Administrative fines in the judicial reorganization and bankruptcy
Resumo
O presente trabalho pretende identificar a aplicação das multas administrativas nos procedimentos de recuperação judicial e falência instituídos pela lei 11.101/05. Como parte dos créditos públicos, buscar-se-á também identificar como as referidas penalidades se relacionam com o crédito tributário nos supracitados procedimentos concursais. Por fim, este artigo apresentará novos instrumentos do direito administrativo sancionador que podem impactar na recuperação das sociedades.
Palavras-chave: multas – crédito – recuperação judicial- falência – sanção – tributo
Abstract
This article intent to identify how the administrative penalty of fine works in the judicial reorganization and bankruptcy. Furthermore, it will explain the relationship between fine and and tax in these situations. Finally, the article will show new ways and devices of state intervention in the judicial reorganization.
Key words: fine – asset – judicial reorganization – bankruptcy – penalty – tax
Sumário: 1 Introdução; 1.1 Natureza jurídica das multas administrativas; 1.2 Relação com o crédito tributário; 2 O crédito público e sua relação com os procedimentos concursais da lei 11.101/05; 2.1 Efeitos na falência; 2.2 Efeitos na recuperação judicial; 2.2.1 Dos créditos de natureza tributária; 2.2.2 Das multas; 3 Novas questões: o avanço do direito administrativo sancionador; 4 Conclusão; 5 Referências bibliográficas.
1. Introdução
1.1 Natureza jurídica das multas administrativas
Trata-se da espécie mais comum das sanções administrativas e possui caráter (i) ressarcitório à administração dos atos de ilegalidade praticados pelos administrados; (ii) intimidador do particular, para que este não realize ou volte a realizar atos que atentem contra o ordenamento jurídico ou que causem lesão à administração pública; e (iii) cominatório, obrigando o particular a ter uma atuação positiva até a satisfação da pretensão, em mecanismo semelhante ao das imposições judiciais.
Uma vez identificada a infração administrativa, a autoridade pública não pode deixar de aplicar a sanção, sendo a multa a mais comum delas. Não há dever discricionário na atuação do agente quanto a necessidade de aplicar ou não à sanção. Em razão do princípio da estrita legalidade do direito administrativo, a aplicação da multa deve estar prevista em lei (lei de improbidade, lei anticorrupção, leis processuais, todas possuem a previsão de aplicação de multa no âmbito administrativo).
1.2 Relação com o crédito tributário
Não há grandes controvérsias na doutrina a respeito da íntima ligação entre o direito administrativo e o tributário. Os próprios autores tributaristas concordam que as normas e princípios dessas áreas do direito encontram-se imbricados já que o direito tributário nada mais é que um sub-ramo do direito administrativo, devendo, portanto, observar suas diretrizes.[1]
Partindo desse cenário macro, não é difícil perceber que as multas administrativas e o crédito tributário possuem uma ligação estreita, sendo ambas, inclusive, cobradas pelo poder público através da ação de execução fiscal, nos termos dos artigos 1º e 2º da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80).[2]
Entretanto, analisando o próprio conceito de tributo através do artigo 3º do CTN, é possível perceber que para o direito posto, esses créditos do poder público não se confundem. A existência de um caráter compulsório, bem como a ausência de caráter sancionador ao tributo são os pontos nodais de diferenciação conceitual entre ambos, veja-se da leitura do artigo 3º do CTN e da doutrina pátria sobre o tema:
Art. 3º do CTN: Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
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3.4.1. Tributo e penalidade não se confundem A cláusula que não constitua sanção de ato ilícito significa que os tributos não se confundem com as penalidades, apesar de ambos terem natureza compulsória, caráter patrimonial, corresponderem a obrigação de dar e consistirem em receitas derivadas. “A ação típica que obriga a multa fiscal tem fundamento diverso da ação típica que origina o tributo. Quanto à multa fiscal, comete-se ação antijurídica contrária à lei; para o tributo, comete-se ação jurídica”. Assim, o tributo corresponde ao dever social do cidadão de contribuir para o Estado com as receitas necessárias à satisfação das necessidades públicas. A penalidade, no entanto, visa apenas sancionar um ilícito, uma ação antijurídica, e por isso o tributo não pode ser empregado como meio para apenar o contribuinte, como, por exemplo, a lei municipal estabelecer um adicional de IPTU para os imóveis não regularizados na repartição administrativa, porque, no caso, ocorre ilícito administrativo que deve ser sancionado por multa administrativa. Desse modo, o mencionado adicional não poderá fazer as vezes de sanção pecuniária de ato ilícito[3]
A multa administrativa, como acima visto, é sanção, ou seja, penalidade por um ato ilícito não fiscal. Sua aplicação aliás, depende de processo administrativo prévio, assegurados a ampla defesa, o contraditório, bem como os demais princípios e regras do direito administrativo.
Já o tributo não pode ser visto à luz do direito posto como sanção, conforme sua própria definição supracitada.
Ocorre que, essa distinção não esgota o tema. Isso porque, em caso de inadimplemento dos particulares frente ao pagamento dos tributos, o poder público pode cobrar multa como ato sancionatório ao inadimplemento do particular. Essa multa, entretanto, não possui os mesmos conceitos das multas administrativas
Como a intenção desse trabalho não é adentrar nos aspectos do direito tributário que regulam essa questão, bem como para fins de estabelecermos um critério diferenciador entre tributos e multas administrativas, sugere-se para fins didáticos o art. 39, §2º da Lei 4.320/64, que estabelece normas gerais de direito financeiro, bem como o art. 4º da Lei 6.830/80 (execuções fiscais) que afirma que a exceção do art. 187 do CTN não se aplica aos créditos não tributários. Veja-se:
Art. 39 § 2º – Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979)
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Art. 4º – A execução fiscal poderá ser promovida contra: § 4º – Aplica-se à Dívida Ativa da Fazenda Pública de natureza não tributária o disposto nos artigos 186 e 188 a 192 do Código Tributário Nacional.
Além disso, importante destacar os pontos convergentes e a distinção dos objetivos de cada uma dessas espécies de crédito público. O quadro comparativo abaixo deixa bem clara essa questão:
Pontos Convergentes |
Objetivos Distintos |
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Por fim, é antiga na jurisprudência pátria a distinção destes tipos de crédito público, conforme acórdão exemplificativo do STF de 1975, bem como precedentes mais recentes do STJ, que afastam as normas do CTN das execuções destinadas à cobrança das multas, verbis:
Multa. Tributo. Responsabilidade do Espólio. Na responsabilidade tributária do Espólio não se compreende a multa imposta ao “de cujus”. Tributo não se confunde com multa, vez que estranha aquele a natureza de sanção presente nesta [4]
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Administrativo e processual civil. Execução fiscal. Cobrança de multa administrativa (por infração à consolidação das leis trabalhistas – CLT). Pretensão de responsabilização do sócio-gerente, com base no art. 135, III, do Código Tributário Nacional – CTN. Impossibilidade. A tese defendida pelo agravante está no mesmo sentido do entendimento desta Corte; porquanto, em razão da natureza jurídica não tributária da multa administrativa, as disposições do Código Tributário Nacional não são aplicadas às execuções destinadas a cobrança de tais créditos. Agravo regimental provido.[5]
Como se vê, não restam dúvidas de que se tratam de institutos absolutamente distintos. Inclusive porque não seria razoável por parte do ente público que as multas fossem contabilizadas no orçamento tal como são os tributos. Admitir tal questão seria simplesmente estimular a administração pública a sancionar os administrados, bem como prever o ilícito como um comportamento normal do homem médio, justamente o que o direito busca impedir.
