentos, ou a falta de equipamentos de proteção individual (EPI) para os profissionais de saúde[2]; A falta de atendimento de medidas judiciais urgentes ou liminares[3] para o devido atendimento do paciente e, principalmente quando o pior acontece, vindo o paciente ir a óbito e submetido a um sumário enterro em face de Covid-19 e, ainda para evitar possível contágio.

Há outros casos em que a Declaração de Óbito[4] onde consta suspeita de Covid-19 o que pode vir a impedir o recebimento de seguro de vida[5] por seus beneficiários[6].

Passaremos a um breve histórico que narra a trajetória evolutiva da responsabilidade civil do Estado. Inicialmente existiu uma fase de completa irresponsabilidade, passando por um período onde predominou a noção civilista de responsabilidade, até ser inserida aos conceitos publicistas de responsabilização.

A irresponsabilidade do Estado compreendeu o momento em que vigoravam os regimes absolutistas em que o Rei detinha o poder supremo derivado de Deus e, por essa razão, não se poderia admitir sua responsabilização diante de eventos danosos causados e, sendo insuscetível, portanto, de qualquer controle.

Numa fase posterior, destacou-se a noção civilista de responsabilização, em que o autor deveria provar o funcionário[7] ou agente público[8] agiu com culpa ou dolo. Nessa fase, haveria uma separação de atividades estatais em atos de império e atos de gestão.

Afinal, naqueles o Estado estaria manifestando a vontade pública, devendo ser rechaçada a sua responsabilização, por estar conforme a vontade comum. Já nos atos de gestão, o Estado atuaria como um particular, devendo responder pelos danos suportados pelos indivíduos quando fosse verificada a culpa do agente público causador do dano.

Era evidente a desvantagem da posição da vítima que tinha o ônus de provar a culpa do agente público[9], o que resultou em inúmeras situações de irressarcibilidade.

Uma vez constatada a inadequação da teoria civilista para responsabilizar o Estado, a questão passou a ser tratada em nível do direito público. Trata-se de fase publicista e da coletivização dos prejuízos, tendo relevo no tema, a noção de solidariedade social, visto que toda a sociedade usufrui dos bônus dos serviços prestados, nada mais justo que sejam divididos entre todos os ônus de eventual prejuízo sofrido.

A responsabilidade passou a ser objetiva fulcrada no nexo de causalidade entre o dano e o fundamento do serviço público[10]. Percebe-se que a noção antes centralizada na culpa passou a ser substituída pelo de nexo de causalidade entre a ação ou omissão do serviço público e o prejuízo produzido pelo jurisdicionado, prescindindo a verificação de seu regular e irregular funcionamento.

Dando-se a inversão do ônus da prova[11] de sorte que caberá ao Estado demonstrar a culpa exclusiva da vítima, ou de terceiro de força maior. Ante a inexistência de alguma das excludentes, subsiste a responsabilidade estatal.

Sublinhe-se a inexistência de lei específica regulamentadora da responsabilização por erro judiciário. Porém, vige o princípio geral do direito que prevê o dever de reparar o dano causado a outrem, pois o texto constitucional vigente determina a responsabilidade direta e objetiva do Estado pela atuação lesiva de seus agentes.

Antes o erro judiciário nem a tese de independência dos magistrados não possui solidez suficiente para afastar a responsabilização estatal.

A responsabilidade por atividade judiciária não priva o julgador da livre apreciação das provas, nem limita sua liberdade de consciência, possibilitando a liberdade de escolha sobre o conteúdo da decisão, desde que motivada e devidamente amparada nos limites preconizados pelo ordenamento jurídico vigente.

Conclui-se, ipso facto, que a responsabilidade pública não constitui óbice ou mesmo freio à Administração Pública.

A responsabilidade do Estado Contemporâneo segue a tripartição dos poderes e, cada um destes possui uma função precípua, não se pode conceber que Executivo, Legislativo ou Judiciário[12] cause danos ao administrado sem haver a respectiva obrigação de indenizar, ainda que no desempenho de atividades estranhas a sua função precípua.

O comportamento unilateral comissivo ou omissivo do Estado, seja legítimo ou ilegítimo, pode causar danos à pessoa e a seu patrimônio. Eis o motivo porque o Estado deve recompor os prejuízos patrimoniais ou extrapatrimoniais ocasionados aos administrandos.

A responsabilidade do Estado é consequência lógica e inevitável da noção do Estado de Direito, onde se reconhece a sujeição de todos ao ordenamento jurídico vigente.

O artigo 37, §6º CF/1988 atribuiu ao Estado a responsabilidade objetiva pode danos causados por seus agentes, restando o direito de regresso quando se verificar a culpa ou dolo.

Já o Código Civil brasileiro vigente prevê em seu artigo 927 in litteris: “Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.

Destaque-se que o §6º do artigo 37 do texto constitucional brasileiro vigente não se aplica às pessoas jurídicas de direito público, mas também as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

O Estado responde, então, de forma subsidiária e não solidária[13], a não ser por falha de escolha ou de fiscalização de concessionária ou permissionária tenha sido a causa imediata do evento causador do dano.

O texto constitucional só contempla atos comissivos e, por isso, alguns doutrinadores sustentam que por atos omissivos a responsabilidade é subjetiva[14].

No entanto, a jurisprudência pátria não faz distinção, tendo o STF decidido que a atividade administrativa a que se refere ao preceito constitucional abrange tanto a conduta comissiva como a omissiva, desde que a omissão seja a causa direta e imediata do dano.

