Antonio Sergio Baptista*
O Supremo Tribunal Federal editou a Sumula vinculante 13 para extirpar da administração pública brasileira, definitivamente, a execrável figura do nepotismo ou favorecimento de parentes de agentes políticos, através de nomeação para ocupar cargos públicos de livre provimento.
No entanto, a realidade é que a Sumula editada para consagrar o respeito aos princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade[1], carrega em sua redação alguns conceitos, certo descompasso com outras normas constitucionais, além de recorrentes questionamentos, formulados, em especial, pelas administrações municipais, merecendo justificadas respostas.
Assim, vamos analisar as questões postas, começando por lembrar que a Sumula 13 está em vigor desde 29 de agosto de 2008 e ainda que, por força do disposto no artigo 103 – A da Constituição Federal tem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta nas esferas(sic) federal, estadual e municipal, (leia NEPOTISMO. O EFEITO VINCULANTE DA SUMULA 13 DO STF. ALERTA NECESSÁRIO, no Boletim 32).
A seguir e de forma didática, vamos responder, justificando, as questões que vêm sendo colocadas:
- Pergunta: quais os conceitos de parentesco e companheiro (a) que devem ser aplicados?
Resposta: o enunciado da Sumula ao referir-se à figura do cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, está utilizando conceitos do Código Civil brasileiro.
Assim, em apertada síntese, vamos explicitá-los, começando pelo conceito de grau que é contado por geração e, portanto, até terceiro grau, significa até terceira geração, sendo interessante conferir a regra de regência grafada no artigo 1594 do Código Civil, em especial quanto ao parentesco colateral[2].
Cônjuge é um dos membros da sociedade conjugal, ou seja, o marido ou a esposa, enquanto que companheiro, nos termos da lei, é a pessoa com quem se vive em “união estável”, conforme definição do artigo 1.723 do Código Civil[3].
Linha reta é a relação de parentesco por vínculo de ascendência e descendência. Na linha reta ascendente temos, até terceiro grau, os pais, os avôs e os bisavôs e na descendente, os filhos, netos e bisnetos.
Linha colateral é a relação de parentesco entre pessoas que, apesar de vindas de tronco comum, não descendem umas das outras. Assim temos até terceiro grau os irmãos, tios e sobrinhos, sendo oportuno esclarecer que, pela regra do tronco comum, grafada no citado artigo 1594, os primos são parentes de quarto grau e, portanto, não são alcançados pela vedação da Sumula 13.
Afinidade é a relação de parentesco que decorre do elo jurídico estabelecido entre um cônjuge ou companheiro e os parentes consangüíneos do outro, podendo ser em linha reta: sogro e nora, sogra e genro; padrasto e enteada; madrasta e enteado, são afins de primeiro grau. Ainda em linha reta, mas de segundo grau, o marido ou companheiro é afim com os avôs de sua esposa ou companheira e esta com os dele. Na linha colateral o parentesco por afinidade não vai além do segundo grau: cunhados.
- Pergunta: qual é a interpretação para o conceito de nepotismo cruzado?
Resposta: o enunciado veda o ajuste mediante designações recíprocas, ou seja, a nomeação, daqueles relacionados no pórtico do enunciado, que sejam parentes de autoridade nomeante, por outra autoridade nomeante do mesmo ente federativo. Assim, no âmbito dos Municípios, em que são autoridades nomeantes os Prefeitos ou, nos termos de lei específica, os Secretários municipais, os dirigentes de entidades da administração indireta (autarquias, fundações, empresas públicas) e os Presidentes de Câmaras municipais, ocorreria o vulgarmente denominado nepotismo cruzado, quando um parente do Prefeito é nomeado por uma das outra autoridades nomeantes e um parente daquela mesma autoridade é nomeado pelo Prefeito, em reciprocidade ou, ainda, em qualquer outra hipótese de troca de favorecimento, condição necessária para se caracterizar a ofensa à vedação. Concluindo, repita-se: a reciprocidade é condição necessária para caracterizar a violação ao ordenamento constitucional.
3. Pergunta: o Secretário nomeado, por ser agente político, está incluído na vedação de ter parente nomeado para ocupar cargos de livre provimento?
Resposta: em primeiro lugar, é importante salientar o evidente equívoco provocado pela ausência de sistematização entre o enunciado da Sumula e os comandos constitucionais de regência da matéria, como, aliás, já tivemos oportunidade de salientar. (leia A SÚMULA VINCULANTE 13 – INCONSTITUCIONALIDADES, no Boletim 30).
No mérito, desconsiderando-se o equívoco, a questão posta não é menos polêmica e tem gerado controvérsia entre os operadores do direito, isto porque, quando a Sumula equipara autoridade nomeante e servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, não deixa claro se os Ministros de Estado e Secretários estaduais, distritais e municipais, estariam abrangidos pela amplitude da locução em destaque.
Entretanto, na nossa opinião, os Ministros de Estado, os Secretários estaduais, distritais e municipais, como agentes políticos que são, fato aliás reconhecido pelo Supremo, até porque consagrado em dispositivo constitucional (confira-se a redação do § 4º do artigo 39)[4], ocupam cargos políticos, mesmo que na estrutura organizacional do ente federativo, tais cargos estejam qualificados, equivocadamente, como cargos de provimento em comissão.
