Direito Administrativo

Apontamentos Sobre a Teoria Geral dos Poderes Administrativos

Apontamentos Sobre a Teoria Geral dos Poderes Administrativos

 

 

Eliezer Pereira Martins *

 

 

 

1.1 Noções

 

A expressão “poder” no sentido administrativo denota faculdade, possibilidade ou autorização.

No direito administrativo democrático, o poder, menos do que prerrogativa de força, é faculdade inclinada para dever, munus, encargo.

 

Assim, em doutrina fala-se em “dever-poder” e em “poder-dever”. O primeiro alinha-se com a natureza mesma da atividade administrativa, de munus, encargo, enquanto o segundo expressa força. Assim, no direito administrativo democrático, qualquer faculdade exercida pelo administrador público tem-se como expressão de dever-poder, com ênfase no aspecto dever, sendo o poder tão somente elemento viabilizador da necessidade administrativa, jamais termo autônomo que se justifique em si mesmo.

 

São doutrinariamente reconhecidos como poderes administrativos os poderes hierárquico, disciplinar, discricionário, vinculado, de polícia e regulamentar.

 

 

1.2 Caráter instrumental dos poderes administrativos

 

 Os poderes administrativos são instrumentais, já que se preordenam a tornar viáveis as tarefas administrativas, distinguindo-se, portanto, dos poderes políticos, estes estruturais e orgânicos e, assim, determinantes da estrutura do Estado.

 

 

1.3 Atributo vinculado (regrado) dos poderes administrativos

 

Os poderes administrativos podem ser exercitados pela forma, pelo modo e no tempo determinado pela lei. Quando isso ocorre, verifica-se que o poder administrativo considerado expressa-se de forma regrada.

 

Não há um “poder vinculado” como pretende parcela da doutrina. Os diversos poderes existentes é que se manifestam de forma vinculada. Nestes casos, a lei enuncia o conteúdo, o modo, o tempo e a forma do ato pelo qual o poder administrativo se exterioriza, sendo certo que o poder público não pode fugir das especificações legais.

 

O atributo vinculado opõe-se ao atributo discricionário, que é aquele no qual a lei dá ao poder público a liberdade de escolha da oportunidade (ocasião) e da conveniência (utilidade) do ato pelo qual se expressará o poder administrativo.

 

O ato discricionário pelo qual o poder administrativo se manifesta é limitado pela lei quanto à competência, à forma e à finalidade. A autoridade pública está subordinada assim à lei em ambos os tipos de atos exteriorizadores dos poderes administrativos, só que nos atos de atributo vinculado a subordinação é restrita, ao passo que nos atos de atributo discricionário é a própria lei que permite a ela optar por várias soluções que ficam a critério do administrador em contato mais íntimo com a realidade cotidiana.

 

É pacífico o entendimento segundo o qual a apreciação pelo Judiciário dos pressupostos ou motivos determinantes de um ato administrativo vinculado, através do qual se expresse um poder administrativo, não importa invasão do juízo discricionário do Poder Executivo, no apreciar o mérito, senão o exato controle da legalidade do ato. Assim, o ato vinculado através do qual se exerça um poder administrativo é passível de controle jurisdicional, para aferição da existência de abuso de poder ou ilegalidade.

 

No controle jurisdicional de ato administrativo vinculado viabilizador de um poder administrativo, o exame de sua legalidade, empreendido pelo Poder Judiciário, compreende quer os aspectos formais, quer os materiais, nestes se incluindo os motivos e pressupostos que o determinaram.

 

 

1.4 Atributo discricionário dos poderes administrativos

 

Discricionário é o ato expressivo de um poder administrativo do qual somente a autoridade que o exerce é o único juiz da sua conveniência e oportunidade.

 

O ato discricionário através do qual o poder administrativo se revela é aquele que a administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e dos modos de sua realização. Assim, discricionariedade é a liberdade de ação dentro dos limites legais. Se exercida dentro desses limites, nas condições que se reputem mais convenientes ao interesse público, que há de constituir sempre o objetivo da administração, nada tem de arbitrário ou ilegítimo – nem deve o administrador abster-se de utilizá-lo em benefício comum.