A responsabilização do Estado pode ocorrer em face a pandemia de Covid-19 a saber, pelos seguintes motivos: falta de exames para confirmação ou não da diagnose de Covid-19; falta de capital humano capacitado para realizar exames e demais procedimentos na terapia dos contaminados; falta de vagas para internação de pacientes em estado gravo em UTI equipada por respiradores; falta ou falhas de políticas públicas de saúde no combate de Covid-19, de proteção aos vulneráveis, particularmente os idosos e os portadores de comorbidades que os tornem mais sensíveis à dita virose; falha ou exame enganoso que atribuiu ao infectado ou paciente morto a contaminação pelo coronavírus, quando na contraprova se confirmar a ausência da referida contaminação; a falta de EPIs para os profissionais de saúde e de medicamentos necessários para terapêutica da virose, e, por vezes, até falta de pagamento de salários em face da intermediação das O.S. (Organizações Sociais); conduta de gestores contra as medidas sanitárias; falta de informações sobre o número total de infectados, de óbitos e recuperados; falta de amparo do Instituto de Previdência Social sobre o auxílio-doença e demais benefícios previdenciários de dependentes de falecidos; prejuízo de ordem educacional pela falta de cumprimento da carga horária mínima anual (oitocentas horas) e pala ausência de critérios para conversão de aulas presenciais em aulas virtuais; falta de estrutura mínima para alunos e professores para a provisão e manutenção de aulas virtuais; falta de material didático impresso e entregue aos alunos e, a falta de merenda ou cesta básica substitutiva aos alunos da rede pública.

Evidentemente que o rol acima apesar de grande, é de caráter meramente exemplificativo.

Quanto à proteção aos danos não-patrimoniais a tendência mundial aponta o aumento de proteção de interesses imateriais da pessoa humana, não abrangendo apenas os danos morais propriamente ditos, mas principalmente todo e qualquer dano não-patrimonial que seja juridicamente relevante ao livre desenvolvimento da personalidade humana tal como é o direito à integridade física, estética, e as atividades realizadoras da pessoa que tornem plena a existência humana.

Além do dano emergente e do lucro cessante, a doutrina de diversos países, vem reconhecendo o direito à reparação pela perda de uma chance[15], quando for séria e real.

E, o diferencial está na probabilidade e, não na certeza do resultado aguardado. Já os lucros cessantes na qual o juízo quanto ao dano é de certeza, pois o evento danoso existiu materialmente. O juízo de probabilidade adstringe-se à qualificação de quanto à vítima deixará de perceber em decorrência deste.

No caso de indenização por perda de uma chance, há incerteza quanto ao fato supostamente danoso em si. O juízo de probabilidade diz respeito ao evento sem i. O mesmo argumento pode ser usado para distingui-la da hipótese de dano emergente, em que o dano é real e quantificado.

A indenização por perda de uma chance tampouco pode ser confundida com uma indenização de natureza moral, embora seja possível que gere também um dano desta natureza.

A perda de oportunidade concreta prejudica o próprio patrimônio da vítima e não apenas seus atributos da personalidade. A perda de uma chance situa-se numa zona intermediária entre o dano patrimonial, facilmente mensurável e o dano extrapatrimonial que precisa ser arbitrado por atingir bens valiosos, mas não comercializáveis.

Apesar de que essa chance não possua valor econômico preciso, é possível chegar ao seu valor a partir do que seria auferido se a oportunidade não houvesse sido prejudicada por outrem e, o objetivo fosse plenamente alcançado.

Especificamente quanto aos danos patrimoniais, duas categoriais se sobressaem em razão de suas semelhanças e dificuldades de distinção na prática: os lucros cessantes e a perda de uma chance. O lucro cessante é o dano que se caracteriza pelas consequências futuras, reduzindo ganhos e impedindo a aferição de lucros. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já julgou vários processos sobre o tema.

Recentemente, no julgamento do Recurso Especial 1.190.180 definiu os lucros cessantes como “aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor”.

Neste diapasão, é importante não confundir os lucros cessantes com eventuais lucros hipotéticos, sem nenhuma relação concreta de causalidade entre o dano e a impossibilidade de aferir um lucro que seria muito provável em condições normais.

Embora tenha certa semelhança, a perda de uma chance é modalidade de dano patrimonial distinta dos lucros cessantes. Quando a conduta de alguém provoca o desaparecimento da probabilidade de um evento que resultaria em um ganho futuro para quem foi lesado, caracteriza-se a perda de uma chance. Nesta categoria é importante verificar se efetivamente existia uma chance. Significando: se a pessoa lesada pela conduta do outro tinha real probabilidade de obter lucro ou evitar uma perda.

Conforme lição de Sérgio Cavalieri Filho, “é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou se não passaria de mera possibilidade aleatória”.

Foi bastante ilustrativa a decisão do STJ que reduziu a indenização devida pelo SBT por frustrar a chance de uma candidata ao Show do Milhão de vencer o prêmio máximo de um milhão de reais, apresentando uma pergunta mal formulada. A decisão final fixou em cento e vinte e cinco mil reais, partindo dos pressupostos de que não have como se afirmar categoricamente que a candidata acertaria o questionamento final de um milhão de reais, caso a questão fosse corretamente formulada. Fixou a quantia com base em probabilidade matemática de acerto de uma questão que continha quatro itens como optativas.

Fosse uma hipótese de dano material, o valor da indenização teria que corresponde ao total do prejuízo. Fosse uma hipótese dano extrapatrimonial, o valor em questão seria imensurável e, seria atribuído pelo julgador a partir de critérios que não se podem afastar dos mais comezinhos princípios do bom senso.

No contexto do contrato de trabalho são inúmeros os exemplos de indenização por perda de uma chance, passíveis de identificação, como a exclusão do empregado do mercado de trabalho ou de fornecimento de informações desabonadoras do empregador, a impossibilidade de conclusão de concurso público em razão de acidente por culpa do empregador e, ainda, a perda de oportunidade de o empregador potencializar seus ganhos em face de empregado em posição de destaque (gerência, diretoria) haver se desligado sem cumprir aviso prévio.

O dano material e o dano moral eventualmente podem ser cumulados. Com relação a fixação do quantum de indenização do dano existencial, considerando a dimensão do dano e a capacidade patrimonial do lesante.

Para surtir um efeito pedagógico e econômico deve representar considerável acréscimo em despesas da empresa, desestimulando a reincidência, mas que preserve a sua saúde econômica.