2. O crédito público e sua relação com os procedimentos concursais da lei 11.101/05:
O decreto lei 960/38, que dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa em todo território nacional, foi o primeiro diploma legal a dar tratamento a essas duas espécies de crédito fazendário que constituem a dívida ativa da fazenda pública no concurso de credores. De acordo com o art. 60 do diploma, “a fazenda, na cobrança da sua dívida ativa, não está sujeita a concurso de credores, nem a habilitação de crédito em falência, concordata ou inventário”. Complementava o § único que a dívida da união prefere qualquer outra em todo o território nacional, e a dos Estados prefere à dos Municípios. Somente entre União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, poderia versar o concurso de preferência.
O cenário político da época ajuda a justificar essa escolha legislativa. Afinal, trata-se do período marcado pelo Estado Novo, no qual Getúlio Vargas governou sem democracia. Natural, portanto, que o poder político tomasse medidas com o objetivo de privilegiar o crédito público em detrimento do crédito privado. Tal privilégio, resulta em uma forte aplicação do que conhecemos hoje como o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, um dos pilares do direito administrativo contemporâneo.
Esse decreto não foi formalmente revogado, entretanto, a partir do decreto lei 7.661/45 (antiga lei de falências) houve uma importante distinção sobre esses créditos. O artigo 23, em que pese ter mantido o tratamento jurídico da norma anterior quanto a exclusão do crédito da fazenda pública, passou a distinguir a multa administrativa do crédito tributário.[6]
Perceba-se que apesar do artigo não fazer referência ao crédito tributário, o caput do dispositivo legal limita a aplicação do Juízo da falência aos credores comerciais ou civis, excluindo, portanto, o crédito da fazenda pública. Já o inciso III, representa uma inovação legislativa ao distinguir a multa administrativa como uma espécie típica de crédito público.
Nesse contexto, o STF editou a súmula 192 em 13/12/1963: “Não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de pena administrativa”
Posteriormente, em 15/12/1976 foi editada a súmula 565, que ratifica a súmula anterior e não deixa dúvidas a respeito da distinção entre a multa fiscal moratória e o crédito tributário: “A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitado em falência”.
Com a promulgação da Lei 11.101/05 (“LFR”), esse regramento foi um pouco alterado e os efeitos desses créditos na recuperação judicial e na falência vem sendo aplicados com distinção. É o que se passa a analisar.
2.1 Efeitos na falência (art. 83 da LFR):
De acordo com o art. 83 da LFR, as multas administrativas e tributárias se submetem ao procedimento falimentar, entretanto, apenas se sobrepõem em ordem de preferência aos créditos subordinados. Uma simples leitura da ordem dos créditos na falência, resolve essa questão. Além disso, os créditos tributários, ainda que gozem de certa preferência, são preteridos parcialmente pelos trabalhistas e pelos créditos com garantia real.[7]
Fica mantida, portanto, a preferência dos tributos em relação às multas (tributárias e administrativas). Por outro lado, fica permitida a habilitação do crédito das multas, mas na penúltima posição da ordem de preferência.
Além disso, importante ressaltar que apesar do crédito tributários gozar decerta preferência no concurso de credores falimentares, a orientação do STJ vem sendo majoritariamente no sentido de que a fazenda pública não tem legitimidade para requerer a falência[8][9], entretanto, tal posição não é consolidada, já tendo o próprio Superior Tribunal decidido em sentido contrário, ainda que tal posicionamento esteja aparentemente superado.[10]
2.2 Efeitos na recuperação judicial
Na recuperação judicial o tratamento concedido aos créditos é absolutamente distinto. Afinal, enquanto na falência busca-se pagar os credores com a alienação dos ativos da massa falida, na recuperação judicial objetiva-se a preservação da pessoa jurídica, de modo que, nessa hipótese, o pagamento desses créditos públicos deve ser analisado à luz da função social da empresa como geradora de empregos e renda, pagadora de tributos, prestadora de serviços públicos, etc.
Por conta dessa distinção, passamos a analisar os créditos públicos na recuperação judicial separadamente, nos subcapítulos seguintes.
2.2.1 Dos créditos de natureza tributária
A primeira ponderação a ser feita a respeito dos créditos de natureza tributária, diz respeito a exigência dos artigos 57 da LFR, 191-A do CTN, no sentido de ser condição para a concessão da recuperação judicial, a apresentação das certidões negativas de débitos tributários, bem como ao disposto no art. 187 da mesma lei complementar. Veja-se:
Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.
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Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei.
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Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.
Considerando o texto legal, parte da doutrina e da jurisprudência corroboram com a aplicação dos dois primeiros dispositivos citados acima, sem maiores ressalvas, conforme se verifica pelo posicionamento do então Juiz da primeira vara empresarial do Rio de Janeiro, Luis Roberto Ayoub em obra famosa:
Condicionou-se a concessão da recuperação, isto é, a homologação judicial do plano de recuperação, à apresentação das certidões negativas de débito tributário, conforme se pode ler tanto no art. 191-A do CTN como no artigo 57 da LRF. Com isso, antes de homologar-se o plano e iniciar-se seu cumprimento, comprova-se a inexistência de passivo tributário passível de ser afetado pelo cumprimento do plano de recuperação.[11]
Entretanto, não é nesse sentido que vem se consolidando a jurisprudência do STJ e da doutrina majoritária sobre o tema. Em diversos acórdãos, a corte vem consolidando entendimento no sentido de ser inexigível certidão de regularidade fiscal para o deferimento da recuperação judicial, enquanto não editada legislação específica que discipline o parcelamento tributário no âmbito do referido regime. Veja-se do exemplo abaixo:
Direito empresarial e tributário. Recurso especial. Recuperação judicial. Exigência de que a empresa recuperanda comprove sua regularidade tributária. Art. 57 da Lei n. 11.101/2005 (LRF) e art. 191-A do Código Tributário Nacional (CTN). Inoperância dos mencionados dispositivos. Inexistência de lei específica a disciplinar o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial. 1. O art. 47 serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. 2. O art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e o art. 191-A do CTN devem ser interpretados à luz das novas diretrizes traçadas pelo legislador para as dívidas tributárias, com vistas, notadamente, à previsão legal de parcelamento do crédito tributário em benefício da empresa em recuperação, que é causa de suspensão da exigibilidade do tributo, nos termos do art. 151, inciso VI, do CTN. 3. O parcelamento tributário é direito da empresa em recuperação judicial que conduz a situação de regularidade fiscal, de modo que eventual descumprimento do que dispõe o art. 57 da LRF só pode ser atribuído, ao menos imediatamente e por ora, à ausência de legislação específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação judicial, não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o legislador, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação. 4. Recurso especial não provido.