 

 

1.4.1 Ato e poder discricionário

 

Não há o pretenso “poder discricionário” como entidade conceitual autônoma. Discricionário é o ato através do qual o poder administrativo se manifesta.

 

 

1.4.2 Conveniência e oportunidade

 

A discricionariedade como apanágio de um determinado ato administrativo pelo qual um poder administrativo atua, orienta as medidas administrativas na oportunidade e conveniência de sua adoção, valoradas pelo administrador. Deste modo, tem-se como certo que a discricionariedade atribuída ao administrador no exercício de um poder administrativo deve ser usada com parcimônia e de acordo com os princípios da moralidade pública, da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de desvirtuamento.

 

 

1.4.3 Mérito administrativo

 

A expressão “mérito administrativo” define o ato administrativo expressivo de poder pelo critério discricionário, ou seja, aquele guiado pela conveniência e oportunidade.

 

 

1.4.4 Discricionariedade e arbitrariedade

 

O ato discricionário viabilizador de um poder administrativo não se identifica com o ato arbitrário, ato contra a lei ou sem direito, ou dependente da vontade de uma pessoa. Essa distinção é uma das mais importantes do direito administrativo.

 

A prática discricionária de um ato como expessão de um poder administrativo consiste no criterioso exercício de uma faculdade legal, enquanto o poder arbitrário funda-se em atos de puro arbítrio ou mero capricho.

 

Assim, não se pode qualificar de arbitrário ou ilegal o ato da autoridade que se circunscreve no âmbito do poder discricionário conferido à Administração Pública. Dentro dos limites permitidos pela lei, goza o administrador público de liberdade de ação, atividade essa  que se convencionou chamar de poder discricionário. Desse modo, o ato discricionário – autorizado pelo ordenamento jurídico -, é válido e eficaz, somente podendo ser atacado o ato arbitrário, que é aquele perpetrado com violação às normas legais e, portanto, ilegítimo e inválido.

 

 

1.4.5 Forma e finalidade do ato discricionário

 

O ato discricionário do âmbito dos poderes administrativos vincula o administrador à forma e finalidade do ato. Assim, embora no âmbito da discricionariedade seja dada ao administrador liberdade de opção, impõe-se a ele a observância da forma determinada em lei para a prática do ato e a finalidade a ser atingida.

 

 

1.4.6 Controle do atributo discricionário (relatividade do atributo discricionário)

 

A discricionariedade de atos estruturadores dos poderes administrativos constitui-se em elemento subjetivo do ato da administração e, como tal, em princípio, imune ao controle jurisdicional, como sempre lembram os publicistas. No entanto, tendo o constituinte introduzido a noção de “moralidade administrativa”, erigindo-a à categoria de princípio, o Poder Judiciário não mais pode fugir à apreciação do elemento subjetivo do ato, com fundamento em sua discricionariedade. Deverá o Poder Judiciário perscrutá-lo, portanto, em seu aspecto subjetivo, e avaliar se afastou-se ou não dos princípios que regem a Administração Pública.

 

Desse modo, cabe ao Poder Judiciário apreciar a realidade e a legitimidade dos motivos em que se inspira o ato discricionário da administração através do qual o poder administrativo ganha existência. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 8º da Lei estadual paulista 10.177/98 estabelece que nos atos discricionários, será razão de invalidade a falta de correlação lógica entre o motivo e o conteúdo do ato, tendo em vista sua finalidade.

 

  Porém, é importante que se entenda que o Poder Judiciário não pode apreciar livremente a ação discricionária do governo. O ato derivado do poder discricionário só pode ser objeto de controle judicial quando exprime evidente abuso de poder.

 

Assim, em princípio, afirma-se que ao Poder Judiciário é vedado ingressar no mérito do ato administrativo expressivo de poder, mas que pode verificar se existe, ou não, causa legítima que autorize o ato, já que o poder discricionário da administração não é absoluto.