Para avaliar o dano existencial deve-se apreciar a injustiça do dano e, poderá ser até considerado como ilícito, deve se considerar a situação presente e ainda os atos realizados do projeto de vida e a situação futura com a qual deverá resignar-se a pessoa; a razoabilidade do projeto de vida.

Somente uma frustração injusta de projetos razoáveis (dentro de lógica presente e perspectiva de futuro) caracteriza o dano existencial. É indispensável que o dano injusto tenha frustrado e comprometido a realização de projeto de vida (importando em renúncias diárias e sucessivas) que agora tem de ser reprogramado com as limitações impostas pelo dano produzido.

São inúmeras ações que abordam a pandemia como causa argumentativa nos mais variados temas, e os tribunais têm se posicionado em certos temas, como:

Tema: Danos morais.

Desembargador alerta sobre o risco de banalizar o dano moral em face da pandemia ao relativizar o dano:

“(…) Este voto foi elaborado em pleno cerco sanitário – quarentena – provocado pela pandemia da doença covid-19. O Poder Judiciário, nesta difícil fase existencial da humanidade, precisa rever não só o conceito de dano moral, construído com excesso de voluntarismo nas últimas décadas, mas, também, os valores fixados em alguns casos. Não é justo nem é razoável impor ou manter condenações por dano moral para qualquer átimo de sensibilidade. Negócios são atividades da vida cotidiana e inadimplência contratual não gera, como regra, dano moral. 5. Haverá, como decorrência desta pandemia, um aumento exponencial dos litígios por inadimplência contratual e não só. O Poder Judiciário, como nunca, será chamado para impedir que o coronavírus transforme a sociedade em uma barbárie. É preciso conter o ânimo de se ganhar reparação econômica por qualquer desconforto, por qualquer desvio de tempo útil, por qualquer intolerância.

E quando for cabível e inafastável a reparação, os valores deverão ser fixados de maneira razoável, proporcional, parcimoniosa, considerando, também, o contexto da economia brasileira e mundial e não os valores sem critérios dos pedidos que chegam aos Juízes.” (TJDFT, Acórdão n.1246280, 07018205320198070009, Relator(a): DIAULAS COSTA RIBEIRO, 8ª Turma Cível, Julgado em: 29/04/2020, Publicado em: 13/05/2020)

Tema: Suspensão de atividades comerciais.

Ao negar pedido para um estabelecimento comercial voltar às atividades, o Desembargador reforça posicionamento do STF que proferiu entendimento de que o município pode estabelecer restrição e suspensão das atividades comerciais:

“Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF) é assegurado aos governos estaduais, distrital e municipal, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios, a competência para a adoção ou manutenção de medidas restritivas durante a pandemia da Covid-19. ADPF nº 672. 2 – No âmbito do Município de Alfenas, o Decreto Municipal nº 2.531/2020, que dispõe sobre funcionamento especial de estabelecimentos Comerciais, estabeleceu em seu art. 2º, §7º, que a partir de 24 de março de 2020, os hotéis, motéis e pousadas ficarão com seus alvarás de funcionamento suspensos. 3 – O município pode estabelecer restrição e suspensão das atividades comerciais, culturais, sociais e de ensino em situações de emergência pública, cuja atribuição decorre do poder de polícia municipal. 4 – Não constitui abuso de poder a restrição ao funcionamento do comércio imposta pela Municipalidade, em caso de pandemia, a fim de resguardar a vida e a saúde dos munícipes. 5 – Recurso provido.” (TJ-MG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.035632-7/001, Relator(a): Des.(a) Sandra Fonseca, julgamento em 12/05/2020, publicação da súmula em 13/05/2020)

Tema: Serviços essenciais.

Serviços essenciais devem permanecer em funcionamento:

Agravo de instrumento. Mandado de Segurança. Posto de combustíveis e serviços. Pretensão de manutenção do estabelecimento em funcionamento, por período integral, durante a pandemia ocasionada pelo coronavírus – COVID 19. Medida liminar indeferida. Hipótese na qual o impetrante não se insurge diretamente contra a lei em tese, mas busca que seu estabelecimento não sofra os efeitos de sua aplicação. Inaplicabilidade da Súmula 266 do STF. Essencialidade do produto. Fumus boni iuris e periculum in mora demonstrados. Decisão reformada. Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2070788-10.2020.8.26.0000; Relator (a): Paola Lorena; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro de Embu das Artes – 2ª Vara Judicial; Data do Julgamento: 11/05/2020; Data de Registro: 11/05/2020).

Tema: Despejo[16]

Decisão suspende ordem de despejo durante a pandemia:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. ADJUDICAÇÃO DE BEM IMÓVEL PENHORADO. PANDEMIA COVID-19. FATO NOVO. Decisão monocrática que indeferiu pedido de concessão de efeito suspensivo. Deve ser obstada a expedição de mandado de imissão na posse, ante a Pandemia COVID-19, em imóvel penhorado nos autos de ação indenizatória que reside pessoa idosa desprovida de outra moradia, sem prejuízo da expedição da carta de adjudicação.

A posse deve ser prestigiada enquanto direito autônomo em relação à propriedade, especialmente em um contexto de pandemia e quando em jogo os direitos fundamentais à moradia e saúde de pessoa idosa, consagrando-se a função social da posse, elevando a um plano concreto a cláusula geral de tutela da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), bem como seus substratos, ou seja, liberdade, igualdade, solidariedade e integridade psicofísica (art. 3º da CF), assim como os direitos fundamentais e sociais à moradia e à saúde (art. 6º da CF).

Proteção integral da pessoa idosa (art. 2º do Estatuto do Idoso). Habitabilidade e segurança jurídica da posse enquanto requisitos de uma moradia adequada.

A moradia é fator ambiental que mais frequentemente associa-se às condições favoráveis à transmissão de doenças em análises epidemiológicas, significando que, as condições inadequadas e deficientes de moradia e de vida são invariavelmente associadas às taxas mais elevadas de mortalidade e morbidade.

