FUNDEB. Parcela vinculada à remuneração dos profissionais do magistério. Rateio mediante abono. Legalidade.
Antonio Sergio Baptista*
Os mandatos municipais estão chegando ao fim e, de forma recorrente, afloram dúvidas quanto à correta aplicação da legislação especial, em confronto com as regras permanentes do ordenamento jurídico-administrativo.
Dentre os questionamentos, desponta a dúvida quanto à legalidade de ser editada, ainda neste exercício de 2008, lei municipal tendo por objeto o rateio, sob forma de abono, do resíduo da parcela do Fundeb assegurada, constitucionalmente, ao magistério, principalmente em face das vedações postas, tanto na Lei 9.504/97, que disciplina as eleições, quanto na Lei Complementar nº 101/2000, que cuida da responsabilidade na gestão fiscal.
Abrindo a resposta, lembro que a matéria tem matriz constitucional, na forma traçada no artigo 60, XII do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 53/06. Confira-se:
Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, O Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o “caput” do artigo 112 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições:
[…]
XII- proporção não inferior a 60% (sessenta por cento) de cada Fundo referido no inciso I do caput deste artigo será destinada ao pagamento dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício.
De outra banda, estão as vedações grafadas, tanto na legislação eleitoral, quanto na Lei de Responsabilidade Fiscal; na primeira delas, os incisos V e VII do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, vedam, nos períodos que mencionam do ano eleitoral, a readaptação de vantagens financeiras e a revisão geral de remuneração dos servidores públicos[1], enquanto que, em relação à segunda, o parágrafo único do artigo 21 da Lei Complementar nº 101/2000, qualifica como “nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal, expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no artigo
Postas as balizas da controvérsia, é momento de buscar a solução para a evidente antinomia, o conflito entre as normas, na medida em que, enquanto o comando constitucional, hospedado no caput e inciso XII do artigo 60 do ADCT, assegura aos profissionais do magistério da educação básica, em efetivo exercício, a percepção anual de parcela dos recursos do Fundeb – 60% -, as normas colocadas em confronto, abrigadas na legislação especial, traduzem regras de vedação que impediriam qualquer ato destinado ao atendimento integral do comando constitucional, neste ano de eleições e término de mandatos municipais.
O conflito, repita-se, entre as normas, tendo de um lado aquela que ordena e, de outro, aquelas que proíbem, coloca o interprete diante do dilema, da necessidade de encontrar a solução, de escolher uma opção, sabendo-se que a aplicação de uma norma poderá significar a violação das demais.
Assim, como bem assenta a Professora Maria Helena Diniz, em excelente monografia sobre o tema “Ante a importância de saber qual das duas normas antinômicas deve ser aplicada de preferência, a ordem jurídica prevê uma série de critérios para a solução de antinomiais do direito interno que são: A) O hierárquico (“lex superior derogat legi inferiori”) e B) O cronológico (“lex posterior derogat legi priori”)[2], passando a discorrer sobre cada um deles.
O critério hierárquico, que se traduz pela expressão lex superior derogat legi inferior, significa dizer, sempre atento à lição da festejada professora, “que em um conflito entre normas de diferentes níveis, a de nível mais alto, qualquer que seja a ordem cronológica, terá preferência em relação à de nível mais baixo.[3]
Neste quadrante, não é difícil perceber que, no conflito entre uma norma constitucional e duas normas de índole infraconstitucional, prevalece, pela aplicação do critério hierárquico, aquela hospedada na Lei Maior e, portanto, é possível sim, mesmo em ano de eleições e final de mandatos municipais, disciplinar, por lei local, o rateio do saldo da parcela de recursos do Fundeb destinada, constitucionalmente, à remuneração dos profissionais do magistério.
Aliás, o critério cronológico (lex posterior derogat legi priori), que se restringe às normas de mesmo escalão, também poderia ser aplicado para a solução desta antinomia, na medida em que, a mesma matéria, está disciplinada na Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007 editada em data posterior à das Leis nº 9.504, de 1997 e Complementar nº 101, de 2000. Confira-se a redação do artigo 22 da lei que regulamenta o FUNDEB:
“Art. 22. Pelo menos 60% (sessenta por cento) dos recursos anuais totais dos Fundos serão destinados ao pagamento da remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública”.
Além disso, ainda na mesma, está colocado o artigo 21, determinando que “Os recursos dos Fundos, inclusive aqueles oriundos de complementação da União, serão utilizados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, no exercício financeiro em que lhes forem creditados em ações consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica pública, conforme disposto no art. 70 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
Art. 21. […]
[…]
§ 2o Até 5% (cinco por cento) dos recursos recebidos à conta dos Fundos, inclusive relativos à complementação da União recebidos nos termos do § 1o do art. 6o desta Lei, poderão ser utilizados no 1o (primeiro) trimestre do exercício imediatamente subseqüente, mediante abertura de crédito adicional.
Ora, como se lê, as normas posteriores, observado o critério cronológico, devem prevalecer sobre as anteriormente editadas e, assim sendo, também por este critério, resolve-se o conflito entre as normas.
Em resumo e para concluir: os municípios podem editar, neste final de mandato, normas de âmbito local disciplinando o rateio dos saldos da parcela do Fundeb assegurada à remuneração dos profissionais do magistério.
[1] Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
[…]
V – nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;
[…]
VII – realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.
[2] DINIZ, Maria Helena – Conflito de Normas, 8ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2008.página 34.
[3] aut.loc.cit.
* Advogado. Especialista em Direito Público
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