Esse entendimento, apesar de aparentemente contrariar o CTN, que por se tratar de lei complementar, suas normas, ao menos teoricamente, se sobrepõem aos dispositivos da Lei 11.101/05, revela-se mais do que razoável e coerente com o princípio da preservação da empresa.
Primeiramente porque não afeta a recuperação do crédito pela fazenda pública, que poderá seguir normalmente na execução fiscal. Em segundo lugar porque as empresas em crise normalmente privilegiam o pagamento de sua força de trabalho, tais como empregados e matéria prima, cuja paralisação inviabilizariam de imediato as atividades empresariais. Em terceiro lugar, porque consiste em meio coercitivo de cobrança das dívidas tributárias, privilegiando seu recebimento em detrimento daqueles que deveriam ser alvo de maior zelo pelo Estado, como os trabalhadores que possuem crédito de natureza alimentar, e suas próprias empresas públicas.
Além disso, a análise desses dispositivos legais, deve ser realizada conjuntamente com os artigos 6º, §7º e 68 da lei 11.101/05 que determinam que na recuperação judicial as execuções fiscais não serão suspensas, salvo em caso de parcelamento, bem como que prevê a possibilidade de parcelamento pelas fazendas públicas e INSS através da edição de lei específica [12] [13]
Em síntese, o que se pode concluir pela análise conjunta dos dispositivos legais acima, bem como da jurisprudência dominante do e. STJ é que a exigência de que sejam apresentadas certidões de regularidade fiscal passa pela necessidade de edição de lei específica que permita o parcelamento previsto no art. 68 da lei 11.101/05.
Alguns Estados já editaram leis específicas nesse sentido (lei 18.132/14 do Paraná e Lei 21.795/15 de Minas Gerais) que serão aplicáveis aos tributos estaduais, entretanto, no âmbito federal, a doutrina vem sustentando que o parcelamento estabelecido pela Lei 13.043/14 (que através de uma ‘concha de retalhos’ incluiu o art. 10-A na lei 10.522/02), foi uma perda de oportunidade do legislador de esgotar o tema e suprir a lacuna definitivamente pois,
(…) é visivelmente insuficiente (prazo de 84 meses), completamente dissociado da realidade empresarial (muito inferior aos parcelamentos usualmente aprovados pelos credores privados ou pelos Programas de Parcelamento de Débitos Federais – REFIS) e de constitucionalidade duvidosa (pois impõe renúncia ao direito fundamental de discutir a legalidade dos tributos).[14]
A Jurisprudência vem igualmente decidindo nesse sentido, conforme se verifica pela descrição da decisão judicial que concedeu recuperação judicial à UTC Participações S.A. (e outros), sendo que nesse caso, a jurisprudência ainda determinou que as Recuperandas apresentassem medidas de saneamento fiscal no prazo de um ano, sob pena de prosseguimento das execuções fiscais com penhora livre de bens em favor do fisco:
(…)
13 – Para a concessão da recuperação judicial, há uma exigência prevista no art. 57 da LRF, que diz respeito à prova de regularidade fiscal. A falta de apresentação de certidão negativa de débito tributário não era considerada óbice para a concessão da recuperação, enquanto não editada a lei específica a disciplinar o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária, prevista no art. 68 da LRF (REsp. 1.187.404/MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial). A legislação editada que previu o parcelamento dos tributos federais para empresas em recuperação impediu o acesso a tal benefício pelos devedores que não renunciaram às suas pretensões judiciais (art. 10, par. 2º., da Lei 10.522, com a redação conferida pela Lei. 13.043/2014), além de ter estabelecido condições mais gravosas do que as previstas em outras normas, como o prazo de 84 meses, e não de 180 ou 240 meses em outros regimes de parcelamento. Ademais, nos termos do art. 6º., par. 7º., da LRF, a concessão da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, autorizando o credor tributário a pleitear a satisfação do seu crédito pelas vias próprias. Ocorre que o STJ tem decidido que medidas de constrição patrimonial na execução fiscal, que impeçam o cumprimento do plano, devem ser afastadas pelo Poder Judiciário, em homenagem à preservação da empresa. O efeito prático disso é que os créditos tributários não são satisfeitos pela via do parcelamento especial nem pela via da execução fiscal, enquanto os créditos privados contemplados no plano são pagos. Devem ser compatibilizados os interesses de todos os envolvidos na situação de crise: o devedor deve ter seu direito à recuperação assegurado, mas os credores também precisam ser satisfeitos, incluindo o Fisco. Não será mais possível dispensar-se o devedor de adotar alguma medida de saneamento fiscal, de modo que as recuperandas deverão, no prazo de 1 ano, apresentar CND ou a adesão a parcelamento previsto em lei geral mais benéfica, sob pena de ser deferido o prosseguimento de execuções fiscais, com penhora livre de bens. 14 – Pelo exposto, com as ressalvas e observações acima mencionadas, concedo a recuperação Judicial à UTC Participações S.A., UTC Engenharia S.A., Constran S.A. – Construções e Comércio, UTC Investimentos S.A., Niterói Reparos Navais Ltda., Mape S.A. Construções e Comércio, UTC Desenvolvimento Imobiliário S.A., Patrimonial Volga S.A., Norteoleum Exploração e Produção S.A., Transmix Engenharia, Indústria e Comércio S.A., Cobrazil S.A. e Cobrena Cia de Reparos Marítimos e Terrestres Ltda. Int.[15]
Por fim, não se pode deixar de consignar que a jurisprudência e a doutrina, vem, ainda que positivamente, alterando o sentido do disposto expressamente pelo art. 68 da lei 11.101/05, para determinar que o parcelamento é um direito do contribuinte, enquanto a referida lei diz em palavras sóbrias ser uma faculdade da fazenda pública a edição de lei específica de parcelamento[16].
Como se vê, diante da ausência de uma regulação legal clara e que encerre qualquer discussão sobre o tema, a doutrina e a jurisprudência vem proferindo entendimentos que nem sempre se completam, como no caso da UTC supracitado, que determinou a apresentação do saneamento fiscal em um ano.
Ou seja, ainda que caminhem no mesmo sentido de preservação da empresa, os entendimentos acima deixam evidente a existência de pontos divergentes que poderiam e deveriam ser sanados pelo legislador. Em casos como esses e quando busca uma sistematização para casos idênticos, é sempre importante recordar das lições de Genaro Carrió em sua famosa obra ‘Principios Juridicos y Positivismo Juridico’, na qual o Autor sustenta que a maioria das discussões jurídicas estariam resolvidas se os contendores se pusessem previamente de acordo quanto ao sentido com que empregam as palavras.
2.2.2 Das multas
A inclusão das multas administrativas na recuperação judicial, não obstante a ausência de previsão legal, vem sendo alvo de precedentes divergentes, ainda que se possa verificar um cenário favorável na jurisprudência no sentido de que esses créditos públicos devem ser cobrados no universo da recuperação judicial.
