Direito Administrativo

O recurso contra decisão do pregoeiro no pregão eletrônico tem efeito suspensivo?

O recurso contra decisão do pregoeiro no pregão eletrônico tem efeito suspensivo?

 

 

Thiago Cássio d´Ávila Araújo*

 

 

Dispõe o inciso XVIII do art. 11 do anexo I, do Decreto nº 3.555/00, que regulamenta o pregão presencial:  

 

“Art. 11. A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

XVIII – o recurso contra decisão do pregoeiro não terá efeito suspensivo;”  

 

Em razão deste dispositivo legal, inúmeros editais de pregão eletrônico trazem cláusula editalícia estipulando que os recursos interpostos contra decisões do pregoeiro não possuem efeito suspensivo.   

 

Discordo deste entendimento, no que toca à aplicabilidade deste dispositivo legal ao edital de licitação por pregão eletrônico. É que o Decreto nº 3.555/00, assim entendo, com pessoal respeito às opiniões em sentido contrário, não se aplica às licitações na modalidade pregão na forma eletrônica. O próprio Decreto nº 3.555/00 reza:  

 

“Art. 3º Os contratos celebrados pela União, para a aquisição de bens e serviços comuns, serão precedidos, prioritariamente, de licitação pública na modalidade de pregão, que se destina a garantir, por meio de disputa justa entre os interessados, a compra mais econômica, segura e eficiente.

§1º Dependerá de regulamentação específica a utilização de recursos eletrônicos ou de tecnologia da informação para a realização de licitação na modalidade de pregão.” (grifei)  

 

É bom lembrar que o Decreto nº 3.555/00 foi editado em 08/08/2000, regulamentando a Medida Provisória nº 2.026, de 04/05/2000, ou, para ser mais preciso, regulamentando a edição nº 2.026-3 da Medida Provisória do Pregão, que é de 28 de julho de 2000. Porém, devemos nos pautar por direito mais novo, que é a Lei Federal nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que é resultado da conversão em lei da MPV nº 2.182-18, de 2001. Tal Lei Federal é silente sobre os efeitos em que deve ser recebido o recurso contra decisão do pregoeiro, e manda aplicar (art. 9º) subsidiariamente a Lei Federal nº 8.666/93. Além disso, o próprio Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005, que regulamenta atualmente o pregão eletrônico, também é silente sobre os efeitos em que deva ser recebido o recurso contra decisão do Pregoeiro, no pregão eletrônico. Desta maneira, só me é possível concluir pela necessidade de conferir-se ao recurso o efeito suspensivo de que trata a Lei Federal nº 8.666/93, art. 109, §2º.   

Voltando à questão acima posta sobre a inaplicabilidade do Decreto nº 3.555/00 (que regulamenta pregões presenciais) aos pregões eletrônicos, lembro que, anteriormente ao Decreto nº 5.450/05, o pregão eletrônico era disciplinado pelo Decreto nº 3.697/00 (que regulamentava o parágrafo único do art. 2º da Medida Provisória nº 2.026-7, de 23 de novembro de 2000, que tratava do pregão por meio da utilização de recursos de tecnologia da informação). Observe-se que o Decreto nº 3.697/00 dispunha, expressamente, pela aplicação subsidiária do Decreto nº 3.555/00 aos pregões eletrônicos, nos seguintes termos:     

 

“Art. 14. Aplicam-se, no que couber, as disposições do Decreto nº 3.555, de 8 de agosto de 2000.”  

 

Todavia, o Decreto nº 3.697/00, a toda evidência, foi expressamente revogado pelo art. 33 do Decreto nº 5.450/05 e, a ler-se toda a redação do Decreto nº 5.450/05, vê-se a absoluta ausência de qualquer determinação no sentido de aplicação subsidiária do Decreto nº 3.555/05 ao pregão eletrônico. Ora, se expressamente revogado o Decreto nº 3.697/00 pelo art. 33 do Decreto nº 5.450/05, e a considerar-se a ausência de determinação, pelo Decreto nº 5.450/05, de aplicação subsidiária do Decreto nº 3.555/00 ao pregão eletrônico, parece-me óbvio que a vontade externada pelo Exmo. Sr. Presidente da República deu-se no sentido de que pregão presencial seja regido pelo Decreto nº 3.555/00, e pregão eletrônico seja regido pelo Decreto nº 5.450/00, sem subsidiariedade de aplicação do Decreto nº 3.555/00. Assim, não procede invocar-se o disposto no inciso XVIII do art. 11 do anexo I, do Decreto nº 3.555/00, para pregão eletrônico.   