Inteligência do Comentário Geral nº 4 do Comitê do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Indivisibilidade e interdependência dos Direitos Civis e Políticos, dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e dos Direitos de Solidariedade e Fraternidade.

Eficácia horizontal dos direitos fundamentais[17]. Recurso parcialmente provido, para obstar a expedição de mandado de imissão na posse, enquanto perdurar a situação de crise, permitindo-se, todavia, qualquer ato de transferência do domínio e desde que em observância à Resolução 313 do CNJ e ao Provimento CSM N° 2549/2020. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP; Agravo Interno Cível 2044946-28.2020.8.26.0000; Relator (a): Alfredo Attié; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba – 2ª. Vara Cível; Data de Registro: 13/05/2020)

Ação de despejo por falta de pagamento – Decisão que suspendeu, por ora, a eficácia da liminar de despejo, em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus – As circunstâncias do caso determinam a necessidade de suspensão do cumprimento da liminar, em razão da calamidade pública decretada pelo Governo Federal decorrente da pandemia – Decisão mantida – Agravo não provido, com observação. (TJSP; Agravo de Instrumento 2081160-18.2020.8.26.0000; Relator (a): Silvia Rocha; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas – 7ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 12/05/2020; Data de Registro: 12/05/2020)

Tema: Suspensão do processo.

A simples alegação da pandemia não permite a suspensão deliberada do processo:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – Contradição – Inexistência – Não configuração de qualquer das hipóteses previstas em lei (art. 1.022 do CPC) para justificar a oposição do recurso – Fixação do termo inicial dos juros de mora incidentes sobre o valor da indenização dos danos morais, em caso de responsabilidade contratual, a contar da data da citação – Jurisprudência do C. STJ no mesmo sentido do acórdão hostilizado – Pretensão à suspensão do processo, com fulcro no art. 313, VI, do CPC que não comporta acolhimento –

Hipótese em que a pandemia pelo novo coronavírus não oferece obstáculo para o julgamento do processo, que tramita soba a forma digital e conta com acórdão prolatado – Pretensão à redução do valor da indenização dos danos morais, em razão da aludida pandemia, que não se sustenta, porquanto fixado em observância da razoabilidade, sendo ainda descabida sua exteriorização por intermédio desta via recursal – EMBARGOS REJEITADOS.* (TJSP; Embargos de Declaração Cível 1072813-38.2019.8.26.0100; Relator (a): Heraldo de Oliveira; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 31ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/05/2020; Data de Registro: 12/05/2020)

Tema: Perturbação do sossego[18]

Demonstrada a violação do sossego e quebra das regras da quarentena, TJ determina proibição de aglomerações e barulhos excessivos de vizinho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO EM EDIFÍCIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA REQUERIDA PARA QUE O RÉU SE ABSTENHA DE PRODUZIR RUÍDOS EXCESSIVOS, PERTURBANDO O SOSSEGO E A PAZ DOS DEMAIS MORADORES, BEM COMO DE PROMOVER FESTAS OU QUALQUER OUTRO TIPO DE REUNIÃO DE PESSOAS EM SUA UNIDADE AUTÔNOMA, A FIM DE SER EVITAR CONTÁGIO PELO COVID-19. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA CAUTELAR. PROBABILIDADE DO DIREITO INVOCADO E PERIGO PELA DEMORA EVIDENCIADOS (“FUMUS BONI JURIS” E “PERICULUM IN MORA“). INTELIGÊNCIA DO ART. 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC). DECISÃO DE INDEFERIMENTO REFORMADA. RECURSO PROVIDO. Existe documentação farta demonstrando o comportamento totalmente reprovável do agravado, indo não contra apenas às normas condominiais, mas, também, determinações dos órgãos públicos.

Neste momento, o isolamento social imposto para contenção do contágio do COVID-19 deve ser priorizado. A violação do sossego dos vizinhos no período que, a todos, deve ser garantida a possibilidade do merecido descanso é incontroverso.

Os outros condôminos têm sido obrigados a suportar, em várias ocasiões, grande incômodo proveniente dos ruídos excessivos. O trânsito de pessoas pelo condomínio, bem como a aglomeração, só faz aumentar o risco de contágio por COVID-19 dos moradores. Presente, assim, a verossimilhança das alegações da agravante (fumus boni juris).

Ademais, inexiste perigo de irreversibilidade da medida. Basta que não pratique as condutas elencadas, que não suportará o pagamento de multa. (TJSP; Agravo de Instrumento 2081051-04.2020.8.26.0000; Relator (a): Adilson de Araújo; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas – 6ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 12/05/2020; Data de Registro: 12/05/2020)

Tema: Suspensão de Tributos.

Por ausência de lei específica, o Judiciário nega pedido de moratória tributária:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. Pleito para suspensão do pagamento de tributos estaduais durante a pandemia do COVID-19. Não cabimento. Estado que necessita de recursos para enfrentar a pandemia. Medidas provisórias editadas pelo governo federal que autorizam a negociação entre empregadores e empregados. Teoria da imprevisão inaplicável às relações tributárias e fiscais. Concessão da moratória que deve ser de iniciativa do Estado. Moratória que depende de expressa edição de lei, nos termos do art.152, parágrafo único do CTN.

Decisão pela Eg. Presidência desta Corte suspendendo todas as liminares que haviam sido concedidas para suspensão do pagamento de tributos (proc. nº 2066138-17.2020.8.26.0000). Decisão mantida. Recurso improvido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2073911-16.2020.8.26.0000; Relator (a): Claudio Augusto Pedrassi; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 12/05/2020; Data de Registro: 12/05/2020)

Tema: Corte de luz[19].