 

Em verdade, a Constituição Federal vigente prestigiou os instrumentos de tutela jurisdicional das liberdades individuais ou coletivas e submeteu o exercício do poder estatal, mormente o administrativo, ao controle do Poder Judiciário, como deve ser em uma sociedade democrática e livre. Assim é que o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, oportunidade em que não ressalvou as decisões discricionárias do Poder Público. Ora, onde o legislador não ressalvou, não compete ao intérprete ressalvar, donde então se conclui o dever-poder do Poder Judiciário de apreciar as decisões discricionárias do administrador público, quando presentes indícios de abuso de poder, desvio de finalidade e desatenção aos princípios da moralidade e da razoabilidade administrativas.

 

Conquanto estruturalmente desiguais, as relações entre o Estado e os indivíduos processam-se, no plano de nossa organização constitucional, sob o império estrito da lei. A rule of law, mais do que um simples legado histórico-cultural, constitui, no âmbito do sistema jurídico vigente no Brasil, pressuposto conceitual do estado democrático de direito e fator de contenção do arbítrio daqueles que exercem o poder.

 

Assim, há que se entender que é preciso evoluir, cada vez mais, no sentido da completa justiciabilidade da atividade estatal e fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. Do exposto, resulta inequívoco que a progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como conseqüência, a interdição do exercício abusivo do poder discricionário.

 

Por todo o exposto, pode-se concluir que o poder discricionário nada mais é do que um contraponto, do qual se infere o poder vinculado. Em outras palavras: em verdade, não há poder discricionário, mas tão-somente um maior ou menor grau de vinculação dos atos e decisões da Administração Pública.

 

 

1.4.7 Teoria dos motivos determinantes

 

Segundo a teoria dos motivos determinantes, que investiga as razões de fato e de direito que provocam a manifestação de vontade do órgão administrativo, quando o ato administrativo de natureza discricionária expressivo de poder é motivado, ele, que originalmente era discricionário, passa a vincular-se à motivação exposta, desnaturando-se.

 

Pelo exposto, verifica-se que o ato discricionário perde essa característica quando se justificam os motivos de sua prática; fica, assim, vinculado à causa determinante, sujeitando a sua legitimidade ao confronto com os motivos indicados.

 

 

1.5 Caráter extroverso e introverso dos poderes administrativos

 

Há poderes administrativos, cujos provimentos são dotados da possibilidade de interferir na esfera jurídica dos administrados, quando então se diz que são extroversos.

 

Há ainda poderes administrativos cujos provimentos apenas operam no âmbito interno da administração. Diz-se, então, que são dotados do atributo da introversão.

 

Em verdade não há um poder extroverso da Administração, como pretendem alguns autores. Há, sim, poderes administrativos dotados do atributo da extroversão, ou dele desprovidos.

 

Se um poder administrativo em atuação é autorizado a editar provimentos que interfiram na esfera jurídica do administrado, dizemos que ele é extroverso.

 

Neste passo cumpre advertir que nos termos do art. 6º da Lei estadual paulista n.º 10.177, de 30 de dezembro de 1998, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, somente a lei poderá criar condicionamentos aos direitos dos particulares ou impor-lhes deveres de qualquer espécie e bem assim prever infrações ou prescrever sanções.

 

Assim, o pretenso “poder extroverso”, em verdade, não é um poder administrativo autônomo, mas sim uma faculdade do poder que se manifesta nos poderes administrativos, com exceção dos poderes hierárquico e disciplinar, já que estes últimos não obrigam senão os próprios agentes da Administração Pública, jamais os administrados lato sensu (particulares). O destaque que aqui se dá ao poder extroverso justifica-se por imperativo didático.

 

 

* Especialista e mestre em Direito com pesquisas em Direito Administrativo. Sócio-administrador da Pereira Martins Advogados associados. E-mail: eliezer@pereiramartinsadvogados.com.br

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
, Eliezer Pereira Martins. Apontamentos Sobre a Teoria Geral dos Poderes Administrativos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/apontamentos-sobre-a-teoria-geral-dos-poderes-administrativos/ Acesso em: 16 fev. 2025