 

Pensamento de idêntico teor manifesta o ilustre Professor Joel de Menezes Niehbur, quando escreve:   

 

“Sob esse contexto, o art. 14 do revogado Decreto Federal nº 3.697/00 determinava: ‘Aplicam-se, no que couber, as disposições do Decreto nº 3.555, de 8 de agosto de 2000’. O supracitado artigo 14, então, demandava espécie de aplicação subsidiária do Decreto Federal  nº 3.555/00 em relação ao Decreto Federal nº 3.697/00. Isto é, no que coubesse, nas situações em que as normas do Decreto Federal nº 3.555/00 não fossem incompatíveis com as normas do Decreto Federal nº 3.697/00, as mesmas deveriam ser aplicadas para o pregão eletrônico. Inclusive, dispositivos do Decreto Federal nº 3.697/00 veiculavam referências expressas a dispositivos do Decreto Federal nº 3.555/00, como ocorria no art. 5º, no caput do artigo 7º e no seu inciso XXII e no artigo 10.

Acontece que o novo Decreto Federal sobre pregão eletrônico, de nº 5.450/05, que substituiu o Decreto Federal nº 3.697/00, não reproduz a norma do artigo 14 do antigo Decreto nem prescreve outra de caráter análogo. Dessa maneira, conclui-se que o Presidente da República pretendeu afastar a aplicação subsidiária do Decreto Federal nº 3.555/00 em relação ao Decreto Federal nº 5.450/05, que versa sobre o pregão eletrônico.” (Pregão Presencial e Eletrônico, Curitiba: Zênite, 2006, p. 299 – Grifei)   

 

Mais à frente, em sua obra, em relação à classificação de bens e serviços comuns do Decreto nº 3.555/00, o Professor Niebuhr acabará por dizer que tal classificação é aplicável ao pregão eletrônico (págs. 300-302), porém por outros motivos que ali sustenta, que não dizem respeito à nossa fundamentação.

   

Preciso lembrar ainda que a própria tramitação do pregão eletrônico descrita no Decreto nº 5.450/2005 conduz à interpretação de que o recurso tem, sim, efeito suspensivo. Veja-se este dispositivo:  

 

“Art. 26. Declarado o vencedor, qualquer licitante poderá, durante a sessão pública, de forma imediata e motivada, em campo próprio do sistema, manifestar sua intenção de recorrer, quando lhe será concedido o prazo de três dias para apresentar as razões de recurso, ficando os demais licitantes, desde logo, intimados para, querendo, apresentarem contra-razões em igual prazo, que começará a contar do término do prazo do recorrente, sendo-lhes assegurada vista imediata dos elementos indispensáveis à defesa dos seus interesses.

§1º A falta de manifestação imediata e motivada do licitante quanto à intenção de recorrer, nos termos do caput, importará na decadência desse direito, ficando o pregoeiro autorizado a adjudicar o objeto ao licitante declarado vencedor.” (Grifei)  

 

Parece-me muito claro que a redação do Decreto nº 5.450/05 só permite ao Pregoeiro adjudicar o objeto ao licitante vencedor se não forem interpostos quaisquer recursos, ou, melhor ainda, se não houver qualquer manifestação de intenção de recorrer, o que sugere que, havendo manifestação imediata e motivada do licitante quanto à intenção de recorrer, a licitação deve ser suspensa, pois não pode haver adjudicação pelo Pregoeiro. Esta é, na verdade, uma norma jurídica que, se bem interpretada, demonstra que o Decreto nº 5.450/05 de alguma maneira, ainda que por interpretação teleológica, prevê efeito suspensivo aos recursos hierárquicos.   

 

Observe-se, ademais, que pela redação do Decreto nº 5.450/05, cabe à autoridade competente para julgar o recurso contra a decisão do pregoeiro a atribuição de adjudicar o objeto ao licitante vencedor. Veja-se:   

 

“Art. 8º À autoridade competente, de acordo com as atribuições previstas no regimento ou estatuto do órgão ou da entidade, cabe:

IV – decidir os recursos contra atos do pregoeiro quando este mantiver sua decisão;

V – adjudicar o objeto da licitação, quando houver recurso;” (Grifei)   

 

Sou sabedor, como já apontei acima, de que é praxe nos editais de licitação por pregão eletrônico estipular-se que o recurso não tem efeito suspensivo. A questão é que esta determinação não encontra amparo, no caso de pregão eletrônico, em nenhuma norma legal.