Em recentes acórdãos, o STJ e o TJSP já se manifestaram pela inclusão desses créditos no procedimento de recuperação, cabendo ao Juízo competente, classifica-lo corretamente na sua classe.
“Processual Civil. Agravo Regimental no Conflito Positivo de Competência. Recuperação Judicial. Ação de Execução de Título Extrajudicial. Montante apurado posteriormente pela ANEEL. Classificação do crédito. Competência do Juízo da Recuperação Judicial.
O Juízo onde se processa a Recuperação Judicial é ao competente para avaliar o caráter concursal ou extrajudicial do crédito objeto de ação de execução proposta em juízo diverso.
Os valores quantificados em procedimento administrativo perante órgão regulador da atividade econômica da empresa, geralmente derivados de obrigações anteriores à data do pedido de recuperação judicial, quando objeto de liquidação, devem ser recebidos dentro do procedimento recuperatório em igualdade com todos aqueles oriundos da mesma espécie.
Com a edição da Lei n. 11.101, de 2005, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial, é competente o respectivo Juízo para prosseguimento dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamentos de credores, que envolvam créditos apurados em outros órgãos, ainda que tenha ocorrido a constrição de bens do devedor. ”[17]
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“Recuperação Judicial. Indeferimento de pedido que os créditos decorrentes das multas administrativas sejam habilitados no processo de recuperação. Multa administrativa aplicada pelo PROCON. Natureza não tributária. Inteligência do artigo 49 da Lei n. 11.101/05. Inaplicabilidade da restrição do artigo 187 do CTN. Possibilidade de prosseguimento da recuperação com habilitação dos créditos do PROCON. Recurso provido. ”[18]
Por outro lado, há decisões excluindo da recuperação judicial o crédito decorrente de penalidade administrativa, ao argumento de que o artigo 29 da LEF, dispõe que a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não se sujeita a qualquer concurso de credores e a concordata preventiva. Veja-se do recente entendimento do TRF da 2ª Região:
“1. Consoante estabelece o art. 1º-A da Lei nº 9.873/99, incluído pela Lei nº 11.941/09, a Administração Pública dispõe do prazo de 5 (cinco) anos para a promoção da ação de execução decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor, contado do término do respectivo processo administrativo. 2. O STJ, no julgamento do Recurso Especial 1.112.577/SP, processado sob o regime do art. 543-C do CPC, fixou o entendimento de que: “em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, quando se torna inadimplente o administrado infrator. Antes disso, e enquanto não se encerrar o processo administrativo de imposição da penalidade, não corre prazo prescricional, porque o crédito ainda não está definitivamente constituído e simplesmente não pode ser cobrado”. 3. Caso concreto em que o auto de infração foi lavrado em 22.01.2006 (fls. 60), de cujo conteúdo a agravante tomou a devida ciência, em agosto de 2006 (fls. 61), sem que, contudo, fosse apresentada a respectiva defesa administrativa (fls. 67). Em 07/04/2009, sobreveio decisão pela aplicação da multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). O infrator obteve ciência da decisão de aplicação da multa em 04/05/2009 (fls. 62). Foi estabelecido o prazo de vencimento para o pagamento da penalidade em 25/05/2009, a partir de quando o devedor foi constituído em mora, passando a fluir os consectários legais (fls. 115). 4. Apenas a partir do respectivo vencimento para pagamento da penalidade, iniciou-se a contagem do prazo prescricional. Dessa forma, considerando a data em que o referido processo administrativo teve termo, bem como a data da propositura da ação de execução em apenso (23/02/2012), a prescrição deve ser afastada, pois não transcorreu o prazo quinquenal legal. 5. A execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública – de natureza tributária ou não tributária – não se submete ao rito da habilitação de crédito previsto na Lei de Recuperação Judicial e Falências. Do mesmo modo, não é afastada a competência do Juízo especializado para processar e julgar a execução fiscal. Artigos 5º e 29 da Lei n.º 6.830/80 e artigo 6º da Lei n.º 11.101/2005. Precedentes desta Turma. 6. Incabível, no caso de improcedência em embargos a execuções fiscais, a condenação do devedor em honorários advocatícios, em virtude de tal condenação ser substituída pelo encargo de 20% do Decreto-lei n. 1.025/69, para que não haja “bis in idem”. 7. Apelação provida para afastar a prescrição. Aplicação da teoria da causa madura. Pedido julgado improcedente.[19]
Seja como for, em importante precedente no caso da recuperação judicial da OI S.A., o TJRJ se manifestou no sentido de incluir os créditos da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) no procedimento concursal[20]. Até a conclusão deste artigo, os recursos especial e extraordinário interpostos pela ANATEL em face deste acórdão com o intuito de que as multas administrativas integrem as regras do crédito tributário para a concessão da recuperação judicial, aguardavam juízo de admissibilidade pelo TJRJ. Esta será uma boa oportunidade para os Tribunais Superiores fixarem um entendimento paradigmático sobre o tema.
3 Novas questões: o avanço do direito administrativo sancionador
O direito administrativo sancionador vem se revelando nos últimos anos um instrumento eficaz de combate aos atos ilícitos praticados por particulares ao erário público, sendo inclusive tratado como ultima ratio em casos complexos com relevante impacto econômico, substituindo o direito penal que não tem se mostrado suficiente quando os atos ilícitos envolvem conglomerados empresariais, muitos deles com poder de influência perante diversos atores da administração pública.
É nesse cenário que vem surgindo novos instrumentos que impactam fortemente nas sanções administrativas e que podem vir a influenciar nos procedimentos concursais. Instrumentos como o acordo de leniência, mecanismos de integridade, autossaneamento, dentre outros, alguns inclusive já positivados no sistema jurídico, vem apresentando novos cenários para o direito administrativo sancionador.
Assim como a lei 11.101/05, esses instrumentos visam a preservação da empresa sancionada, cujas operações poderão prosseguir normalmente após as punições aplicadas, bem como objetivam em determinados casos a atenuação ou até a exclusão das sanções. Diante disso, pode-se verificar através de uma breve análise desses novos institutos, que algumas novas questões poderão impactar no procedimento concursal.
Veja-se, por exemplo, o caso do acordo de leniência no âmbito da Lei 12.846/2013. A denominada lei anticorrupção não confere à multa ali aplicável tratamento diferenciado das demais sanções administrativas. Logo, trata-se de multa administrativa assim como as penalidades estudadas nesse artigo. Por sua vez, o decreto 8.420/2015 que regulamenta a lei, confere ao acordo, natureza de título executivo extrajudicial, nos termos do art. 37, III.[21]
Em caso de não pagamento da multa, ela será encaminhada para inscrição em dívida ativa e execução judicial. A problemática inicia-se quando se passa a analisar outros procedimentos instituídos pela lei anticorrupção e que interferem diretamente na cobrança da multa pelo Estado.
Afinal, ainda que seja celebrado acordo de leniência com o pagamento de multa, o Juiz pode no âmbito da lei anticorrupção determinar a dissolução compulsória da pessoa jurídica, conforme previsto no art. 19, III da lei em questão.
