Direito Administrativo

Modelagens mais comuns de licitação pública: o pregão, a concorrência e a ausência de modalidade licitatória nas empresas estatais

Walter Marquezan Augusto[1]

Embora as licitações sejam uma prática comum da Administração Pública, o seu entendimento desperta ainda muitas dúvidas para aqueles que se aproximam desse ramo de atuação. Com uma diversidade de modalidades, critérios, condições e regras específicas, é esperado que surjam inseguranças sobre a compreensão do que é o mais comum em licitações. Este texto visa a esclarecer justamente isso: quais são as modalidades mais comuns de licitação? Quais as principais características? Quais as informações básicas que o “iniciante” precisa saber?

Conforme os dados oficiais, o pregão é a modalidade mais comum de licitação, seguida da tomada de preços e da concorrência. Com o advento da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA)[2], em um futuro bem próximo o pregão e a concorrência serão as modalidades mais comuns nos certames públicos. Sendo assim, faz-se relevante estudar as semelhanças e as diferenças dessas duas modalidades mais comuns, bem como a sua relação com o “regime flexível” previsto pela Lei das Estatais.

De modo geral, o regime jurídico trazido pela Lei nº 14.133/2021 aproxima as modalidades pregão e concorrência, dedicando-lhes muitas semelhanças em termos procedimentais. As diferenças são pontuais e se relacionam mais especificamente com as particularidades dos objetos a serem licitados. Vejamos, então, a singularidade de cada modalidade.

Pregão

Criado pela Lei nº 10.520/2002, e regulamentado na sua forma eletrônica, atualmente, pelo Decreto nº 10.024/2019, o pregão foi incluído na Nova Lei de Licitações como a modalidade obrigatória para a aquisição de bens e serviços comuns. Exitosa e amplamente difundida na prática administrativa, pode-se dizer que a modalidade do pregão influenciou a Lei nº 14.133/2021.

Exemplo disso é a atual previsão de sequência de fases, neste diploma geral (art. 17, caput, Lei nº 14.133/2021), que foi originalmente prevista pela Lei do Pregão. Nesta sequência, primeiro ocorre o julgamento das propostas e posteriormente a habilitação somente do licitante com a proposta melhor classificada. Outro exemplo de influência é a preferência pela realização de licitações sob a forma eletrônica (art. 17, § 2º, Lei nº 14.133/2021) – escolha legislativa que colhe os frutos da experiência com o pregão eletrônico.

Assim, a nova Lei de Licitações definiu o pregão da seguinte forma:

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

[…]

XLI – pregão: modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto;

Como já mencionado, a Lei nº 14.133/2021 define a obrigatoriedade do pregão para a aquisição de bens e serviços comuns (art. 6º, XLI), sendo facultada a sua utilização para os serviços comuns de engenharia (art. 29, parágrafo único).[3] Note-se que o agir descrito para essa modalidade é a aquisição, o que denota a caraterística de objetividade dessa modalidade.

Não é por outro motivo que por “bens e serviços comuns” deve-se entender “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado” (art. 6º, XIII). A lei ainda estipula que os critérios de julgamento para esta modalidade serão apenas “menor preço” ou “maior desconto” – sendo que este último nada mais é que um desdobramento da busca pelo menor preço.

Concorrência

A concorrência, por sua vez, é a modalidade de licitação para a contratação de bens e serviços especiais, de obras e serviços comuns e especiais de engenharia. Leia-se a definição da Lei nº 14.133/2021:

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

[…]

XXXVIII – concorrência: modalidade de licitação para contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia, cujo critério de julgamento poderá ser:

a) menor preço;

b) melhor técnica ou conteúdo artístico;

c) técnica e preço;

d) maior retorno econômico;

e) maior desconto;

Como se pode ver, a modalidade concorrência é destinada aos bens e serviços que possuem uma particularidade especial, e que podem ser divididos em três grandes grupos:

i) os bens e serviços especiais, em sentido estrito (art. 6º, XIV);[4]

ii) as obras (art. 6º, XII);[5] e

iii) os serviços de engenharia, podendo ser comuns ou especiais (art. 6º, XXI).[6]

Veja-se que, aqui, o agir descrito é a contratação (e não mera aquisição), o que parece atribuir ênfase à uma mutualidade da relação obrigacional. Para tanto, a Lei nº 14.133/2021 prevê que os critérios de julgamentos podem ser todos aqueles previstos no art. 33, com exceção do “maior lance”, porque aplicável unicamente à modalidade leilão. Assim, o dispositivo elenca os seguintes critérios:

(a) menor preço;

(b) melhor técnica ou conteúdo artístico;

(c) técnica e preço;

(d) maior retorno econômico; e

(e) maior desconto.