  

Ora, se o próprio Decreto nº 3.555/00 se rege como inaplicável às licitações por pregão eletrônico; se o Decreto nº 5.450/05, que regulamenta o pregão eletrônico, é omisso a respeito dos efeitos em que se deva receber o recurso contra decisão do pregoeiro, e não manda aplicar o Decreto nº 3.555/00 e, além disso, dá a entender pela existência de efeito suspensivo pela redação de seu art. 26, §1º c/c art. 8º, IV e V, acima já transcritos; se é patente que a adjudicação do objeto da licitação ao vencedor só ocorre após julgamento dos recursos, quando houver (e, neste caso, pela autoridade recursal, não pelo Pregoeiro) ¾ enfim, tudo isso considerado, só posso entender que, na omissão também da Lei Federal nº 10.520/05 sobre os efeitos em que devam ser recebidos os recursos, por força do art. 9º desta mesma Lei Federal, deve ser aplicada subsidiariamente a Lei Federal nº 8.666/93, precisamente o §2º do art. 109, que ordena que recursos sobre habilitação ou inabilitação do licitante e julgamento das propostas sejam recebidos no efeito suspensivo.   

 

Assim, salvo melhor juízo, rejeito a invocação do inciso XVIII do art. 11 do anexo I, do Decreto nº 3.555/00, para editais de pregão eletrônico, pela fundamentação acima. Pelo que demonstrado, aplicaríamos direito velho, o revogado art. 14 do Decreto nº 3.697/00, se trouxéssemos às atuais licitações por pregão eletrônico o inciso XVIII do art. 11 do anexo I, do Decreto nº 3.555/00.   

 

Considero ainda, e admito, a existência de votos de Ministros do Tribunal de Contas da União no sentido de que os recursos contra decisões do Pregoeiro não teriam efeito suspensivo, em razão de aplicabilidade, ao pregão eletrônico, do Decreto nº 3.555/00. Neste sentido, podem ser conferidos os votos dos Ministros Relatores dos seguintes Acórdãos: TCU: Acórdão nº 3.528/2007 – Primeira Câmara; TCU: Acórdão nº 1.475/2008 – Plenário. Porém, com evidente respeito, ouso discordar dos Doutos Ministros da Egrégia Corte de Contas, pois este entendimento jurisprudencial me parece muito mais um resquício do art. 14 do Decreto nº 3.697/00 do que a melhor aplicação do direito atualmente vigente.   

 

A impressão que tenho é de que em razão da redação do art. 14 do antigo Decreto nº 3.697/00, o TCU construiu jurisprudência no sentido de inexistência de efeito suspensivo ao recurso contra decisão do Pregoeiro no pregão eletrônico, tendo tal entendimento continuado a ser professado mesmo após a edição do Decreto nº 5.450/05, merecendo, com todas as vênias e salvo melhor juízo, ser atualizado o entendimento jurisprudencial do TCU.   

 

Defendo o entendimento de que a Lei Federal nº 8.666/93 aplica-se subsidiariamente à hipótese ora estudada, comungando dos ensinamentos do Professor Joel de Menezes Niebuhr, que magistralmente escreve:  

 

“O inciso XXI do artigo 4º da Lei nº 10.520/02 assinala que ‘decididos os recursos, a autoridade competente fará a adjudicação do objeto da licitação ao licitante vencedor’. Veja-se, portanto, que, antes de decidir o recurso, a autoridade competente não pode dar continuidade à licitação, não pode proceder à adjudicação. Por isso conclui-se que os recursos administrativos interpostos nas licitações regidas pela modalidade pregão têm efeito suspensivo, isto é, impedem que se dê continuidade ao processo de licitação enquanto não se decidir sobre eles. Ora, a próxima fase do procedimento, que é a adjudicação, repita-se, não pode ser levada a cabo se os eventuais recursos não forem decididos.

Se não fosse por isso, a Lei nº 8.666/93 deveria ser aplicada subsidiariamente ao pregão, mais precisamente o §2º do seu artigo 109, que prescreve, justamente, que os recursos contra os atos pertinentes à habilitação e ao julgamento apresentam efeito suspensivo. Soma-se a isso que não haveria o menor sentido em autorizar a continuidade do procedimento licitatório antes da apreciação dos recursos, o que, praticamente, esvaziaria os propósitos deles.” (NIEBUHR, Joel de Menezes, Pregão Presencial e Eletrônico, Curitiba: Zênite, 2006, p. 235 – Grifei).  

 

Assim, percebe-se claramente que também o Professor Joel Niebuhr entende que no pregão eletrônico o recurso tem efeito suspensivo, por aplicação subsidiária do art. 109, §2º.    

 

Aliás, questão interessante a esta discussão jurídica é: qual é a utilidade que existe em não se atribuir efeito suspensivo ao recurso contra a decisão do Pregoeiro? De novo: qual a utilidade? Ora, se houver interposição de recurso e a este for dado provimento pela autoridade competente, serão anulados os atos decisórios do Sr. Pregoeiro fulminados no julgamento em grau recursal administrativo, de maneira que não se atribuir efeito suspensivo aos recursos não traz absolutamente nenhuma vantagem processual de ordem prática que melhor atenda ao interesse público da contratação.