Ora, “de que adianta conceder esses benefícios ao infrator colaborador, se a leniência não impede que o juiz determine sua extinção como pessoa jurídica? ” [22] A questão piora, quando a lei utiliza o termo dissolução, sem se preocupar com as consequências deste ato, como por exemplo, como ocorrerá o concurso de credores, deixando assim uma lacuna evidente no sistema jurídico, ainda que o procedimento falimentar seja um caminho natural.
A lacuna fica ainda maior quando se percebe que de acordo com o art. 13 da lei anticorrupção, em paralelo ao processo administrativo para apuração das infrações, correrá processo administrativo para apuração do dano ao erário, dano este que não se confunde com a aplicação de multa, se tratando de reparação semelhante àquela instituída pela legislação civil.
Nesse sentido, não é demais dizer que quando da celebração do acordo de leniência, a reparação do dano vem sendo indicada pela doutrina mais abalizada sobre o tema como uma condição do acordo, verbis:
O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado. A reparação integral do dano é obrigação que deve ser contemplada no acordo, ainda que se permita o parcelamento em prestações, segundo a capacidade econômica da pessoa jurídica.[23]
O acordo de leniência celebrado no processo administrativo n. 00190.017877/2015, no qual se apurou infrações cometidas pela UTC Engenharia S.A. (e outros) não deixa dúvidas a este respeito ao prever, dentre outras questões, (i) o pagamento de multa administrativa, bem como (ii) o pagamento de indenização à administração pública.
Ocorre que, ainda que o valor da indenização conste no acordo de leniência, bem como constitua título executivo extrajudicial como citado, o acordo é submetido ao Tribunal de Contas competente, por força do art. 71, II da CRFB, para que este órgão instaure procedimento administrativo contra a pessoa jurídica celebrante para apurar o valor real do prejuízo.
Em outros termos: o valor da indenização do acordo de leniência não é líquido e certo, podendo ser revista pelo Tribunal de Contas competente. A doutrina mais abalizada sobre o tema, não deixa dúvidas a este respeito:
Ainda assim, haverá remessa do acordo ao Tribunal de Contas competente, com fundamento no inciso II do art. 71, para que aquele órgão instaure procedimento administrativo contra a pessoa jurídica celebrante para apurar prejuízo ao erário, quando entender que o valor acordado a título de reparação não é suficiente[24]
Além disso, a indenização possui natureza jurídica distinta da multa, sendo uma medida de natureza cível e não administrativa. Ou seja, ao analisarmos a sujeição da indenização ao procedimento de recuperação judicial ou falência, não se deve aplicar o mesmo regramento das multas administrativas, mas sim das indenizações.
Portanto, bem como considerando que a jurisprudência brasileira ainda é insuficiente para que se possa verificar um posicionamento sobre esse tema, tenho que a questão da ratificação pelo Tribunal de Contas competente deve ser observada quando do arrolamento do crédito no procedimento concursal.
De todo modo, considerando a natureza do crédito, ao que parece, o valor da indenização estabelecido no acordo de leniência deve se sujeitar ao procedimento concursal como crédito quirografário, sendo passível de retificação caso alterado pelo Tribunal de Contas, tal como são os valores dos créditos estabelecidos pelos julgamentos das impugnações após a homologação do quadro de credores.
Mas não para por aí. A questão dos limites da intervenção estatal e das penalidades é um tema em ebulição no direito administrativo sancionador, que tradicionalmente, ao invés de aplicar sanções que não coloquem em risco a função social da empresa, tem se valido de um desconexo sistema de órgãos de controle, que atuam sem qualquer imbricamento e acabam por perpetrar em diversas oportunidades um processo kafkaniano para as pessoas jurídicas que se estabelecem no Brasil[25] [26].
4 Conclusão:
Ainda que se tratem de institutos distintos, conforme visto no decorrer deste trabalho, não me parece congruente a existência de tratamentos completamente desarmônicos para esses tipos de crédito público no procedimento concursal, devendo ambos caminharem juntos, com vistas a permitir a recuperação da empresa ou o melhor aproveitamento possível dos recursos na falência.
Em primeiro lugar por uma questão de ideia do direito posto como sistema. Logo, sendo o direito tributário uma subárea do direito administrativo, conforme exposto no início desse trabalho, bem como considerando que o pensamento sistemático do direito “permite a recondução da multiplicidade normativa a alguns poucos princípios como denominadores comuns que ensejam perspectiva unitária àquela pluralidade de prescrições jurídicas”[27], não há porque haver tratamentos dissonantes e sem qualquer conexão para esses créditos.
Em segundo lugar, porque no direito brasileiro, o direito administrativo, da onde provém o direito tributário, é norteado por um regime jurídico que consiste em “uma relação lógica de concorrência e unidade compondo um sistema ou regime”, que se configura como “ponto nuclear de convergência e articulação de todos os princípios e normas de direito administrativo”.[28]
Ora, se as normas que compõem a ordem jurídica brasileira não constituem prescrições isoladas, desconectadas uma das outras, é inegável que as regras das cobranças de natureza administrativa, devem nortear as regras das cobranças do crédito tributário, ainda que se admita que a questão tributária tenha tomado uma relevância social maior em razão dos impactos que esse crédito público possui no dia a dia das pessoas físicas e jurídicas.
Infelizmente, não é isso que tem se observado nos regramentos acima, onde o legislador inicia o tratamento legal do crédito público à luz do crédito tributário e não do crédito administrativo. A doutrina e a jurisprudência não tem sido congruentes em questões cruciais no tratamento desses créditos, como por exemplo, o financiamento do tributo e a inclusão das multas no procedimento concursal.
Não se trata de colocar as multas administrativas como a principal fonte de crédito público, já isso acabaria por incentivar a aplicação de sanções. Trata-se sim de observar no direito administrativo e na relação que este pretende constituir com os Administrados, o ponto de partida para o tratamento desses créditos.
Ao contrário do que possa parecer pela conclusão acima, a ideia de que o tratamento conferido a esses créditos sejam congruentes não vai contra a ideia de preservação da empresa.
Isso porque a problemática das multas administrativas é muito mais complexa e necessidade passar por ampla revisão legal, doutrinária e jurisprudencial. Ainda são tímidas as vozes que defendem que instrumentos como os mecanismos de integridade e o autossaneamento deveriam ser utilizados para fins de excluir a sanção e não somente reduzi-la, como se tem observado nos dias atuais.[29]
Entretanto, a necessidade de aprofundamento da problemáticas que norteiam as multas administrativas é um tema a ser tratado em oportunidade própria. Quanto ao assunto tratado neste trabalho, espera-se que o legislador venha em boa hora resolver esses pontos sensíveis, ou ainda que forças mais robustas, como os tribunais superiores que irão julgar o supracitado recurso da Anatel, venham a tomar uma postura mais incisiva sobre o tema.
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Autor: Pedro Luiz Chagas Costa
[1] O direito tributário “é nitidamente um sub-ramo do direito administrativo, porque regula relações jurídicas entre administração e administratos, o que é da essência do direito administrativo” (ATALIBA. Geraldo, Hipótese de incidência tributária. .6ª Ed. Ed. Malheiro. São Paulo:2018. Pag. 30).