A concorrência, assim como as demais modalidades restantes (fora o pregão), é conduzida pelo agente de contratação (art. 8º, caput), podendo ser nomeada uma comissão de contratação para bens e serviços especiais (art. 8º, § 2º).

Diferenças entre pregão e concorrência

As diferenças entre pregão e concorrência surgem, portanto, da característica dos objetos a serem licitados e, por consequência, também dos critérios de julgamento disponíveis para avaliar as propostas. Note-se que, na modalidade pregão, sendo o preço o único vetor valorativo para o julgamento das propostas (“menor preço” e “maior desconto”), não se busca avaliar estritamente a técnica.[7]

Já na concorrência, por vezes, a especialidade e a complexidade do objeto licitado podem exigem diferentes critérios de julgamento (como a “melhor técnica ou conteúdo artístico”, “técnica e preço” e “maior retorno econômico”), tendo, porém, a lei facultado os critérios centrados no preço (“menor preço” e “maior desconto”).

Sendo assim, é a necessidade do que se avaliar nos objetos a serem licitados que define os critérios de julgamento, conforme a previsão nos artigos 34 a 39 da Lei nº 14.133/2021, diferenciando assim, por mais um ângulo, o pregão e a concorrência.

Outra consequência dessa diferenciação toca aos prazos mínimos para a apresentação de propostas (art. 55 da Lei 14.133/2021). Assim, no pregão, os prazos mínimos para apresentação de propostas não serão inferiores a 8 ou 10 dias (art. 55, I, “a”, e II, “a”, Lei nº 14.133/2021). Na concorrência, por sua vez, os prazos mínimos podem variar de 10 a 60 dias, a depender dos critérios de julgamento e dos regimes de execução (conforme as demais hipóteses do art. 55 do diploma citado).

Afora as peculiaridades e as diferenças acima expostas, o art. 29 da Nova Lei de Licitações aproxima o pregão e a concorrência ao atribuir-lhes o mesmo rito procedimental comum, previsto no art. 17. Isso significa que tanto o pregão quanto a concorrência obedecem à mesma sequência de fases durante o certame. Igualmente, a fase recursal se processará em fase única, via de regra, após a habilitação (art. 165, § 1º, I e II, Lei nº 14.133/2021).

É relevante que pregão e concorrência tenham se aproximado em termos procedimentais na nova legislação. De certo modo, tal aproximação produz efeitos reflexos na orientação das licitações das empresas estatais.

Mas e as empresas estatais? Seguem as mesmas modalidades?

Como se sabe, por mandamento constitucional, as empresas estatais possuem previsão em lei especial para a forma de condução de suas licitações e contratos (art. 173, § 1º, III, da Constituição Federal). Tal previsão foi contemplada pela Lei nº 13.303/2016, porém, de forma ampla, com Disposições de Caráter Geral sobre Licitações e Contratos (arts. 31 a 41 da referida lei).

A Lei nº 14.133/2021, em deferência à especialidade da Lei nº 13.303/2016, excluiu de seu âmbito de abrangência as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias (art. 1º, § 1º). No entanto, a Lei das Estatais, em três casos, remete a sua aplicação a disposições de outras leis.[8] Destes, o caso mais relevante para a presente análise consta no inciso IV do seu art. 32, que prevê:

Lei nº 13.303/2016

Art. 32. Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes:

[…]

IV – adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado;

Como se pode perceber, o pregão é a modalidade a ser preferencialmente adotada para as licitações em empresas estatais que visem à aquisição de bens e serviços comuns. Essa indicação, que se refere ao procedimento a ser adotado, não exclui as demais disposições da Lei nº 13.303/2016 referente às licitações, bem como eventuais particularidades a serem definidas em regulamento de cada empresa estatal. Note-se, ainda, que após o dia 1º de abril de 2023[9] a Lei nº 10.520/2002 estará revogada, concentrando a Lei nº 14.133/2021 as disposições sobre a modalidade pregão.