 

A questão da ausência de utilidade de não se atribuir efeito suspensivo ao recurso contra decisões do pregoeiro, de habilitação/inabilitação de licitante e julgamento das propostas, foi também apontada pelo Professor Niehbur no trecho acima citado, parte final, e não passou despercebida ao ilustre Professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, quando escreveu:    

“5.5 Efeitos do recurso.

Tradicionalmente os efeitos do recurso são suspensivo e devolutivo. Suspensivo quando, como o próprio nome indica, suspende a decisão da qual se recorre; devolutivo porque devolve a autoridade que decidiu ou a seu superior o inteiro conhecimento da matéria. Todo o recurso tem o efeito devolutivo.

Ao tempo da regulamentação pelo Decreto o recurso não tinha efeito suspensivo. Com o advento da Lei nº 10.520/2002, a questão ficou sem disciplinamento, merecendo o melhor entendimento no sentido de se atribuir efeito suspensivo à decisão.

Fundamenta-se essa interpretação no fato de que não há utilidade em se dar seguimento a ato cujo exame de mérito pode alterar a sua substância. Excepcionalmente, em tese, quando há nítido intuito protelatório.” (In: Sistema de Registro de Preços e Pregão Presencial e Eletrônico. Belo Horizonte: Fórum, 3ª Ed., 2008, p. 607 – Grifei)  

 

Tenho ainda a companhia do eminente Professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP, Doutor Diógenes Gasparini, que em artigo publicado ainda no ano de 2004 ¾ e, portanto, antes mesmo da edição do Decreto nº 5.450/05, num momento em que era vigente o art. 14 do Decreto nº 3.697/00, que dispunha, expressamente, pela aplicação subsidiária do Decreto nº 3.555/00 aos pregões eletrônicos¾, assim se manifestou:  

 

O recurso hierárquico interposto tem os efeitos devolutivo e suspensivo, ainda que a Lei do Pregão nesse particular seja omissa. O devolutivo, por ser da natureza de qualquer recurso, e o suspensivo, porque a adjudicação e a homologação somente ocorrerão após seu julgamento. Assim também será nos casos em que pelo recurso hierárquico é requerida a anulação de certos atos do procedimento do pregão, pois até esse momento o pregoeiro não pode prosseguir, vez que não sabe quais os que serão anulados e, por conseguinte, os que deverão ser refeitos.” (GASPARINI, Diógenes. Recursos na licitação e no pregão. Revista Zênite ILC – Informativo de Licitações e Contratos, Ano XI, nº 124, junho, 2004, p. 501-513 – Grifos no original).  

 

Ressalto que em momento algum este artigo se baseia na tese jurídica largamente conhecida de ilegalidade do conteúdo normativo disposto no inciso XVIII do art. 11 do anexo I, do Decreto nº 3.555/00, porque teria regulamentado algo não previsto na Medida Provisória que pretendia regulamentar, ou seja, exatamente a questão da ausência, ou não, de efeito suspensivo ao recurso contra decisão do Pregoeiro. Não estou a dizer que o Decreto nº 3.555/00, neste ponto, é ilegal. Na verdade, sequer estou entrando no mérito desta discussão. A fundamentação aqui usada, com amplo amparo da melhor doutrina nacional, é outra, já acima exposta: de revogação do art. 14 do Decreto nº 3.697/00, aplicação subsidiária do art. 109, §2º da Lei Federal nº 8.666/93 aos recursos em pregão eletrônico e ausência de utilidade prática em negar-se efeito suspensivo a tais recursos.  

 

Assim, recomendo que os editais de pregão eletrônico passem a conter cláusula prevendo exatamente o oposto da prática atual, no sentido de atribuir-se, por aplicação subsidiária do art. 109, §2º da Lei Federal nº 8.666/93, efeito suspensivo aos recursos contra decisões do Pregoeiro que versem sobre habilitação/inabilitação de licitante e julgamento das propostas, por ser este o melhor direito aplicável.  

 

 

 

* Procurador Federal da Advocacia-Geral da União com experiência em Consultoria Jurídica de Licitações e Contratos Administrativos.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
ARAÚJO, Thiago Cássio d´Ávila. O recurso contra decisão do pregoeiro no pregão eletrônico tem efeito suspensivo?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/o-recurso-contra-decisao-do-pregoeiro-no-pregao-eletronico-tem-efeito-suspensivo/ Acesso em: 30 abr. 2024