[2]Art. 1º – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Art. 2º – Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º – Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
§ 2º – A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.
[3] ROSA. Jr., Luiz Emygdio. Manual de Direito Financeiro e Tributário, 20ª edição, Renovar, pág.169
[4] RE 79.629. STF. Min. Rel: GUERRA, Cordeiro. J 14.08.1975
[5] AgRg no AREsp 262.795/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 04/03/2013
[6] Art. 23. Ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor comum, comerciais ou civis, alegando e provando os seus direitos.
Parágrafo Único: Não podem ser reclamados na falência:
I – as obrigações a título gratuito e as prestações alimentícias;
II – as despesas que os credores individualmente fizerem para tomar parte na falência, salvo custas judiciais em litígio com a massa;
III – as penas pecuniárias por infração das leis penais e administrativas.
[7] Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II – créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;
IV – créditos com privilégio especial, a saber:
a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;
c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;
d) aqueles em favor dos microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006 (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
V – créditos com privilégio geral, a saber:
a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;
c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;
VI – créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;
c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;
VIII – créditos subordinados, a saber:
a) os assim previstos em lei ou em contrato;
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.
[8] “Afigura-se impróprio o requerimento de falência do contribuinte comerciante pela fazenda pública, na medida em que esta dispõe de instrumento específico para a cobrança do crédito tributário. Ademais, revela-se ilógico o pedido de quebra, seguido de sua decretação, para logo após informar-se ao Juízo que o crédito tributário não se submete ao concurso falimentar, consoante dicção do art. 187 do CTN (STJ. 1ª Turma. REsp 287824-MG. Rel. Min Francisco Falcão. J. 20.10.95).
[9] “(…) o princípio da conservação da empresa pressupõe que a quebra não é um fenômeno econômico que interessa apenas aos credores, mas sim, uma manifestação jurídico-econômica na qual o Estado tem interesse preponderante. (…). Nesse caso o interesse público não se confunde com o interesse da Fazenda, pois o Estado passa a valorizar a importância da iniciativa empresarial para a saúde econômica de um país (STJ. 2ª Turma. REsp 363206-MG. Min Rel Humberto Martins. J. 04.05.2000).
[10] STJ. 3ª Turma. REsp 10.660-MG. Rel. Ministro Costa Leite. J. 12.12.1995.
[11] AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A Construção Jurisprudencial da Recuperação Judicial de Empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2013. P.252.
[12]Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. (…). § 7o As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.
[13] Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.
[14]Scalzilli. João Pedro (e outros). Recuperação de empresas e falências: teoria e prática na Lei 11.101/2005. São Paulo. Almedina, 2016. Pag. 255
[15]TJSP. 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais. Autos nº. 1069420-76.2017.8.26.0100. Fla. 67328/67335.
[16]Enunciado 55 da 1ª Jornada de Direito Comercial: “O parcelamento do crédito tributário na recuperação judicial é um direito do contribuinte, e não uma faculdade da fazenda pública, e, quanto não for editada lei específica, não é cabível a aplicação do disposto no art. 57 da Lei 11.101/05 e no art. 191-A do CTN.
[17] AgRg nos EDcl no CC 136.508/PA. Rel. Min. João Otávio de Noronha. Segunda Seção. J. 12.08.2015. Dje 20/08/2015.
[18] TJSP. Agravo de Instrumento n. 2207236-63.2015.8.26.0000. Des Rel Francisco Loureiro
[19]TRF-3 – Ap: 00379963720134036182 SP, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL CECÍLIA MARCONDES, Data de Julgamento: 02/05/2018, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/05/2018
[20] TJRJ. Agravo de instrumento nº. 0010168-32.2018.8.19.0000: 1. Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela ANATEL contra a decisão de fls. 254.741/254.756, proferida pelo Juízo da Sétima Vara Empresarial que, nos autos da recuperação judicial do Grupo Oi (processo nº 0203711-65.2016.8.19.0001), homologou o Plano de Recuperação Judicial aprovado em Assembleia Geral de Credores. 2. Pretende a Autarquia Reguladora seja determinada a suspensão liminar da Cláusula 4.3.4 do PRJ, bem como de qualquer outra disposição constante no referido plano consolidado que verse sobre a forma de pagamento dos créditos de titularidade da Agência e, no mérito, seja declarada a sua nulidade, se contrapondo à classificação de seus créditos e sua a inclusão no processo recuperatório, bem quanto a forma de pagamento deliberada e aprovada na AGC. 3. A visão encampada pela Lei nº 11.101/05 é a de promover a viabilização da superação do estado de crise, com ênfase na manutenção da atividade produtiva, sem deixar à margem o interesse dos credores na busca da satisfação de seus créditos e o anseio coletivo no soerguimento da empresa devedora, com a conservação dos empregos gerados e continuidade da prestação dos serviços executados. 4. A fim de possibilitar a adequada aplicação das normas traçadas pela lei recuperacional, o legislador delineou diversos princípios de caráter axiológicos a fim de nortear o procedimento recuperacional, dentre eles, em relação a matéria posta em debate, notadamente: a participação ativa dos credores, a par conditio creditorum e a preservação da empresa. 5. Ancorada em tais princípios é que a Assembleia Geral de Credores, portanto, deve expressar a vontade de sua maioria. 6. Não há dúvidas de que as questões essenciais ao processo de recuperação judicial se inserem na competência da Assembleia de Credores. 7. Como órgão colegiado, as deliberações da Assembleia Geral de Credores são orientadas pelo princípio majoritário, vinculando a empresa devedora e a todos os credores sujeitos à recuperação judicial (art.59, da LRJF). 8. Apregoa a lei recuperacional em seu artigo 35, I, b, da Lei nº 11.101/2005, que compete a Assembleia Geral de Credores a atribuição de deliberar sobre a “aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor”. 9. Por meio da Assembleia Geral de Credores, o devedor e os credores ajustam seus interesses mediante uma negociação que alcance um acordo mínimo de vontades a respeito do conteúdo do plano de recuperação judicial, afastando-se do interesse particular de cada credor, isoladamente, perseguir seu crédito, de modo a permitir que a empresa se mantenha em atividade, saldando com suas obrigações, e evitando, assim, sua falência. 10. De um lado, busca a empresa devedora a preservação de sua atividade produtiva e, de outro lado, os credores o cumprimento das obrigações não satisfeitas, convergindo, assim, o interesse de ambas as partes em manter a sociedade empresária em funcionamento. 11. Nesse contexto, o plano de recuperação judicial apresentado pela empresa devedora e deliberado em Assembleia Geral se revela um instrumento de transação entre os credores que sacrificam uma parte dos seus direitos a fim de possibilitar o recebimento de seu crédito, bem como da própria sociedade devedora que submete sua condução empresarial à vontade de terceiros. 