TJ determina que concessionária de energia elétrica mantenha o fornecimento do serviço durante toda pandemia:

Ação declaratória de suspensão da exigibilidade de cobrança de energia elétrica – Tutela de urgência deferida, em parte, apenas para obstar a agravada de promover a interrupção do fornecimento de energia elétrica, por inadimplemento quanto ao pagamento das faturas que compreenderem o período de 90 dias, a partir da edição da Resolução nº 878/2020 da ANEEL, publicada 25/03/2020 – Situação de calamidade pública atinente à pandemia de coronavírus (COVID-19) – Princípio da Preservação da Empresa – Agravo provido, em parte. (TJSP; Agravo de Instrumento 2069088-96.2020.8.26.0000; Relator (a): Gil Coelho; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mogi Mirim – 1ª Vara; Data do Julgamento: 06/05/2020; Data de Registro: 06/05/2020)

Tema: Revisão de Aluguel.

Em busca do reequilíbrio contratual, evidenciado o impacto no faturamento em decorrência da pandemia, TJ mantém decisão que suspende aluguel e determina o parcelamento das da diferença:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente – Reconhecido estado de calamidade pública em decorrência da pandemia do coronavírus – Autorizadas medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública, dentre as quais a quarentena – Suspensão de consumo em restaurantes – Impacto no faturamento – Vencimento de aluguéis – Em tese, possível o reequilíbrio da obrigação pelo julgador – Presentes elementos que evidenciam a probabilidade do direito –

Além disso, demonstrado o risco de dano de perecimento do direito antes da citação – Concessão liminar – Hipótese para o diferimento do contraditório – Decisão passível de revisão diante da tramitação de projeto de lei no Congresso Nacional que institui regime jurídico emergencial e transitório das relações de direito privado e que altera a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, dispondo sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes, enquanto durar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, permitindo suspensão similar do pagamento de aluguel e autorizando o parcelamento da diferença. Agravo parcialmente provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2073789-03.2020.8.26.0000; Relator (a): Sá Moreira de Oliveira; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 33ª Vara Cível; Data de Registro: 04/05/2020). (In: https://modeloinicial.com.br/artigos/303/covid-veja-como-tribunais-estao-decidindo-sobre-tema).

E, em sentido contrário, alguns contratos que já garantiram alguma parcela de concessão não tiveram o pedido de revisional deferido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Locação em shopping center. Suspensão das atividades em decorrência da pandemia do novo COVID-19. Tutela de urgência para suspender a cobrança dos aluguéis e demais encargos. Pedido indeferido pelo juízo a quo. Ausentes os requisitos do art. 300 do CPC. Agravada que suspendeu a cobrança de 50% do aluguel, reduziu 20% das despesas de condomínio e isentou a cobrança do fundo de promoção. Não se desconhece os prejuízos de todos os lojistas e demais comerciantes em decorrência da suspensão das atividades comerciais determinadas pelas autoridades competentes.

Recorrida que já adotou algumas medidas para restabelecer o reequilíbrio contratual. Agravada que também tem o compromisso de arcar com os salários de seus funcionários e colaboradores. Decisão mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2060555-51.2020.8.26.0000; Relator (a): Carmen Lucia da Silva; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mogi Guaçu – 2ª V. CÍVEL; Data de Registro: 12/05/2020)

Tema: Prisão Domiciliar[20]

Inúmeras são as decisões no âmbito penal permitindo a prisão domiciliar nos casos em que evidenciado o risco de contágio e baixa periculosidade do Réu:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DISCUSSÃO ACERCA DO BINÔMIO ALIMENTAR. DESCABIMENTO. PRISÃO CIVIL. CABIMENTO. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE CUMPRIMENTO EM REGIME DOMICILIAR. PANDEMIA. COVID-19. ART. 6º DA RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020, EM 17 DE MARÇO DE 2020, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Consoante entendimento jurisprudencial, em processo de execução de alimentos, descabe a discussão acerca do binômio necessidade-possibilidade, devendo essa questão ser apreciada em demanda própria – ação revisional ou ação exoneratória de alimentos -, em processo de conhecimento. Caso em que a cobrança está amparada em título executivo líquido, certo e exigível, bem como foram observadas as formalidades legais. Por outro lado, não demonstrado pelo executado fato novo, superveniente, grave e excepcional, que justifique o inadimplemento momentâneo, involuntário e absoluto do encargo alimentar. Dessa forma, preenchidos os requisitos, cabível o decreto de prisão civil, nos termos do art. 528, § 7º, do CPC.

Contudo, em razão da pandemia causada pela COVID-19, excepcionalmente, fica autorizado o cumprimento da prisão civil em regime domiciliar. Precedente do STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (TJ-RS; Agravo de Instrumento, Nº 70083031377, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Afif Jorge Simões Neto, Julgado em: 28-04-2020)

Tema: Alimentos

Permitida a suspensão da execução de alimentos por 120 dias motivada pela pandemia:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALIMENTOS. Despacho decretou a prisão civil do executado agravante pelo prazo de trinta dias. Irresignação do executado. Acolhimento parcial. Suspensão da execução por 120 dias em razão da pandemia por coronavírus ou, caso a situação de pandemia se estabilize, poderá haver deliberação ao prudente critério do MM Juiz de Primeiro Grau. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2051576-03.2020.8.26.0000; Relator (a): Silvia Maria Facchina Esposito Martinez; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 11ª Vara da Família e Sucessões; Data de Registro: 29/04/2020)

Tema: Manutenção do Débito

TJ não suspendeu cobrança de dívida em face da pandemia, preservando o direito do credor:

Tutela de urgência em caráter antecedente – Indeferimento do pedido de sustação do protesto ou de suspensão de seus efeitos – Duplicata mercantil – Caso em que não estão presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida pleiteada – Agravante que admite o débito – Fato de as atividades comerciais da agravante terem sofrido “paralisação/adequação” por força de todo o contexto ocasionado pela pandemia do “coronavírus” que não a desobriga do pagamento de seus débitos –

Prorrogação do prazo de vencimento do título que somente pode ocorrer por meio de negociação entre as partes, ou seja, com a aquiescência do credor – Inviabilidade da outorga liminar da tutela requerida – Agravo desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2066193-65.2020.8.26.0000; Relator (a): José Marcos Marrone; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itaquaquecetuba – 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 26/04/2020; Data de Registro: 26/04/2020)

Tema: cirurgias

TJ mantém decisão que negou pedido de realização de procedimentos médicos e cirurgias não urgentes:

Agravo de instrumento. Tutela antecipada. Decisão que indeferiu pleito liminar da autora para compelir a operadora ré a autorizar e custear cirurgias reparadoras pós-bariátricas. Inconformismo da requerente. Não acolhimento. Não demonstrada situação de efetiva urgência. Intervenção bariátrica ocorrida há cerca de 2 anos. Situação fática, ainda que desconfortável física e psiquicamente à autora, não é recente nem enseja receio de dano iminente e de difícil ou impossível reparação.