Portanto, os agentes ocupantes de cargos políticos, ainda que possam ser considerados como servidores, no sentido lato do vocábulo, não podem ser equiparados àqueles servidores ocupantes de cargos de direção, chefia e assessoramento.
Neste quadrante e para concluir, não vislumbramos qualquer impedimento para que o cônjuge, companheiro ou parente daqueles agentes políticos, venha a ser nomeado para ocupar cargos de livre provimento, desde que a autoridade nomeante não seja o próprio agente político.
4- Pergunta: parente de servidor efetivo pode ser nomeado para ocupar cargos de livre provimento?
Resposta: pela amplitude dada ao enunciado, ainda que o servidor seja efetivo, mesmo que o cargo de direção chefia ou assessoramento que ocupa não é de livre provimento, seus parentes são alcançados pela vedação da Sumula.
5- Pergunta: parente de servidor ocupante de cargo de livre provimento pode participar de concurso público e, se aprovado, pode ser nomeado?
Resposta: a participação em concurso público, pelo princípio constitucional da isonomia (artigo 5º, caput), que a administração pública está obrigada a respeitar, é assegurada
a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei. Ademais e por oportuno, é preciso lembrar que os cargos colocados em concurso público não são de livre nomeação, mas, isto sim, de provimento efetivo.
6 – Pergunta: definir os conceitos de cargo de confiança e função gratificada.
Resposta: como tivemos oportunidade de escrever no artigo A SUMULA VINCULANTE 13 – INCONSTITUCIONALIDADES (Boletim 30), a nossa Constituição não contempla a figura, posta na Sumula, sob o título “cargo de confiança” e, muito menos, faz qualquer menção a “função gratificada”.
De qualquer forma, analisando o enunciado da Sumula e partindo da premissa de que as vedações, ali grafadas, têm por objetivo impedir a violação dos princípios plasmados no caput do artigo 37 da Constituição Federal, não é difícil concluir que, tratando-se de cargos ou funções de livre provimento, qualquer que seja sua nomenclatura, a desobediência a Sumula implica em violação da Constituição Federal, pois, como bem observa Carlos Maximiliano, nosso mestre maior da hermenêutica:
Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis.[5]
7 – Pergunta: servidor estadual cedido para prestar serviços no Município, em decorrência de convênio de municipalização da educação e ocupando cargo de livre provimento, pode ter parente seu nomeado para ocupar outro cargo, também de livre provimento?
Resposta: a nomeação seria inconstitucional, pelas razões aduzidas na pergunta anterior.
8 – Pergunta: parente de Vereador pode ser nomeado pelo Prefeito para ocupar cargo de livre provimento?
Resposta: com exceção do Presidente da Câmara municipal, os demais vereadores não detêm poder para nomear e, portanto, não são a “autoridade nomeante” a que alude a Sumula. Portanto, parentes de vereadores podem ser nomeados pelo Prefeito ou dirigentes de entidades da administração indireta, para ocupar cargos de livre provimento.
9 – Pergunta: caracteriza nepotismo a nomeação de parente de Presidente de Câmara municipal, para ocupar cargo de livre provimento na administração direta ou indireta, mesmo não havendo designação recíproca, ou seja, Prefeito e dirigentes das entidades da administração indireta não têm parentes ocupando cargos livre provimento na Câmara Municipal?
Resposta: não ocorrendo reciprocidade, não há que se falar em nepotismo cruzado. Confira-se resposta à pergunta 2.
10 – Pergunta: detentor de cargo eletivo nos diversos conselhos municipais pode ter parente nomeado para ocupar cargo de livre provimento?
Resposta: os membros eleitos para os diversos conselhos municipais não são servidores e, muito menos, autoridade nomeante e, portanto, seus parentes não são alcançados pelas vedações da Sumula 13.
11- Pergunta: os servidores dirigentes da Associação de Servidores Públicos podem ter parentes nomeados em cargos de livre provimento?
Resposta: os servidores, mesmo que dirigentes da entidade que representa a categoria podem ter parentes nomeados para ocupar cargos de livre provimento, desde que seus cargos na administração não sejam de direção, chefia e assessoramento.
12- Pergunta: estagiários e voluntários, sem vínculo empregatício com a administração, podem ter parentes nomeados para ocupar cargos de livre provimento?
Resposta: estagiários e voluntários não ocupam qualquer tipo de cargo na administração pública e, portanto, seus parentes podem ser nomeados livremente.
13 Pergunta: Pergunta: pode o Presidente da República, o Governador de Estado ou Prefeito nomear, respectivamente, Ministros ou Secretários que sejam parentes entre si?
Resposta: como dissemos acima, os Ministros e Secretários (estaduais, distritais e municipais) são agentes políticos e, por esta razão, podem ser livremente nomeados pela autoridade competente, ainda que parentes entre si ou da autoridade nomeante.
As notas acima demonstram, inegavelmente, as dificuldades de interpretação da Sumula vinculante 13. Outros questionamentos virão. Continuaremos atentos!
* Advogado. Especialista em Direito Público
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[1] Constituição FederalF.-[…] “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”
[2] Código Civil –[…] “Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente.”
[3] […] Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
[4] CF. Art. 39 […]
§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
[5] MAXIMILIANO,Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 12ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 1992, pág. 166.