12. Portanto, cumpridas as exigências da Lei Recuperacional, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor ou que tenha sido aprovado pela Assembleia Geral de Credores (art.58, da LRJF). 13. Uma vez aprovado o plano de recuperação judicial, todas as partes envolvidas a ele se submetem, independente dos credores dissidentes ou ausentes, desde que a deliberação tenha observado os procedimentos legais previstos na lei recuperacional e os direitos garantidos pela Constituição. 14. Não cabe ao órgão jurisdicional, via de regra, intervir no acordo engendrado entre o devedor e seus credores, de modo a restringir a competência exclusiva da AGC (art. 35, inciso I, alíneas “a” e “f”, da Lei nº 11.101/2005 – LRF), a fim de realizar uma análise da viabilidade econômica do plano de recuperação judicial. 15. Apesar de o Poder Judiciário não estar autorizado a se imiscuir no exame da viabilidade econômica do plano de recuperação judicial, submete-se a controle judicial à sua análise o cumprimento dos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral e a violação aos princípios gerais de direito, a Constituição Federal e a própria LREF. 16. O plano de recuperação judicial apresentado pelas Recuperandas foi objeto de modificações na Assembleia Geral de Credores, realizada em 19.12.2017, e, após extenuante ajuste entres os Credores e a empresa devedora, foi alcançada, ao final, a expressiva aprovação dos Credores. 17. Preliminar de incompetência do Juízo a quo para decidir sobre interesse de crédito público federal que se afasta, uma vez que, conforme já assentado por E. Câmara Isolada, o Juízo Universal é competente para julgar as causas em que estejam envolvidos interesses e bens da empresa em recuperação, sob pena de prejudicar seu funcionamento. 18. Além disso, de certo que compete ao juízo da recuperação decidir se o crédito constituído anteriormente ao processo de soerguimento possui ou não natureza concursal e, também, concluir pela possibilidade de se postergar a execução da garantia, ante o princípio da preservação da empresa. (AgRg no CC 122.293/RJ, Rel. Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 11/05/2016, DJe 25/05/2016). 19. Tendo em vista que não se discute nos autos a competência para processar e julgar cobrança de crédito fiscal, mas sim definindo a natureza do crédito controvertido e se este possui natureza concursal ou extraconcursal para, ao final, decidir se está ele excepcionado ou não dos efeitos da recuperação, resta patente a competência do Juízo Recuperacional. 20. Bem de ver que as questões que envolvam interesse, bem como aquelas que comprometam e afetem a destinação do patrimônio da empresa em recuperação, devem ser dirimidas pelo Juízo Universal. 21. A controvérsia reside na natureza do crédito cobrado pela Autarquia Reguladora, de origem não-tributária, decorrente de sanção pecuniária por violação à legislação administrativa. 22. A Lei nº 11.101/05 define, como regra, que todos os credores existentes ao tempo da postulação do benefício devem se submeter ao processo recuperacional. 23. Nesse sentido, o art.49, da LRJF, ao instituir o concurso de credores, estabeleceu que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. 24. No entanto, dispõe o art.6º, §7º, da Lei nº 11.101/05, que os créditos de natureza fiscal, salvo em caso de parcelamento, não se submetem ao procedimento de recuperação judicial, mas apenas ao de falência (art.83, III, da LRJF). 25. Além dos créditos de natureza fiscal, a Lei nº 11.101/05, em seu art.49, especificou os casos de exclusão total dos efeitos da recuperação (§3º, “b”) e de exclusão parcial (§§ 4º e 5º, “c” e “d”). 26. A distinção entre tributo e multa administrativa não permite que se conceda o mesmo tratamento jurídico no concurso de credores. 27. A definição de tributo vem delineada pelo art. 3º, do CTN, que assim prescreve: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. 28. A multa, por sua vez, se constitui uma penalidade originada do descumprimento de uma obrigação, possuindo nítido caráter punitivo ou de sanção. 29. De certo que o veículo procedimental apto a persecução dos créditos públicos (de natureza tributária ou não) não suprime a natureza jurídica inerente ao crédito perseguido. 30. As execuções ajuizadas pela recorrente, apesar de submetidas à sistemática da Lei nº 6830/80, não ostentam natureza stricto sensu fiscal, uma vez que os créditos são de natureza não tributária, consistentes em multas administrativas aplicadas em reflexo ao Poder de Polícia do Estado. 31. O Superior Tribunal de Justiça, em mais de uma oportunidade, já assentou que as referidas multas possuem natureza jurídica administrativa e não tributária, razão pela qual seria inaplicável às disposições contidas no CTN às execuções destinadas à cobrança de tais créditos. 32. Bem de ver que os valores cobrados a título de multa têm nascedouro num vínculo de natureza administrativa, não representando, portanto, um crédito tributário, a fim de se amoldar à disciplina jurídica do CTN. 33. A Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), em seu art.4º, §4º, restringe expressamente à aplicação do Código Tributário Nacional ao regime jurídico do crédito não tributário. 34. Os créditos não-tributários não se encontram inseridos na exceção imposta pelo art.187 do CTN, que determina a exclusão do crédito tributário do âmbito da recuperação judicial, ao fazer alusão a quais créditos não estarão sujeitos a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. 35. A referida disposição legal dialoga com a regra do art.23, parágrafo único, III, do Decreto-Lei nº 7.661/45 (Lei de Falências), vigente quando da edição da Lei de Execuções Fiscais. 36. Sendo assim, os créditos não tributários não possuíam as mesmas prerrogativas outorgadas aos tributos no juízo falimentar, não podendo, dessa forma, serem reclamados na falência sob a vigência do Decreto-Lei nº 7661/45. 37. No regime do Decreto-Lei nº 7.661/45, portanto, impedia-se a cobrança de multa por infração às normas administrativas da massa falida, tendo em vista a regra prevista em seu art. 23, parágrafo único, III, bem com o entendimento consolidado nas Súmulas 192 e 565 do STF. Nesse sentido: STJ, REsp 1.269.087/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 27/10/2011. 38. A discussão sobre o caráter punitivo ou indenizatório da multa moratória, com o advento da Lei nº 11.101/05, passou a não ter a mesma relevância conferida na vigência do Decreto-Lei nº 7.661/45, que excluía da falência o crédito que representasse pena pecuniária por infração da lei administrativa. 39. No entanto, tanto a Constituição da República Federativa de 1988, como a Lei nº 11.101/05 não implementaram qualquer modificação na natureza jurídica da multa por infração à obrigação tributária. 40. Com a edição da Lei nº 11.101/2005, reconheceu-se, entretanto, a possibilidade de habilitação das multas, seja contratual, seja por infração penal ou administrativa, na forma de seu art. 83, porém estabeleceu-se uma distinção de tratamento entre os créditos tributários (inciso III) daqueles não tributários decorrentes das multas contratuais e penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias (inciso VII). 41. Assim, a nova Lei de Falências quando se referiu às multas administrativas, incluídas as tributárias, permitiu que sua fosse realizada na falência, mas inseriu-as na posição dos antepenúltimos créditos a serem atendidos no concurso de credores, conservando, assim, a preferência na cobrança dos tributos em relação às multas. 