Excepcionalidade da atual crise sanitária decorrente da pandemia do coronavírus COVID-19 que deve ser considerada, atentando-se principalmente às recomendações de distanciamento social para redução da velocidade de propagação da moléstia e de postergação de procedimentos cirúrgicos eletivos que envolvam hospitalização. Indeferimento da tutela antecipada que deve ser mantido. Recurso não provido (TJSP; Agravo de Instrumento 2273971-39.2019.8.26.0000; Relator (a): Maria de Lourdes Lopez Gil; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I – Santana – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/04/2020; Data de Registro: 30/04/2020).

Esse modesto texto conclui que em razão da pandemia e da falta de gestão adequada de todos os entes da federação brasileira haverá muitas demandas indenizatórias para buscar o devido ressarcimento em face da Pandemia de Covid-19.

Referências:

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 14ª edição. São Paulo: Atlas, 2020.

DE FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano L.; EHRARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio. Código Civil Para Concursos. Doutrina, Jurisprudência e Questões de Concursos. 5ª questão. Salvador: JusPodvm, 2017.

ROSENVALD, Nelson; MILAGRES, Marcelo. Responsabilidade Civil. Novas Tendências. São Paulo: Editora Foco, 2017.

TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil. Volume Único. São Paulo: Método, 2018.

_____________. Função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007. (Coleção Prof. Rubens Limongi França, v.2.).



[1] O erro judiciário surge a partir de má subsunção do comportamento à norma em vigor à época do fato, assim como um erro de perspectiva e/ou falsa percepção dos fatos que, em muitos casos, tem consequências graves para o jurisdicionado. Trata-se de erro judiciário, a manifestação viciada do Estado, por meio de um seu órgão-juiz, ressoando seus efeitos quer na esfera penal, quer na esfera civil, pois não há negar que uma ordem de despejo forçado, equivocada, eivada de nulidade, também promova uma série de prejuízos àquele que foi despejado por erro judiciário. Na verdade existem duas formas de reparar o erro judiciário, na primeira quando essa reparação ocorre em tempo e impede que os efeitos do vício de manifestação sejam emanados e, na segunda forma, pela indenização, reparação incompleta , pois não restitui tudo o que foi perdido pelo erro, traduzida pela simples resposta pecuniária do Estado pelo vício de seus órgãos. A indenização por erro judiciário penal está vinculada à Revisão Criminal e prevista também no art. 630 do Código de Processo Penal, determinando que o Tribunal reconhecerá o direito à indenização, desde que requerido pelo prejudicado.

[2] O EPI é necessário porque é um dos dispositivos de segurança que existem para a proteção individual diante de uma atividade de risco e sendo o último recurso a ser acionado diante de outras possibilidades de proteção coletiva que não se tem possibilidade em um determinado ambiente de trabalho. E no setor saúde, por constituir-se de uma série de riscos, sejam eles biológicos, químicos, físicos, ergonômicos, mecânicos ou psicossociais, deve-se ter o cuidado e garantia para a segurança no exercício da atividade desse profissional e o EPI se faz necessário. Estudos de várias partes do mundo evidenciam que os profissionais de saúde são alvo de adoecimentos constantes decorrentes de seu trabalho, com casos de estresse, fadiga por compaixão, síndrome de Burnout, doenças osteomusculares, cardiovasculares, metabólicas, depressão e outras de ordem psíquica, incluindo o suicídio. O fato não é novo: existem evidências científicas da realidade desses trabalhadores e a situação da pandemia tende a agravar e intensificar a situação. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 10% dos profissionais adoecem em decorrência de seu exercício profissional nessa pandemia. Mas verificamos que, em países como Itália, Espanha e Portugal, esse quantitativo foi maior, e pôde variar de 12 a 20% dos profissionais de saúde. Em um levantamento recente realizado no Rio de Janeiro, foi evidenciado que 25% dos profissionais de saúde estavam contaminados pela COVID-19. No Estado do Espírito Santo, cresce exponencialmente, de maneira progressiva, a cada dia, o número de profissionais contaminados. Esse é um dado muito grave, pois quem irá cuidar desses profissionais? Que garantia terão diante de seu futuro? Quem substituirá essa mão de obra? Quais os fatores dos processos de trabalho que vêm potencializando a disseminação da contaminação nesses profissionais? Nenhum profissional substituto consegue manter a mesma organização do processo de trabalho como o anterior. Demora um tempo considerável para que de fato a substituição de um profissional não acarrete prejuízo ao cuidado a ser prestado a uma pessoa doente, e em especial, dessa doença, e a uma organização institucional. Desse modo, trava-se aí, também, um grande problema na gestão do trabalho em saúde e um grande desafio para quem está nessa coordenação dos serviços de saúde: o de manter a qualidade da assistência aos usuários do serviço daquele serviço. In: LUCIANO, Luzimar dos Santos; MASSARONI, Leila. A falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e para além deles: a emergência do trabalho dos profissionais de saúde. Disponível em: http://coronavirus.ufes.br/conteudo/falta-de-equipamentos-de-protecao-individual-epis-e-para-alem-deles-emergencia-do-trabalho Acesso em 22.07.2020).

[3] Todavia, a desobediência à ordem judicial é crime comum, tipificado no artigo 330 do Código Penal, e quanto à sua consumação, os juízes de direito que não estão lotados numa vara criminal muitas vezes deixam de analisar o evento com o rigor necessário, mesmo diante de notórios atos de descumprimento.