Afora essa remissão literal, é possível que a Lei das Estatais sofra efeitos reflexos através do modo como a Lei de Licitações será interpretada e aplicada. Isto é, partilhando dos mesmos conceitos de base, é possível que certos entendimentos dos tribunais – especialmente do Tribunal de Contas da União – sobre a Lei nº 14.133/2021 sejam também aplicáveis, subsidiariamente ou por analogia, às modalidades conduzidas em estatais. De todo modo, ante a ausência de previsão rígida na Lei nº 13.303/2016, é inegável que a Nova Lei de Licitações oferece, ao menos, algumas orientações fundamentais para os regulamentos internos definirem os procedimentos em cada empresa estatal.

Essas são, portanto, as modalidades de licitação mais comuns na prática da Administração Pública. Tanto o pregão quanto a concorrência possuem ainda outras peculiaridades que as caracterizam e dinamizam a sua operação, assim como a sua utilização pelas empresas estatais. Para todos os casos, o ideal é que todo aquele que tenha interesse em contratar com a Administração esteja amparado por uma assessoria jurídica especializada, que saberá responder as dúvidas e buscará garantir que todas as formalidades necessárias sejam observadas.

Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/modalidade-licitatoria/



[1] Advogado

[2] Como já exposto, a Lei nº 14.133/2021, no seu art. 28, trouxe um novo rol de modalidades, no qual restou excluída a modalidade “tomada de preços”.

[3] A Lei nº 14.133/2021 define “serviço comum de engenharia” no seu art. 6º, XXI, alínea a: “a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens”.

[4]Art. 6º, XIV – bens e serviços especiais: aqueles que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade, não podem ser descritos na forma do inciso XIII do caput deste artigo, exigida justificativa prévia do contratante;

[5] Art. 6º, XII – obra: toda atividade estabelecida, por força de lei, como privativa das profissões de arquiteto e engenheiro que implica intervenção no meio ambiente por meio de um conjunto harmônico de ações que, agregadas, formam um todo que inova o espaço físico da natureza ou acarreta alteração substancial das características originais de bem imóvel;

[6] Art. 6º, XXI – serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse para a Administração e que, não enquadradas no conceito de obra a que se refere o inciso XII do caput deste artigo, são estabelecidas, por força de lei, como privativas das profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos especializados, que compreendem:

a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens;

b) serviço especial de engenharia: aquele que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade, não pode se enquadrar na definição constante da alínea “a” deste inciso;

[7] Conclusão essa que é corroborada pela primeira parte do parágrafo único do art. 29 da Lei nº 14.133/2021, que prescreve: “Parágrafo único. O pregão não se aplica às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia, exceto os serviços de engenharia de que trata a alínea “a” do inciso XXI do caput do art. 6º desta Lei.”

[8] Os três casos referem-se: i) art. 32, IV, da Lei nº 13.303/2016, que dispõe sobre a adoção do pregão nas licitações de empresas estatais; ii) art. 55, III, da Lei nº 13.303/2016, que faz remissão aos critérios de desempate previstos na Lei nº 8.666/1993; iii) art. 41 da Lei nº 13.303/2016, que trata remete à Lei nº 8.666/1993, no que diz respeito às normas de direito penal aplicáveis.

[9] Prazo previsto no art. 193 da Lei nº 14.133/2021.

 

Como citar e referenciar este artigo:
AUGUSTO, Walter Marquezan. Modelagens mais comuns de licitação pública: o pregão, a concorrência e a ausência de modalidade licitatória nas empresas estatais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/modelagens-mais-comuns-de-licitacao-publica-o-pregao-a-concorrencia-e-a-ausencia-de-modalidade-licitatoria-nas-empresas-estatais/ Acesso em: 04 out. 2024