42. A Lei nº 11.101/05, em nenhum momento exige a prova de regularidade em relação às multas administrativas para a concessão da recuperação judicial, consoante se denota da dicção do art.57, do mesmo diploma legal, mas tão somente de inexistência de passivo tributário. 43. O mesmo raciocínio deve ser empregado no tocante à transferência do passivo tributário de filial ou unidade produtiva ao adquirente, com exceção das hipóteses em que tal medida se opere no âmbito da recuperação judicial, o que não acontece em relação às multas administrativas. (arts.141 e 142, da LRFJ e art.133, do CTN). 44. De outro lado, o §7º, do art.6º, da Lei nº 11.101/05, ao fazer alusão às ações que não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, utiliza a expressão “execuções de natureza fiscal”, não se referindo, por conseguinte, a “execuções fiscais”. 45. Não se pode discutir a inquestionável relevância da receita advinda dos tributos para o planejamento financeiro do Estado e o incontestável interesse no prosseguimento da cobrança de tal crédito daqueles créditos originados da atividade sancionatória do ente público. 46. Considerando que a lei não cria palavras e expressões inócuas, a Lei nº 11.101/05 deve ser compreendida sob uma percepção sistemática e teleológica de seus dispositivos, à luz dos princípios que permeiam o instituto, notadamente, o da preservação da empresa. 47. Diante do caráter social da legislação que permeia todo o sistema da recuperação judicial, possui o Estado o dever indelével de, sacrificando-se juntamente com os particulares, preservar a empresa e assim permitir que aquela, exercendo sua função social, tenha condições efetivas de superar sua crise econômico-financeira. 48. Não há dúvidas de que as execuções de multa administrativa deverão ser suspensas juntamente com as demais que não persigam crédito de natureza tributária stricto sensu e, tais valores inseridos no âmbito da recuperação judicial, uma vez que não possuem o mesmo privilégio outorgado aos créditos que ostentam natureza fiscal e somente os débitos tributários estão excluídos expressamente da recuperação judicial. 49. Diante das diferenças estabelecidas pela própria Lei nº 11.101/2005 entre os créditos tributários e os advindos de multas administrativas, inscritos em Dívida Ativa, não devem estas últimas se submeterem à exceção estabelecida em seu art.6º, § 7º, em observância à natureza substancial do crédito discutido e não o instrumento processual utilizado para a cobrança da dívida, o que, provavelmente levou a opção do legislador de empregar o termo execução fiscal e não execução de natureza fiscal, como o fez em vários outros dispositivos. 50. Impende destacar que a concessão de prazos e condições especiais para pagamentos de obrigações vencidas, constitui um dos meios de recuperação judicial constantes do rol das medidas estabelecidas no art.50, da LRJF, sendo certo que apenas aqueles credores expressamente previstos na LRJF devem possuir tratamento diferenciado. 51. A posição de primazia almejada pela recorrente em relação aos demais credores das recuperandas decorre inexoravelmente do enquadramento do crédito perseguido na lei de regência atendendo a sua natureza jurídica. 52. No que tange a impossibilidade de criação, em AGC, de condições de parcelamento distintas das previstas nas leis nºs 10.522/2002 e 13.497/17, tais normativos legais apenas disponibilizam ao devedor a faculdade de parcelar seu crédito nos moldes ali previstos, não impondo qualquer restrição que se estabeleça de maneira diversa no âmbito da recuperação judicial. 53. Ademais, o parcelamento especial concebido pelas Leis nºs 10.522/2002 e 13.497/17, não atendem a exigência contida na LREF. 54. Com efeito, as disposições das leis citadas devem dialogar com a Lei de Recuperação Judicial cujo escopo é permitir o soerguimento da empresa viável, preservando a fonte produtora e geradora de empregos, promovendo sua função social e estimulando a atividade econômica. 55. No entanto, os diplomas legais vigentes são manifestamente inábeis para disciplinar uma hipótese de parcelamento que efetivamente seja específica às empresas em recuperação judicial e que dialogue com os preceitos concursais e constitucionais de preservação da empresa. 56. Resta insuperável à conclusão de que as leis mencionadas não se mostram adequadas às condições especiais das empresas em recuperação judicial, de modo a propiciar a quitação do passivo tributário sem vulnerar o patrimônio indispensável para o seu soerguimento. 57. Tendo em vista que o crédito (de natureza não-tributária) ostentado pela Recorrente não goza de privilégio, submetendo-se ao regime de recuperação judicial, não há qualquer razão para que sobreponha ao interesse da coletividade de credores. 58. Recurso desprovido e prejudicialidade do Agravo Interno interposto.
[21] “Art. 37. O acordo de leniência conterá, entre outras disposições, cláusulas que versem sobre:
III – a natureza de título executivo extrajudicial do instrumento do acordo (…)”
[22] MARRARA, Tiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista digital de direito administrativo – USP – FDRP, Ribeirão Preto,v.2, n.2, 2015, p. 522.
[23] Ferreira da Rocha, Silvio Luis. Lei Anticorrupção.. Edição do Kindle.
[24] Ferreira da Rocha, Silvio Luis. Lei Anticorrupção.. Edição do Kindle.
[25]Nesse sentido Kleber Bispo dos Santos leciona que: “é uma questão muito complicada e delicada a possibilidade de aplicação simultânea de sanções por instâncias autônomas que não se comunicam e não levam em consideração a existência de outras esferas de responsabilização. Essa preocupação é muito pertinente e calha à fiveleta quanto ao tema da extensão e limites do acordo de leniência no que tange a outros sistemas de responsabilização. A nosso ver, em se tratando da sanção das pessoas jurídicas, as instancias devem se comunicar, e indo mais além, em se tratando de acordo de leniência com a pessoa jurídica delatora, o mesmo deve, se possível, englobar todas as possibilidades de responsabilizações ou sanções à pessoa jurídica beneficiária, decorrentes do mesmo fato, podendo inclusive, a depender das circunstâncias do caso concreto, surtir efeitos às eventuais responsabilizações das pessoas físicas representantes das pessoas jurídicas.” (SANTOS, Kleber Bispo dos. Acordo de leniência da lei de improbidade administrativa e na lei anticorrupção. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 147)
[26] Recentemente, ainda que timidamente, a CVM editou a Instrução 607/19, que no parágrafo único do art. 62, prevê como atenuante as sanções relativas aos mesmos fatos, aplicadas por outras autoridades.
[27] Canaris. Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 4.ed. Lisboa: Fundação Calouste Guelbenkian, 2008. P. 76.
[28]Bandeira de Melo, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2016. P. 53
[29] Não bastasse isso, a lei anticorrupção não prevê qualquer tipo de isenção de multa e, em nenhum momento, faz a importante diferenciação entre a leniência prévia e a leniência concomitante. Como foi dito, na defesa da concorrência, a leniência prévia é estimulada com benefícios maiores (isenção de multa), mas no combate à corrupção, não há qualquer variação. Certamente, essa lacuna apenas servirá para desestimular acordos anteriores ao processo administrativo. (MARRARA, Tiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista digital de direito administrativo – USP – FDRP, Ribeirão Preto,v.2, n.2, 2015, p. 522).