[4] O atestado de óbito, também conhecido como declaração de óbito, é feito por um médico, ainda que a morte não tenha ocorrido dentro de um hospital. Já a certidão de óbito é um documento emitido pelo cartório de registro civil das pessoas naturais e só pode ser obtida com o atestado de óbito. A Declaração de Óbito é um documento fornecido pelo médico, atestando a causa da morte. Já a certidão de óbito é concedida exclusivamente pelo cartório após a família apresentar os documentos exigidos. 1 – O prazo limite para a Certidão de Óbito é de 15 dias; 2 – Somente poderá se dirigir ao cartório como declarante de óbito: pai, mãe, filho ou filha ou cônjuge do falecido; 3 – O título de eleitor deve ser o atual, não valendo o modelo antigo que apresente a fotografia do eleitor. OBS: Existe a possibilidade de alguns cartórios exigirem a apresentação de outros documentos como Carteira Profissional, PIS/PASEP, e etc.

[5] Porém, para que a Covid-19 passasse a ser coberta nas apólices, as seguradoras precisaram rever as condições gerais do produto. Isso acontece porque pandemias são consideradas riscos excluídos. Ou seja, que não possuem cobertura pelo seguro. Dessa forma, a partir do momento em que a OMS atribuiu o status de pandemia ao coronavírus no dia 11 de março, as seguradoras não seriam obrigadas a ter cobertura para situações como morte causada pela Covid-19. No entanto, entendendo que se trata de um momento totalmente novo no mundo, em que as pessoas precisam mais do que nunca de amparo para si mesmas e seus familiares, a maioria das empresas passou a cobrir coronavírus no Seguro de Vida. Tendo em vista a Pandemia do Covid-19 e ocorrendo o óbito do segurado em decorrência dessa doença, poderão surgir diversas discussões no âmbito do Poder Judiciário diante de eventual negativa de cobertura com fulcro na disposição contida na Circular SUSEP n. 440, de 27 de junho de 2012, que dispõe sobre regras infralegais complementares para o seguro de pessoas, na forma do art. 36, b, do Decreto-Lei n. 73, de 21 de novembro de 1966, estabelecendo no seu art. 12, “d” a exclusão do risco em casos de epidemia ou pandemia declarada por órgão competente. Como medida para evitar que familiares fiquem desamparados em decorrência de fatalidades causadas pela covid-19, o senador Randolfe Rodrigues apresentou o Projeto de Lei (PL) 890/20 que inclui na cobertura de seguros de vida óbitos decorrentes de epidemias ou pandemias.

[6] O normal é que estas apólices de seguro não tenham cobertura para pandemia. Isso porque o risco desses cenários costuma ser alto. Mas, diante da comoção atual, algumas seguradoras entenderam que se trata de um momento excepcional e as pessoas precisam mais do que nunca de amparo. A não inclusão de pandemias no pagamento de seguros de vida ocorre devido ao fato de que esse tipo de produto tem como objetivo cobrir riscos que são previsíveis. As apólices são precificadas e os prêmios cobrados com base nessa previsibilidade. “Pandemias, catástrofes naturais, guerras, são geralmente excluídas das linhas de coberturas”, explica Guilherme Bini. Uma das empresas que mudou sua política foi a BB Seguros, que informou que pagará indenizações em caso de morte decorrente de infecção pelo novo coronavírus, conforme os valores previstos nas apólices de seguros de vida. Segundo a seguradora, a definição se sobrepõe à cláusula contratual de exclusão de pandemia, em caráter excepcional, visando minimizar os impactos à sociedade. In: Seguros passam a incluir coronavírus em contratos. Jornal do Comércio – Jornal de economia e negócios do ES. Disponível em:  https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/especiais/coronavirus/2020/04/733017-seguros-passam-a-incluir-coronavirus-em-contratos.html Acesso em 22.07.2020)

[7] O conceito de funcionário público se faz presente no Código Penal brasileiro em seu artigo 327 e parágrafos, exige do intérprete uma série de conhecimentos prévios, sob pena de se incorrer em reducionismos ou antinomias jurídicas gerando decisões judiciais em desconformidade com o ordenamento jurídico. Ao tratar dos crimes praticados contra a administração pública o Código Penal brasileiro traz um conceito legal de funcionário público cuja aplicação se estende a toda legislação penal, não somente aos dispositivos próprios daquele código. Dentro da clássica classificação das espécies de lei penal (preceptivas, explicativas, permissivas e finais) o artigo 327 do Código Penal será classificado como uma lei explicativa, “Explicativas – sua função é a de explicar algum conceito com reflexos, muita vez, na própria tipicidade. É o exemplo o conceito de funcionário público, trazido pelo art. 327 C.P. A Constituição Federal de 1.988 não emprega a expressão “funcionário público”, trazendo ora o termo “servidor público” (v.g. art. 37, VI, da Constituição Federal), ora o termo “agente público” (v.g. art. 37, §6º, da Constituição Federal). É o que explica Maria Sylvia Di Pietro.

[8] A expressão “agente público” também é encontrada no art. 2º da Lei 8.429 de 2 de Junho de 1992 – Lei da Improbidade Administrativa- que dispõe que “ reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.

[9] São abrangidos pelo conceito: – Os servidores titulares de cargo público efetivo, submetidos a regime estatutário, a teor do art. 39 da Constituição Federal; – Os servidores temporários, contratados nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal; -Os empregados públicos, expressão que designa os agentes com vínculo celetista com a Administração Pública, atuantes em regra nas empresas estatais; -Os agentes políticos, exercentes de mandato eletivo (vereadores, deputados federais, deputados estaduais, senadores, prefeitos, governadores e presidente da república) ou de cargo de natureza eminentemente política, como secretários municipais, secretários estaduais e ministros de estado; -Os agentes honoríficos, que sãos os particulares requisitados para prestarem colaboração ao Estado em atividades de caráter público, usualmente de forma temporária e gratuita, como mesários eleitorais e jurados, -Os delegatários de serviço público, englobando os permissionários e concessionários, que prestam serviço público por delegação do Estado; -Os agentes credenciados, que são particulares incumbidos de representar o Estado em determinado ato ou atividade específica.

[10] Hely Lopes Meirelles define que “Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado”. Segundo os ensinamentos da Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, serviço público é “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.” (Direito Administrativo, Editora Atlas, 20ª edição, pág. 90).

[11] A inversão do ônus da prova surgiu bem antes do surgimento do CDC. Moacyr Amaral Santos demonstrou que o ônus probante, ao analisar a prova prima facie, nascida no início do século XX, na Alemanha, repercutindo na Itália e, teve esta definição de Pistolese, in litteris: “Prova prima facie, ou prova de primeira aparência (Beweis des ersten Auschein), é a que facilita a formação da convicção judicial, permitindo extrair a prova necessária dos princípios práticos da vida e da experiência daquilo que geralmente acontece de acordo com o normal andamento das coisas.”. A inversão do ônus da prova nas ações decorrente de relações de consumo consiste em importante inovação jurídica, permitindo a concretização da prestação jurisdicional eficaz, na medida em que proporciona ao consumidor situação de razoável equilíbrio face ao fornecedor, que se encontra em posição de vantagem sobre aquele.

[12] Em 15.04.2020 o STF decidiu por unanimidade que os Estados e Municípios têm autonomia para regulamentar medidas de isolamento social. A MP 926/20 – editada para combater a crise do coronavírus – não afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, DF e municípios em termos de saúde. Assim decidiu o plenário do STF ao referendar decisão monocrática do ministro Marco Aurélio em ação ajuizada pelo partido PDT. Processo: ADIn 6.341

[13] “A responsabilidade solidária é aquela em que o credor, ele pode exigir de um ou de todos os devedores ao mesmo tempo a completude da obrigação devida, do débito devido. A responsabilidade subsidiária é aquela que o ordenamento jurídico impõe ao credor o respeito ao benefício de ordem dos devedores.

[14] Portanto, a responsabilidade subjetiva se dará quando o causador de determinado ato ilícito atingir este resultado em razão do dolo ou da culpa em sua conduta, sendo obrigado a indenizar do dano causado apenas caso se consume sua responsabilidade. Exemplo clássico: será em um acidente de ônibus, onde o motorista do veículo será compelido a indenizar dos prejuízos caso seja provada a vontade de praticar aquele ato (dolo) ou ainda que haja a presença de negligencia, imprudência ou imperícia (culpa).

Já na responsabilidade objetiva, o dever de indenizar se dará independente da comprovação de dolo ou culpa, bastando que fique configurado o nexo causal daquela atividade com o objetivo atingido. A responsabilidade objetiva é presente na maioria das relações previstas no código de defesa do consumidor, e novamente utilizando o universo do exemplo anterior, podemos definir que no mesmo acidente de ônibus, a empresa responsável pelo transporte responderá de forma objetiva pelos transtornos causados, justamente pela relação empresa-cliente ser prevista no código consumerista.

[15] A teoria da perda da chance ou perda de uma chance, adotada em responsabilidade civil, considera que aquele que, intencionalmente ou não, retira de outra pessoa a oportunidade de um dado benefício, responde por isso. Tem sido muito utilizada na aferição da responsabilidade civil dos profissionais liberais.

[16] O presidente Jair Bolsonaro vetou parcialmente o Projeto de Lei nº 1179/2020, que proibia o despejo de inquilinos que não pagassem o aluguel durante a pandemia de coronavírus.

[17] Enquanto a eficácia vertical é a aplicação dos direitos fundamentais nas relações particular-Estado, a eficácia horizontal é a aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares.

[18] O presidente Jair Bolsonaro vetou um trecho do PL nº 1179/2020 aprovado no Congresso Nacional que, dentre outras medidas, concedia aos síndicos o poder de proibir festas e restringir o acesso a áreas dentro dos condomínios durante a pandemia de coronavírus. O Presidente publicou ontem (11/06/2020), em suas redes sociais, o veto de alguns artigos do Projeto de Lei 1.179/2020, que já virou Lei 14.010/2020, conforme publicação no Diário Oficial da União e já está em vigor.

[19] Ao decidir, o presidente do TJ-RJ acentuou a constitucionalidade formal da lei, tendo em vista a competência do Poder Legislativo estadual para legislar sobre a matéria. E citou precedente do Supremo Tribunal Federal, que na ADI 5.961 manteve a constitucionalidade de dispositivos da Lei 14.040/2003, do Paraná, que trata da proibição de suspensão do fornecimento de serviços públicos por inadimplemento durante determinados períodos. O caso foi julgado em 2018. “Embora a interrupção do serviço de energia constitua, em princípio, exercício regular de direito, o corte do fornecimento de serviços essenciais deve ser evitado durante o prazo de 90 dias, assinalado tanto na Resolução da Aneel quanto na Lei Estadual 8.769 de 2020, em homenagem aos princípios constitucionais da intangibilidade da dignidade da pessoa humana e da garantia à saúde e à vida”, decidiu o magistrado. Vide proc. 0022076-18-2020.8.19.0000

[20] A substituição da prisão preventiva por domiciliar deferida a Fabrício Queiroz e a sua esposa, Márcia de Oliveira Aguiar, foi única e exclusivamente baseada na presença de agravos à saúde e pertencimento a grupo de risco e, por questão de justiça, deve ser estendida a todas as pessoas privadas de liberdade no sistema penitenciário nacional que cumpram os mesmos requisitos. O HC foi concedido levando em conta as condições pessoais de saúde de Queiroz, que se enquadram naquelas que a Recomendação 62/2020, do CNJ, sugere de não recolhimento a presídio em face da situação extraordinária da pandemia.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Pandemia de Coronavírus & Responsabilidade Civil do Estado. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/pandemia-de-coronavirus-a-responsabilidade-civil-do-estado/ Acesso em: 07 nov. 2024